Eutanásia. Partidos jogam ao “cabo de guerra” com Marcelo, Igreja aposta no plano B

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Rodrigo Antunes / Lusa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República está ser pressionado por todos os lados sobre o que fazer com a recém-aprovada lei da eutanásia.

Se tem uma sensação de deja vu quando o tema é a eutanásia, não é por acaso. Um diploma que prevê a legalização do suicídio medicamente assistido foi aprovado pela terceira vez no Parlamento, depois de muitos meses de redacção cuidadosa da lei por parte de todos os partidos a favor e de sucessivos adiamentos.

O Presidente da República já tinha adiantado que pretender mandar qualquer lei sobre a eutanásia para a avaliação do Tribunal Constitucional, tal como fez com os dois diplomas anteriores. Dado o seu histórico de vetar a lei, os partidos já estão a deixar avisos a Marcelo de que à terceira tem mesmo de ser de vez.

Recorde-se que o chefe de Estado, que é católico e opõem-se pessoalmente à eutanásia, já vetou dois diplomas que pretendiam legalizar o procedimento na anterior legislatura. O primeiro veio após o chumbo do Tribunal Constitucional, na sequência de um pedido de fiscalização feito por Marcelo.

O segundo surgiu devido às expressões diferentes usadas ao longo do diploma para explicar as doenças que tornaram alguém eligível para o procedimento, defendendo que o legislador tinha de optar entre a “doença só grave”, a “doença grave e incurável” e a “doença incurável e fatal”.

Uma das vozes mais audíveis neste coro de apelos ao chefe de Estado é a da deputada socialista Isabel Moreira. “Dificilmente se encontrarão conceitos mais densificados que este, nem lei tão defensiva”, referiu, dizendo ainda que “insistir na inconstitucionalidade desta lei” levaria a que várias outras leis que estão agora em vigor também tivessem de ser revistas pelos juízes do Palácio Ratton.

Do lado do Bloco de Esquerda, os argumentos de Catarina Martins são semelhantes. “O Presidente da República nunca pôs qualquer obstáculo institucional, pediu, sim, que a lei fosse mais clara, e a lei é mais clara e responde às dúvidas do Tribunal Constitucional e aos apelos do Presidente da República”, frisa a líder bloquista.

Se alguns pressionam Marcelo para deixar a lei passar, outros pressionam-no a voltar a vetar. O PCP, que votou contra a proposta, duvida que as alterações feitas ao diploma sejam “suficientes” para garantir a sua aprovação, de acordo com a deputada Alma Rivera.

O Chega, que já apelou publicamente ao veto do Presidente da República, descreveu mesmo a situação como “um dia triste para a nossa democracia” e lembra que há ainda muita falta de investimento nos cuidados paliativos. André Ventura voltou a pedir a Marcelo que use os seus “poderes políticos e constitucionais” para travar o diploma.

Igreja aposta as fichas no plano B

Os partidos não são os únicos a tentar influenciar a resposta de Marcelo. Do lado da Igreja Católica, após falharem no plano A, que pretendia travar a aprovação da lei na Assembleia da República, é agora hora de se passar para o plano B.

De acordo com o Expresso, os bispos portugueses ainda têm “alguma esperança de que o diploma aprovado possa ainda ser alterado” e vêem Marcelo como fundamental neste processo.

Para além do Presidente da República, as famílias e os profissionais de saúde são os trunfos da Igreja, que apela às objecções de consciência para travarem aquilo que seria uma “grave ameaça para a Humanidade”.

A Conferência Episcopal anunciou a sua “tristeza” com a decisão parlamentar e pouco depois, a Associação dos Médicos Católicos Portugueses (AMCP) e a Associação dos Juristas Católicos (AJC) frisaram que “qualquer legalização da eutanásia e do suicídio assistido” é uma “quebra do princípio civilizacional da proibição de matar, que está justamente vedada pelo Código Deontológico da Ordem dos Médicos”

Os juristas católicos acreditam ainda que esta lei “aproximará Portugal dos sistemas legais mais permissivos” e dará “início à temida rampa deslizante”, apontando que a nova lei tem ainda “mais conceitos vagos que permitirão interpretações subjetivas” do que as propostas anteriormente vetadas.

Marcelo promete resposta rápida

Em declarações aos jornalistas na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa foi questionado se vai dar “uma resposta rápida” ao diploma que despenaliza a morte medicamente assistida e que vai ser votado em plenário esta sexta-feira.

Eu acho que sim, porque nós estamos perante uma realidade que é uma realidade que tem sete anos, no seu debate mais recente, tem já algum tempo”, respondeu o chefe de Estado.

Relembrando a intervenção que tem tido no processo legislativo sobre a eutanásia, Marcelo começou por frisar que, numa primeira fase, referindo-se aos primeiros meses de 2021, “houve uma deliberação parlamentar” que lhe suscitou “dúvidas de constitucionalidade”.

“Foi ao Tribunal Constitucional, [que] considerou que havia razão para essas dúvidas e, na sequência disso, foi devolvida ao parlamento”, recordou.

Depois desse primeiro ‘chumbo’, Marcelo frisou que houve uma nova versão do parlamento, no final de 2021, que lhe “suscitou dúvidas de coerência, consistência no texto, e foi devolvido por essa razão e foi reapreciado no parlamento”.

“E agora vem uma versão que já toma em consideração todo este processo e, perante isso, eu naturalmente me decidirei”, sublinhou.

O chefe de Estado referiu assim que a decisão que vier a tomar sobre o diploma que regula a eutanásia não será “uma decisão sobre uma matéria completamente desconhecida, que verdadeiramente não teve antecedentes” e sobre a qual nunca se teria pronunciado.

“Agora, é uma questão de ver, efetivamente, perante a última versão, qual é o caminho mais adequado”, frisou.

Adriana Peixoto, ZAP // Lusa

4 Comments

  1. Quando o fundamentalismo católico do sr. Prof Marcelo de Sousa se sobrepõe à lucidez que o PR de um Estado laico deve ter e quando a este facto se associa a pressão da ICAR, então não se pode esperar outra coisa que não veto
    Mas vale sempre a pena pugnar por causas justas, independentemente dos decisores `,

  2. Todos temos direito a uma opinião, sobre a decisão de acabar com uma vida,. obviamente essa é contruida na base da nossa educação, seja ela cristã, ou pagã o estado é laico mas as pessoas são únicas e livres de espressâo, senão onde está a liberdade?
    O nosso Presidente é católico assumido e isso é indissociável da sua pessoa, sendo Presidente de todos os Portugueses, a sua decisão não poderá ser pessoal mas deveria poder indicar uma forma onde a decisão de todos os Portugueses fosse espressa pois esta não pode também ser uma decisão política da AR, então só existe uma forma o Referendo, aí estará espressa a opinião do Povo sim esse é soberano.

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