Montenegro fez um “ataque sem precedentes” e “mentiu” sobre o trabalho dos jornalistas

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Tiago Petinga / Lusa

O primeiro-ministro, Luís Montenegro

Luís Montenegro teceu, esta terça-feira, considerações “perigosas” sobre o trabalho dos jornalistas. O primeiro-ministro deu a entender que há profissionais a fazer perguntas encomendadas. É um “ataque sem precedentes ao jornalismo”.

Esta terça-feria, na apresentação do Plano de Ação para a Comunicação Social, o primeiro-ministro Luís Montenegro desejou um jornalismo livre, em Portugal, sem intromissão de poderes, sustentável, mas mais tranquilo, menos ofegante, com garantias de qualidade e sem “perguntas sopradas”.

Mas o que quererá ter dito Luís Montenegro com “perguntas sopradas”?

Parece que o primeiro-ministro insinuou que há jornalistas a quem “lhe sopram perguntas ao ouvidos” – o que o deixa “impressionado”.

“Uma das coisas que mais me impressiona, quero dizer-vos aqui olhos nos olhos, é estar com seis ou sete câmaras à minha frente e ter os jornalistas a fazerem-me perguntas sobre determinado acontecimento e ver que a maior parte deles tem um auricular no qual lhe estão a soprar a pergunta que devem fazer. E outros à minha frente pegam no telefone e fazem a pergunta que já estava previamente feita”, atirou.

Mas, afinal, quem são os jornalistas em causa? E quem é que lhes sopra ao ouvido? Montenegro não especificou, mas continuou a fazer considerações: “Eu, como agente político e cidadão, olho para este quadro e digo assim: os senhores jornalistas não estão a valorizar a sua própria profissão, porque parece que está tudo teleguiado, está tudo predeterminado“.

“As garantias do exercício livre do jornalismo têm a colaboração de todos, e este esquema, francamente, não é o que valoriza mais a função, porque para isso não é preciso ser jornalista. Para fazer a pergunta que o outro sopra ao ouvido ou para ler a pergunta que está num SMS de telefone, sinceramente não é uma especial qualificação”, finalizou.

Montenegro parece ter denunciado um “esquema”… ou então fez apenas um “ataque sem precedentes ao jornalismo e aos jornalistas”.

As palavras supracitadas foram escritas pelo do jornalista Gonçalo Ventura, que, através de uma publicação nas redes sociais, condenou as considerações de Luís Montenegro.

O jornalista da RTP considera que “a imunidade de que gozam os detentores de alguns cargos públicos isenta-os de responderem facilmente perante a justiça” e acrescenta: “este é um caso de polícia que deveria ser investigado”.

“Se há jornalistas com perguntas ‘sopradas ao ouvido através de um auricular’ devem ser expostos e retirados deste meio. Se o senhor primeiro-ministro conhece algum caso deve denuncia-lo. Se não o fizer, temo que nos tenha mostrado uma face que ainda desconhecíamos e incorreu num erro gravíssimo“, pode ler-se.

“Estas declarações, além de graves, são um ataque ao jornalismo e aos jornalistas sem precedentes. Uma das duas: ou não se preparou para o que disse (não quero acreditar nisso), ou foi informado de forma maliciosa por alguém. Um primeiro-ministro não pode dizer o que disse Luís Montenegro de forma leviana. Se vier a retratar-se já se será tarde”, finalizou Gonçalo Ventura.

Nos comentários, questionado se Luís Montenegro tinha, de facto, mentido, o jornalista da RTP afirmou: “mentiu!”

 

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Afinal, para que serve o auricular?

Após o sucedido e numa conversa com a professora de Ciências da Comunicação da Universidade do Minho, Felisbela Lopes, no Jornal das 12 (12h11) da RTP3, a jornalista Cristina Esteves deu uma breve “aula” de auriculares.

No estúdio de televisão: “Nesta coisa que eu tenho aqui, que é um auricular, recebo realmente indicações por parte da minha régie, muitas vezes para dizer ‘vamos para intervalo’, ou ‘vamos terminar neste exato momento’, ou ‘uma reportagem não está pronta”.

No exterior: “Este auricular é relevante para termos a ligação feita ao estúdio; não é relevante para termos perguntas feitas ao ouvido“, elucidou.

Felisbela Lopes admitiu que as considerações de Luís Montenegro podem ser perigosas: “Vamos encarar esse exemplo com uma pequena nota de rodapé, porque, se calhar, não é essa, de todo, a prática dos jornalistas que fazem diretos a partir dos diversos lugares”.

