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Com guerra de palavras à esquerda, Costa recebe apoio de Marcelo. “É o ano com mais alterações”

Manuel de Almeida / Lusa

Catarina Martins, Jerónimo de Sousa, António Costa

Estalou o verniz entre Bloco de Esquerda e Governo, pelo que a última esperança para António Costa é a de que os comunistas reconsideram os sinais que têm vindo a dar num passado recente. Marcelo Rebelo de Sousa, por sua vez, mostrou o seu reconhecimento pelos esforços feitos pelo Governo.

Antevia-se um fim-de-semana quente, o último antes da votação do Orçamento do Estado para 2022 na generalidade na Assembleia da República, e as previsões cumpriram-se mesmo. Depois de um sábado em que os representantes do Governo se sentaram à mesa com Bloco de Esquerda e Partido Comunista, o domingo ficou marcado pelas reuniões dos órgãos internos destes partidos, onde, acreditava-se, ficaria decidido o sentido de voto em relação ao documento.

O Bloco de Esquerda, pela voz de Catarina Martins, a sua líder nacional, foi o primeiro a avançar, reiterando aquela que tem sido a posição do partido desde que os primeiros esboços do OE foram conhecidos. “Se até à próxima quarta-feira o Governo entender negociar o Orçamento do Estado, o Bloco de Esquerda responderá com disponibilidade e clareza para as soluções que aumentam os salários, que protegem o SNS e que garantem justiça para quem trabalhou toda a vida. Se o Governo insistir em impor recusas onde a esquerda podia ter avanços, o Bloco de Esquerda responderá pela sua gente — pelo povo que trabalha e pelo SNS que nos orgulha — e votará contra o Orçamento do Estado para 2022”, explicou.

Como justificações para o voto contra, Catarina Martins evocou justificações como a “falta de ambição do Governo”, “medidas limitadas e dispersas” no combate à pobreza ou, no que respeita à saúde, uma “política de contenção” que “coloca em causa o acesso” dos cidadãos. Ainda assim, garantiu ainda existir “tempo” e, havendo “disponibilidade do governo e do Partido Socialista para um caminho negocial à esquerda”, o Bloco continuará — a direção nacional do partido “mandatou a comissão política” para esse efeito —disponível para continuar a negociar e chegar a uma versão do documento que mereça luz verde do BE.

Ainda a conferência de imprensa de Catarina Martins não havia terminado e nos ecrãs das televisões já se anunciava uma outra para menos de uma hora depois. Sentaria, frente a frente com os jornalistas, a ministra da Saúde, Marta Temido, a ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Duarte Cordeiro — personagem principal das negociações com os partidos de esquerda. O objetivo era claro: rebater, ponto por ponto, as afirmações da líder do Bloco e garantir que o Orçamento apresentado é o melhor para o país, também do ponto de vista da Esquerda e das suas bandeiras.

Duarte Cordeiro começou logo ao ataque. “O Governo aproveita para sinalizar que não se revê na descrição feita quer no conteúdo do OE quer relativamente ao processo negocial com o Governo.” O governante criticou também a postura intransigente dos negociadores do Bloco, os quais acusa de deixar o Governo numa “posição difícil” já que determinaram o voto contra o Orçamento “apenas em relação às medidas” apresentadas — as nove referidas por Catarina Martins. Duarte Cordeiro considera, por isso, que se o BE se concentrou apenas nas nove propostas é porque “na realidade a disponibilidade não é muito grande“.

“O BE foi consolidando a sua agenda e fechou-se num conjunto de nove propostas concretas. E foi-nos sinalizando que ou o Governo as aceitava ou o BE não teria condições para viabilizar o OE de 2022. O Governo procurou responder às nove em concreto, mas nunca deixando de ter no horizonte as respostas que o OE tem nem as reforças aprovadas”, justificou o governante.

O secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares abordou ainda várias medidas incluídas no Orçamento e que vão de encontro a muitas das áreas consideradas prioritárias pelo Bloco de Esquerda: salários, pensões e saúde. Referiu, por exemplo, o aumento do salário em 40 euros, o aumento dos salários da função pública, do aumento de pensões e ainda as mexidas no IRS. O discurso de Duarte Cordeiro ficou ainda marcado pelas referências constantes à ideia que muitas das prioridades do Bloco “não se traduziram em proposta em nenhum momento negocial” e que “a generalidade das nove propostas são extraorçamento”.

Finalmente, rematou com uma frase que teve como destinatários não só o BE, mas todos os partidos à esquerda. “Os partidos já viabilizaram orçamentos que não tinham nem de perto nem de longe os avanços que este Orçamento tem“, atirou.

Da parte das restantes intervenientes na conferência de imprensa, destaque para uma frase forte de Ana Mendes Godinho, que insistiu na ideia de que o Bloco partiu para as negociações com uma postura intransigente. “O que tivemos foi uma total intransigência para conseguir aproximações. Na verdade, é preciso exigir tudo e de nada prescindir para garantir que tudo fique na mesma. É isso que não queremos que aconteça.”

Ao longo do dia de ontem, esperava-se também uma tomada de posição do PCP, que reuniu ao longo do dia o comité central do partido, no entanto, nada foi anunciado. À hora de almoço de hoje, Jerónimo de Sousa acabou com o tabu e, ao anunciar que os comunistas votarão contra o documento na generalidade, o chumbo do OE está confirmado.

Ao fim do dia, o Governo de António Costa recebeu ainda um apoio pouco expectável, não pelo remetente, mas pela veemência da declaração. À saída do Hospital de Santa Maria, Marcelo Rebelo de Sousa destacou o “esforço” negocial do Governo, como forma de convencer a esquerda a viabilizar o documento. “Daquilo que se sabe, vejo com apreço e esforço para alterar bastante a proposta de OE. Do que me recordo, é o ano em que há maiores alterações, fruto da negociação, tão cedo no processo de relativamente à proposta inicial. São muito profundas, algumas. E isso significa um esforço que continua a ser feito se se chegar a bom porto, evitar o chumbo e eleições.”

Esta manhã, o Governo recebeu duas boas notícias (a que se seguiria a do anúncio do voto contra do PCP), com a deputada não inscrita Cristina Rodrigues a anunciar que se vai abster na generalidade do Orçamento do Estado para 2022, justificando que este será um “voto responsável“, esperando ainda por novas propostas na especialidade.

“Atendendo às circunstâncias atuais, em que finalmente se está a conseguir controlar a pandemia, a estabilidade política é fundamental para facilitar a recuperação económica do nosso país. A abstenção parece-me o voto responsável. Considero que a proposta do Governo pode ser melhorada em sede de especialidade e, atendendo à sua abertura para acolher novas propostas —, julgo que estamos em condições de viabilizar o Orçamento na generalidade”, explica.

Em entrevista à TSF, Joacine Katar Moreira também anunciou que se irá abster na votação na generalidade, mantendo “um olho na especialidade”. “Eu abstenho-me na generalidade, obviamente com um olho na especialidade. Este é um orçamento que ainda tem imenso espaço de melhoria, nomeadamente no investimento inequívoco no SNS, no aumento do rendimento das famílias”, justificou.

A deputada não inscrita deixou, ainda, críticas aos partidos de esquerda, os quais, considera, devem ouvir “com mais humildade” os seus militantes — apesar de também reconhecer o é necessário que o Executivo “ouça muito mais os partidos à esquerda”.

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