Nem gás, nem petróleo: Japão está à procura de lama milionária e vai começar mineração em águas profundas no ano que vem.
Positiva ou negativa, o Japão vai fazer história já no início do próximo ano, ao começar a tentar extrair metais raros a profundidades nunca antes exploradas no oceano.
O país asiático será, a partir de janeiro, o primeiro do mundo a testar a mineração de elementos raros em sedimentos marinhos a uma profundidade de 5.500 metros. Tudo vai acontecer numa zona próxima da ilha Minamitori, a cerca de 1.900 quilómetros a sudeste de Tóquio.
A operação contará com a grande ajuda do navio de perfuração científica Chikyu e terá o objetivo inicial de extrair cerca de 35 toneladas de lama rica em metais raros.
Estima-se que cada tonelada contenha aproximadamente dois quilogramas de elementos como neodímio (essencial para veículos elétricos), disprósio (usado em turbinas eólicas), térbio e gadolínio (importantes em sensores e tecnologias de visualização).
Cada vez mais o mundo sente necessidade de metais essenciais à transição energética e digital. A China domina atualmente a cadeia de abastecimento: refina cerca de 90% da produção mundial e é responsável por mais de 60% da mineração destes elementos, aponta o ZME Science.
O Japão quer fazer frente aos chineses com o apoio dos EUA, Índia e Austrália, como eventual fonte alternativa de metais raros.
O ambiente não agradece
A extração em alto mar preocupa alguns especialistas por vários motivos.
Primeiro, o método envolve o uso de robôs especializados que aspiram ou escavam sedimentos do fundo do oceano, e que são depois bombeados até à superfície para separação dos elementos valiosos. Mas estas zonas profundas estão longe de ser estéreis: são a casa de ecossistemas únicos, compostos por corais, esponjas, estrelas-do-mar e outros organismos que evoluíram ao longo de milénios. Muitos foram recentemente descobertos; muitos não existem em nenhuma outra parte do planeta.
Em maio, um grupo de cientistas marinhos publicou um alerta na revista Science no qual apelava ao Japão que suspendesse os seus planos até se compreenderem melhor os impactos ambientais da mineração em profundidade. Aliás, vários países — incluindo Portugal — já apelaram à implementação de moratórias sobre este tipo de exploração até que existam regulamentações eficazes.
Os alertas baseiam-se em dados e estudos, como um financiado pela indústria e conduzido pela agência científica australiana CSIRO que mostrou que, após um breve teste de mineração na Zona Clarion-Clipperton (entre o Havai e o México), houve uma queda acentuada nas populações de organismos bentónicos como pepinos-do-mar e crustáceos.
Alimentadores por filtração, que dependem de sedimentos estáveis, praticamente não mostraram sinais de recuperação um ano depois. Predadores como tubarões e espadartes também correm riscos, pois podem absorver metais tóxicos suspensos na água, o que levanta preocupações não só ecológicas, mas também de saúde pública, através do consumo de peixe contaminado.
O plano japonês será executado dentro da sua zona económica exclusiva, o que significa que não estará sujeito à supervisão da Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA). Mas, se for bem sucedido, poderá abrir caminho a uma exploração em larga escala levada a cabo por outras nações e empresas.
A canadiana The Metals Company, por exemplo, já manifestou intenção de iniciar a mineração de nódulos polimetálicos na mesma zona até 2026 — podendo até avançar sem aprovação internacional, com base em leis norte-americanas da década de 1980.