No Telejornal, às 20h, este tema voltou a ser abordado. A RTP fez uma peça (exemplo de serviço público) onde explica detalhadamente para que serve um auricular.

PM fomentou clima de desconfiança

O Sindicato dos Jornalistas (SJ) considerou as críticas do primeiro-ministro ao jornalismo e aos jornalistas “infelizes e desinformadas”, vincando que estas contribuem para um clima de suspeição.

“Numa fase em que o Governo diz que pretende valorizar o setor, o SJ considera infelizes e desinformadas as criticas do primeiro-ministro ao jornalismo e ao trabalho dos jornalistas”, defendeu, em comunicado, a estrutura sindical.

Para o sindicato, estas declarações “em nada dignificam a profissão”, contribuindo para um clima de suspeição, que o SJ lamentou e rejeitou: “Tais palavras tornam-se ainda mais incompreensíveis porque geram desconfiança sobre o trabalho dos jornalistas e minam a credibilidade dos órgãos de comunicação social”, vincou.

E depois deu entrevista a “não jornalista”

Depois das críticas ao jornalismo atual e de dizer que os jornalistas devem valorizar-se mais no exercício da sua profissão, Luís Montenegro terminou o dia a conceder uma entrevista na SIC a Maria João Avilez – que não tem carteira de jornalista desde 2008.

Em declarações ao Diário de Notícias, o presidente do SJ, Luís Filipe Simões, lamentou que, “de manhã”, o primeiro-ministro tenha dito que os jornalistas fazem perguntas encomendadas, “e à noite dá uma entrevista que as pessoas pensam que é feita por uma jornalista“, tendo a SIC identificado no oráculo Maria João Avilez como “jornalista”.

“Estamos a falar, e é importante que isso se diga, de um espaço informativo, não de uma entrevista num espaço que não é de informação; é num telejornal, que as pessoas identificam com um espaço reservado a jornalistas. São os jornalistas que lá devem estar, nas entrevistas, não alguém que não tem uma carteira profissional”, criticou o jornalista.

“Parece-me completamente evitável que na SIC, que tem excelentes jornalistas, esta entrevista seja feita por uma não jornalista. Não é normal e é sobretudo evitável. Os atos jornalísticos têm de ser feitos por jornalistas. Existe a figura da usurpação de funções“, sublinhou.

Como é visto o plano para os media?

O Governo apresentou esta terça-feira, o seu Plano de Ação para a Comunicação Social, composto por 30 medidas, divididas em quatro eixos – Regulação do Setor, Serviço Público Concessionado, Incentivos ao Setor, Combate à Desinformação e Literacia Mediática.

Entre estas medidas está o fim da publicidade na RTP e um programa de saídas voluntárias, que poderá abranger um máximo de 250 pessoas, sendo que será contratado uma nova pessoa por cada duas que saírem.

O presidente da RTP já defendeu que o fim da publicidade “significa perda de relevância” da empresa e recordou que esta muitas vezes serviu de estabilizador do mercado publicitário.

O SJ considera que plano o contempla o desmantelamento da RTP, “sob a capa” do serviço público, ao prever o corte da publicidade e despedimentos. Em causa, disse o sindicato, está o corte da publicidade e o anúncio de despedimentos, “com o eufemismo de saídas voluntárias”.

“O anunciado fim da publicidade no canal público não vai favorecer o trabalho de reportagem nem a sobrevivência de delegações fora dos grandes centros urbanos, nos países de expressão de portuguesa ou naqueles onde existem comunidades lusófonas que merecem ser objeto do olhar do serviço público de jornalismo”, apontou o Conselho Deontológico do sindicato.

Miguel Esteves, ZAP //

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12 Comments

  1. Verdade seja, já a maioria percebeu que muita da C.S: está CAPTURADA pelo Poder. Isso mesmo aconteçeu logo no 25/74 com a invasao da RTP. É uma herança do 25/4.
    Muita da malta da C .S: faz meramente Propaganda dos intereses Polticos que tomaram o Estado.

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  2. “ataque sem precedentes ao jornalismo” Agora não se pode investigar ou duvidar jornalistas? Hoje em dia o jornalismo é feito por um comentador qualquer ou um jornalista com laços (luvas) não se pode duvidar…. Já quase que não existe jornalismo em Portugal, existe ouvi dizer e o fulano disse. Quando uma pessoa vai verificar o que foi relatado 80% não foi mencionado ou foi adulterado para entrar numa agenda ou propaganda de lobbys . Mas pelos vistos são todos a cima da lei e da verdade…. É por isso que as pessoas já não compram jornais ou perdem tempo a ver o jornal na TV. Parece feito por o lápis do Kremlin e quando falam nas noticias….. Muitas vezes simplesmente ignoram e não relatam

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  3. O PM não disse mentira nenhuma. Muitos dos jornalistas são estagiários ou aprendizes e não sabem fazer perguntas e é através do auricular que o chefe manda fazer as perguntas. Aconteceu à pouco tempo um caso com o treinador Bruno Lage em que se ouviu o jornalista, através do seu auricular, a receber a pergunta para colocar ao treinador e este reagiu, dizendo ao jornalista para desligar o auricular e refazer a pergunta, o que acabou por não o fazer porque não decorou a pergunta a fazer.

