Lorin Granger / University of East Anglia

David Carpenter, historiador do King’s College London, examina a “cópia” da Magna Carta
A Universidade de Harvard comprou em 1946, por menos de 30 dólares, uma “cópia” da Magna Carta — que viria a revelar ser um manuscrito genuíno, com 800 anos, do “documento mais famoso da história do mundo”.
Na primavera de 2024, dois historiadores britânicos estavam a navegar no catálogo online da biblioteca da Universidade de Harvard quando algo os fez parar.
No ecrã estava um pergaminho envelhecido, com a etiqueta “HLS MS 172”, que durante muito tempo os bibliotecários acreditaram ser uma cópia caseira da Magna Carta.
Mas quando David Carpenter, historiador do King’s College de Londres, e Nicholas Vincent, da Universidade de East Anglia, estudaram as linhas e letras do documento, viram algo em que poucos tinham reparado. O que estavam a ver não era uma mera reprodução — mas um original.
Foi agora confirmado que o documento é um dos sete originais sobreviventes que se conhecem da edição de 1300 da Magna Carta do Rei Eduardo I.
A descoberta coloca o manuscrito da Faculdade de Direito de Harvard, há muito esquecido, entre os artefactos mais raros da história.
“Esta é uma descoberta fantástica”, afirma Carpenter. “A Magna Carta merece ser celebrada, não como uma mera cópia, manchada e desbotada, mas como um original de um dos documentos mais significativos da história constitucional mundial, uma pedra angular das liberdades passadas, presentes e ainda por conquistar”.
Os dois historiadores fizeram a descoberta enquanto navegavam na Internet, a partir do Reino Unido. Tinham estado em bibliotecas de todo o mundo a estudar cópias não oficiais da Magna Carta. Mas quando viram a etiqueta “HLS MS 172”, suspeitaram que se poderia tratar de um manuscrito medieval original.
Para o confirmar, pediram imagens ultravioleta e multiespectrais aos bibliotecários de Harvard, que lhes enviaram uma série de exames avançados. Sob estas análises, a tinta e as fibras do HLS MS 172 revelaram a sua história.
Carpenter comparou o texto com alguns dos originais que tinham sobrevivido até aos nossos dias. Reparou então no “E” grande e em loop na primeira linha (“Edwardus”) e no tamanho do pergaminho: 489 por 473 mm, consistente com os outros seis originais conhecidos de 1300.
Todas as caraterísticas do documento batiam certo: a caligrafia, as dimensões do pergaminho e a fidelidade textual coincidiam exatamente com os outros seis originais conhecidos.
Depois, veio o teste decisivo.
Em 1300, os escrivães reais tinham emitido uma nova versão padronizada do texto da Magna Carta. Se o manuscrito de Harvard divergisse dessa versão, seria provavelmente uma cópia falsa ou posterior. No entanto, as palavras do manuscrito coincidiam exatamente com a versão oficial de 1300.
Para o documento poder ser considerado autêntico, o texto tinha de estar correto, conta Carpenter. “E este passou no teste com distinção”, diz o historiador num comunicado da Universidade de East Anglia.
Um achado curioso
Isto levanta outra questão. Como é que uma carta real atravessou um oceano e acabou na biblioteca de uma faculdade de Direito? Os investigadores descobriram a sua origem em Appleby, um antigo bairro parlamentar no Lake District inglês.
Emitido para a cidade em 1300, o documento seguiu um caminho tortuoso, passando pelas mãos do abolicionista britânico Thomas Clarkson, até chegar a Forster “Sammy” Maynard, famoso piloto aviador e comandante da Royal Air Force durante a II Guerra Mundial, que acabou por leiloar o documento.
Em 1945, o manuscrito foi vendido pela Sotheby’s à livraria londrina Sweet & Maxwell, especializada em livros de direito, que o vendeu à Faculdade de Direito de Harvard no ano seguinte — por apenas 27,50 dólares, cerca de 25 euros — que hoje valeriam algo como 400 euros.
A listagem do leilão descrevia-o como uma “cópia feita em 1327 um pouco esfregada e manchada pela humidade”, e os juristas de Harvard nunca lhe deram grande importância.
Até agora.
A Magna Carta, originalmente emitida em 1215 pelo Rei João, é há muito tempo venerada como um símbolo fundamental da liberdade e do Estado de direito, nota o ZME SCience.
Embora a carta original tratasse maioritariamente de queixas feudais, o seu legado evoluiu. Os princípios que consagrou, limitando o poder real, garantindo julgamentos justos e estabelecendo a ideia de que ninguém está acima da lei — nem mesmo o rei — ecoaram ao longo dos séculos.
O documento ajudou a moldar a Constituição dos EUA e inspirou a Declaração de Independência. É citada tanto em decisões do Supremo Tribunal como em discursos políticos.
“É um símbolo da liberdade”, diz Nicholas Vincent. “Se perguntássemos a alguém qual é o documento mais famoso da história do mundo, provavelmente citariam a Magna Carta”.
“A proveniência deste documento é simplesmente fantástica”, acrescenta o historiador. “Tendo em conta os atuais problemas relacionados com as liberdades e com o sentido da tradição constitucional na América, não se poderia inventar uma proveniência mais maravilhosa do que esta.”