O lar de Reguengos de Monsaraz, onde um surto de covid-19 provocou a morte de 18 pessoas, não cumpria as orientações da Direção-Geral da Saúde (DGS), concluiu uma auditoria da Ordem dos Médicos.
O relatório da comissão de inquérito da Ordem dos Médicos para avaliar as circunstâncias clínicas do surto de covid-19 num lar em Reguengos de Monsaraz, a que a agência Lusa teve acesso, diz que não era possível cumprir “o isolamento diferenciado para os infetados ou sequer o distanciamento social para os casos suspeitos”.
“Não existia, por exemplo, definição de circuitos de limpos e de sujos, o que foi feito apenas a 26 de junho, nove dias depois de ter sido confirmado o primeiro caso”, sublinha o relatório da auditoria.
A comissão conclui que “os recursos humanos foram insuficientes para a prestação de cuidados adequados no lar, mesmo antes da crise de covid-19, uma situação que se agravou com os testes positivos entre os funcionários, que os impediram de trabalhar”.
Uma das consequências mais graves é que “vários doentes estiveram alguns dias sem as terapêuticas habituais, por falta de quem as preparasse ou administrasse”, diz o documento, sublinhando que “houve casos de preparação e administração de fármacos por pessoal sem formação de enfermagem”.
O relatório afirma ainda que os doentes não foram tratados “de acordo com as boas práticas clínicas”, com responsabilidades “para quem, sabendo que não tinha os recursos humanos adequados e preparados, permitiu que esta situação se protelasse no tempo”.
O documento diz ainda que foram criadas todas condições para a “rápida disseminação, com responsabilidades para quem geria o espaço, o processo de rastreio epidemiológico e a aplicação das normas da DGS”.
“O processo inicial de rastreio – desde a primeira zaragatoa até aos resultados finais de todos os utentes e funcionários – demorou perto de três dias, período de tempo em que os potencialmente infetados conviviam e partilhavam espaços, quartos, corredores e casas de banho”, explica.
A comissão de inquérito conclui pela “desorganização e consequente prejuízo para os doentes, atribuível à Autoridade de Saúde e à ARS do Alentejo”, dizendo que “o processo de governança clínica” falhou.
A este nível, o relatório conta que havia uma “subordinação da liderança clínica às intervenções superiores administrativas, com consequente descoordenação logística de meios e do pessoal de saúde (médicos, enfermeiros), bem como da articulação com o pessoal auxiliar e voluntário”.
Refere também que “os responsáveis, que foram alertados pelos profissionais, não agiram atempadamente e em conformidade, mantendo os doentes em circunstâncias penosas e facilitando o crescimento do surto, antes da transferência para o pavilhão”.
“A Autoridade de Saúde Pública não visitou o Lar para avaliar localmente estas circunstâncias. Delegou as funções, designadamente no ACES [Agrupamento de Centros de Saúde], cujo diretor clínico foi designado pelo presidente da ARS como responsável do pavilhão”, acrescenta.
Conclui ainda que a instituição “não cumpriu as regras estabelecidas e não teve assim condições para enfrentar com rigor o surto”, explicando que não foi apresentado aos elementos da comissão “qualquer plano de contingência interno da instituição na fase anterior ao surto, nem evidência de que os funcionários do lar tiveram formação nessa matéria”.
“Aos médicos deslocados nunca foi dado conhecimento do mesmo [plano de contingência interno], o que impediu uma resposta imediata, coletiva e coordenada”, considera.
A comissão aponta igualmente que a transferência dos utentes para um “alojamento sanitário” no Pavilhão Multiusos do Parque de Feiras e Exposições da cidade foi tardia, pois ocorreu mais de duas semanas depois do início do surto, “quando já se contabilizavam oito mortos e 138 casos ativos”.
Reconhece que a instituição melhorou as condições para os utentes, mas insiste que, “mesmo em melhores condições, a falta de coordenação e gestão continua a impedir que os doentes, os profissionais e os voluntários estejam em ambiente seguro“, responsabilidade que a comissão atribui à Administração Regional de Saúde do Alentejo e à autoridade de saúde.
Finalmente, a comissão de inquérito considera que o “alojamento sanitário” no pavilhão “permitiu que as regras e normas da DGS pudessem ser aplicados à semelhança de outros lares”, mas lembra que este espaço “nunca foi denominado de ‘hospital de campanha’ nem tinha condições para ser considerado um hospital”.
O relatório já foi enviado ao Ministério Público, Ministério da Saúde, Direção-Geral da Saúde e à Ordem dos Advogados.
Bastonário dos médicos faz apelo à DGS
O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, defende que a Direção-Geral de Saúde (DGS) deve acompanhar mais de perto situações como a do lar de Reguengos de Monsaraz.
“É preciso que a DGS controle mais de perto estas situações que envolvem lares”, afirma o bastonário em declarações à Lusa, sublinhando: “Nesta altura de pandemia, a DGS deveria ter mais tentáculos, mais pessoas que permitissem atuar mais longe”.
Miguel Guimarães insiste que, nestes casos mais específicos, “é preciso acompanhar de perto, perceber o que está a acontecer e saber se as coisas estão a ser feitas como deve ser – a nossa intervenção mais ou menos correta pode salvar mais ou menos vidas”.
O responsável disse que o que mais o surpreendeu foi que “a autoridade de saúde e a ARS nada tenham feito para que algumas coisas não tivessem acontecido”. “A autoridade, de uma forma geral, (…) dá-me ideia que as coisas não foram acompanhadas tão de perto como deveriam ter sido e, por isso, há vários passos que acabaram por falhar, e passos importantes”, afirmou
Miguel Guimarães conta também que o que fez mais impressão foi perceber que os idosos que estavam infetados foram retirados para um pavilhão que não tinha condições para ser sequer um hospital de campanha. “Se as pessoas têm doença mais grave têm de estar no hospital, porque depois não há os meios para escalar tratamentos”, acrescenta.
O surto no lar provocou, até ao final de julho, 18 mortos – 16 utentes, uma funcionária e um homem da comunidade – e provocou, no total, 162 casos de infeção. No lar, foram contaminados 80 utentes e 26 profissionais, mas a doença propagou-se à comunidade e infetou outras 56 pessoas.
ZAP // Lusa
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É um escândalo a forma que os nossos idosos são tratados pelos lares e pelo governo.Sei que é injusto mas,às vezes chego a pensar que é tudo planeado para evitar custos à segurança social.Não se compreende como pode o Vírus chegar a tantos lares sem que possa evitar tal situação.Só pode ser transmitido pelos funcionários dos tais lares e eu pergunto,não se fazem testes a estes funcionários?
Lar de Reguengos não cumpria orientações da DGS, e os outros? Os lares de idosos são um depósito de ferro velho que nem para reciclagem já serve!