
O presidente russo Vladimir Putin, com o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev.
Dmitry Medvedev ameaça rasgar acordo da Segunda Guerra Mundial com Helsínquia e acusa a Finlândia de se tornar uma plataforma da NATO para atacar a Rússia. “O que aconteceu, num piscar de olhos, foi a ucranização da Finlândia”, diz. Já sabemos o que aconteceu à Ucrânia.
Num artigo publicado pela agência estatal russa TASS, o vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia, Dmitry Medvedev, acusou a Finlândia de estar a preparar terreno para um eventual ataque da NATO contra a Rússia.
Apontando as “medidas defensivas” tomadas por Helsínquia e a crescente presença da Aliança Atlântica junto à fronteira noroeste russa, Medvedev sustenta que a Finlândia está a repetir a sua “colaboração desastrosa” com a Alemanha nazi nas décadas de 1930 e 1940.
Segundo o portal russo independente Meduza, no texto, Medvedev refere que visitou recentemente a fronteira da Rússia com a Finlândia.
O antigo presidente russo afirma ter conversado com responsáveis locais e refletido sobre “a política insensata que as autoridades finlandesas estão a seguir, claramente contra os seus próprios interesses”.
No artigo para a TASS, Medvedev recupera uma longa lista de queixas contra Helsínquia que remontam à II Guerra Mundial, culpa os finlandeses pelas “vidas destruídas e destinos arruinados de milhões de cidadãos soviéticos pacíficos que não conseguiram evacuar das regiões ocidentais para o interior do país” quando começou a invasão alemã.
Medvedev argumenta ainda que a cooperação da Finlândia com a NATO e os EUA, bem como o abandono de compromissos de neutralidade militar, violam o acordo que sustenta a ordem pós-Segunda Guerra Mundial entre Moscovo e Helsínquia.
“Se não existir qualquer componente militar-político no Tratado de Paz de Paris de 1947, então não há base para a nossa renúncia a questões históricas por resolver, nem obstáculo a levantar o tema da responsabilidade moral do atual governo finlandês pelos atos dos seus antecessores.”
O dirigente russo sugere que Moscovo poderá reclamar novas reparações a Helsínquia, e recorda que a antiga URSS recebeu 226,5 milhões de dólares (cerca de 4 mil milhões de euros em valores atuais) ao abrigo do Tratado de Paris.
Medvedev salienta no entanto que o Supremo Tribunal da Carélia, república russa que faz fronteira com a Finlândia, avaliou recentemente em 20 biliões de rublos (cerca de 242,5 mil milhões de euros) os danos causados pela Finlândia e pelas suas tropas durante a guerra.
“Temos todo o direito legal de reclamar esse valor ipso jure”, escreve Medvedev. “E tanto mais num contexto de histeria militarista anti-russa em expansão na Finlândia, alimentada por provocações“.
“De um país com historial de atrocidades contra populações eslavas e um terreno fértil para o nacionalismo, emergiu rapidamente uma ‘anti-Rússia’ ainda mais agressiva do que a própria Ucrânia”, acrescenta Medvedev.”
“Em vez da anterior perspetiva de uma ‘finlandização’ da Ucrânia amante da liberdade, o que aconteceu, num piscar de olhos, foi a ‘ucranização’ da Finlândia”, conclui Medvedev.
Segundo o portal Agentstvo, as declarações do antigo presidente russo seguem uma tendência clara de confrontação de Medvedev e da hierarquia do Kremlin.
Em abril, o secretário do Conselho de Segurança, Sergey Shoigu, acusou os países europeus de estarem a preparar-se para uma guerra contra a Rússia até 2030.
Já o vice-ministro dos Negócios Estrangeiros, Alexander Grushko, declarou que a NATO e a União Europeia estão “ativamente a preparar-se para um confronto armado”. Em junho, Medvedev avisou que a Rússia deve “responder em pleno” à “traição” ocidental, mesmo que isso implique ataques preventivos.
Em Medvedev, a retórica de agressiva confrontação não é nova. Numa publicação nas redes sociais, em agosto, disse que Donald Trump devia imaginar o cenário da série apocalíptica The Walking Dead e recordou a famosa “Mão Morta“, sistema ultrassecreto criado pela União Soviética durante a Guerra Fria, para assumir o controlo de seu arsenal nuclear soviético, caso a cadeia de comando fosse destruída, e lançar um ataque nuclear automático de último recurso.
Em resposta a esta ameaça, Trump disse ter ordenado a dois submarinos nucleares que fossem “reposicionados nas regiões apropriadas”, num caso raro de uma potencial escalada nuclear entre as duas maiores superpotências nucleares do Mundo desde o fim da Guerra Fria.
Em março de 2023, Medvedev avisou que o apocalipse nuclear está “mais perto”, ameaçou bombardear o parlamento alemão e lançar mísseis sobre o TPI. Em abril do mesmo ano, Medvedev chamou ao Reino Unido uma “Ilha repugnante” que vai ser lançada para o abismo com as ondas de uma arma nuclear. Repetiu em julho o aviso de que a guerra nuclear está mais próxima.
Medvedev foi presidente da Rússia de 2008 a 2012, entre dois mandatos de Putin, e era na altura considerado reformista e moderado.
A retórica utilizada por Medvedev no seu artigo na TASS faz lembrar as palavras de Vladimir Putin dias antes do início da invasão em larga escala da Ucrânia.
Na altura, o presidente russo defendeu que, caso entrasse para a NATO, a Ucrânia serviria de “plataforma avançada” para ataques contra a Rússia. O Kremlin continua a apresentar a guerra na Ucrânia como uma “resposta preventiva” à agressão ocidental.
Em junho de 2025, o canal público finlandês Yle noticiou que imagens de satélite revelaram obras de expansão da presença militar russa perto da fronteira com a Finlândia.
Dois meses antes, o Wall Street Journal avançara que Moscovo estava a deslocar novo equipamento e reforços para as suas bases junto à fronteira com a NATO, indício da sua capacidade para “manter a guerra terrestre em larga escala na Ucrânia ao mesmo tempo que aumenta a força e o armamento das tropas ao longo da fronteira finlandesa”.
No início do ano, a revista International Affairs, órgão do Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, publicou um artigo a apelar a que Moscovo encare o mar Báltico como “potencial teatro de operações militares”.
O autor do texto, o investigador Nikolai Mezhevich, argumenta que os “adversários” da Rússia nos países bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia) e no Norte da Europa, particularmente a Finlândia, estão a formar uma chamada “zona cinzenta” no mar Báltico.
Na verdade, estes países não estão exatamente a posicionar forças militares junto às suas fronteiras com a Rússia, mas a construir uma nova “cortina de ferro” — para se defenderem de um possível ataque da Rússia.
Guerra na Ucrânia
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Medvedev fala na ucranização da Finlândia. Já sabemos o que quer dizer