O que deu cabo da esquerda em Portugal?

Miguel A. Lopes / Lusa

Em 2018, o então primeiro-ministro António Costa ladeado pelos ministros Pedro Nuno Santos e Augusto Santos Silva

Em 2015, uma “Geringonça” de esquerda, alavancada por Pedro Nuno Santos e liderada por António Costa, assumiu as rédeas do país. 10 anos depois, a esquerda em Portugal está de rastos. O que explica a hecatombe?

Há 10 anos, nas eleições legislativas de 4 de outubro de 2015, a coligação PSD/CDS-PP também saiu vitoriosa; e até teve mais votos do que este ano: foram 1.993.921, representado 36,86% e 107 mandatos.

Este ano, até ver (faltando ainda apurar os círculos da Europa e Fora da Europa), a AD elege 89.

Mas, em 2015, deu-se uma conjugação inédita em Portugal e um volte-face pós-eleitoral levou a esquerda a formar a famosa Geringonça.

PS, Bloco de Esquerda e CDU juntaram-se para afastar a direita da governação. Na altura, uma esquerda pujante conseguiu reunir 122 deputados – 86 do PS, 19 do BE e 17 da CDU – numa maioria que durou até ao fim da legislatura (2019).

Dessa legislatura, o PS parece ter saído reforçado – tanto que, nas eleições de 2019, os socialistas conseguiram governar ‘a sós’. Por seu turno, o BE manteve o número de deputados (19) na Assembleia; mas a CDU baixou de 17 para 12.

O número de deputados comunistas tombou depois para 6 em 2022; para 4 em 2024; e atingiu, este domingo, o mínimo histórico de 3 deputados.

Vítimas de António Costa?

Na década de 1980, nos tempos de Álvaro Cunhal, a Assembleia da República chegou a ter mais de 40 deputados comunistas.

Recentemente, a deputada comunista Paula Santos foi questionada, num podcast do Observador, se esta queda livre culpa da geringonça.

“É uma pergunta muito complexa…”, começou por responder, mas sem demorar muito a criticar o PS de António Costa, nos tempos da Geringonça.

Houve apropriação entre 2015 e 2019 por parte do PS de medidas – como manuais escolares ou passe social, reposições de rendimentos – que só avançaram pela intervenção e pela influência do PCP“, denunciou.

A deputada acusou mesmo os socialistas de “operação de silenciamento e de apagamento da intervenção do PCP”.

Deu como exemplo o acesso à comunicação social: “Não se colocou em cima da mesa as intervenções, as propostas do PCP – que não são destacadas“.

Agora, a vez do Bloco

Se a descida da CDU foi sendo gradual e algo previsível, o tombo do BE foi muito mais brusco, em 2022 – eleição na qual o bloquistas perderam 14 assentos no Parlamento. De 19 para 5, em menos de três anos.

Em 2024 a BE conseguiu manter os 5 deputados, mas já não conseguiu resistir ao ato d’este domingo – só a líder Mariana Mortágua ‘sobreviveu’.

Em 10 anos, o Bloco foi dos 19 deputados, de ser a terceira força política em Portugal, de fazer parte de uma solução governativa, para o cenário insólito de deputado único no Parlamento.

Mas pior… o PS

Mas a grande desilusão da noite foi mesmo o Partido Socialista.

Com apenas 23,38% dos votos e com 58 deputados, o PS perdeu 20 deputados em relação ao ano passado e 62 (mais do dobro) dos deputados em relação à maioria absoluta de 2022.

Aquela que foi a pior noite do PS nos últimos 40 anos levou mesmo à demissão do secretário-geral socialista Pedro Nuno Santos.

Quase que era o seu pior resultado de sempre – mas o desfecho de 1985, com 57 deputados, continua a ser o pior registo da história.

Dos partidos à esquerda, só o Livre teve motivos para sorrir, nestas eleições antecipadas, aumentado o número de deputados de 4 para 6.

Pior resultado de sempre da esquerda

Em 2015, alavancada por Pedro Nuno Santos e António Costa, a Geringonça assumiu as rédeas do país.

10 anos depois, e apesar do resultado positivo do Livre, é seguro dizer que, globalmente, a esquerda em Portugal está de rastos.

A Aliança Democrática (que junta PSD CDS-PP) conseguiu, nas eleições deste domingo, eleger mais deputados do que a esquerda toda junta.

Afinal, o que explica esta hecatombe? O que deu cabo da esquerda? 

João Miguel Tavares, num artigo no Público, na noite deste domingo, teoriza que “Pedro Nuno Santos vai ser tratado como bode expiatório”.

No entanto – considera o cronista -, “o pecado original está nos oito anos e meio de António Costa, que sacrificou a verdade no altar da habilidade“.

Será?

Miguel Esteves, ZAP //

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