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  4. O setor a defender-se e como goza de imunidade onde pode dizer tudo, atira com estas frases feitas e ocas a ver se pega…

    Dá pena ver os/as jornalistas a atropelarem-se uns aos outros a fazer perguntas sem nexo, muitas das vezes interrompendo quem fala (devem ganhar à pergunta).

    Dá pena ver os/as jornalistas que berram ao microfone nos diretos, sem pausas, num tom monocórdico (devem ganhar à palavra ou ao minuto).

    Dá pena em muitas das entrevistas ver as perguntas feitas (sim, sopradas pelo auricular), mais interessados no pormenor que possa gerar factos que numa análise que privilegie factos e argumentos.

    Quer à direita, ao centro, à esquerda, ao alto e ao baixo.

    É este o jornalismo que temos. Canais a mais …

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  5. Infelizmente temos um jornalismo de fraca qualidade que se escuda demasiadas vezes por trás de alegadas fontes confidenciais para assim mascarar as suas insuficiências no fact-checking. Que mais depressa cavalgam a onda do alarmismo e negativismo fazendo ping-pong entre A e B para empular ao expoente máximo uma notícia que no fundo nada é. Já estou como o Ronaldo, apetece-me é atirar-lhes com o microfone ao lago. E agora, obviamente, vão cavalgar a onda das virgens ofendidas…

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  6. Como eles se defendem, até parece que foi dita alguma mentira, basta ver debates, e a categoria dos que perguntam, ou melhor atacam..

    Não gostava do Monte Negro, mas começo a ouvir o que vai dizendo com outros , com outros ouvidos

  7. Atacar o 4º Poder ?????……que lata ! . com ou sem osculadores ou com telemóveis , quando uma pergunta é feita incomoda ou não , tem a liberdade de responder ou não , não vejo o problema do Sir . Montenegro . Talvez gosta-se mais de perguntas a sua medida !

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  8. Mas chamam jornalismo ao que se passa hoje em Portugal. É uma vergonha ver jornalistas que mais parecem relatores de futebol. Repetem a mesma coisa 20 vezes. Não sabem, ou tem medo de confrontar os entrevistados políticos com perguntas contundentes. Parecem uns pequenos aprendizes de feiticeiros.
    SEJAM JORNALISTAS E NÃO PAUS MANDADOS. Acham que portugueses não se apercebem deste vossa incapacidade de questionar sem medo. Tirando meia dúzia de o jornalismo em Portugal está fraquinho. Aliás como convêm aos políticos.

  9. Ui bateu com o pau num ninho de vespas! E vê las a varejar que nem malucas, quase 10 anos de Costa e o maninho a director de informação na SIC e ninguém reparou, a culpa é do Passos pá

  10. Pela reação dos jornalistas parece que o Montenegro tocou no ponto certo, e só um tuga distraído é que não tem reparado no estranho alinhamento ideológico dos nossos jornalista tornando-se numa nulidade na imparcialidade. Desde a injeção de milhões de euros no tempo da pandemia, médias como a SIC/Expresso dirigidos pelo mano Costa transformaram-se em canais de propaganda de esquerda e extrema esquerda, os comentadeiros são escolhidos a dedo para manter o alinhamento e retórica, até os programas de humor defendem essa ideologia. Hoje muita gente já se apercebeu da manipulação que esse canal induz e o resultado tem sido a perda de audiência, face a isso tem tentado ludibriar a opinião publica e governo para a necessidade de injetar mais milhões nos média para evitar a sua extinção como se a culpa não fosse deles.

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  11. O Primeiro Ministro disse uma grande verdade, que parece ter incomodado muita gente. Com estas palavras, tentou dignificar a profissão de jornalista. Mas são os próprios jornalistas que não perceberam isto, porque a maioria é acéfala, sem pensamento crítico, e que só sabem reproduzir o que ouvem. Senhores jornalistas, protejam a vossa profissão, fazendo jornalismo de investigação (que dá trabalho e custa dinheiro) e procurando sair do “rebanho” esquerdino, que parece estar muito contente com o país em que vivemos….

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