Rui Rio, presidente do PSD, e Adão Silva, líder do grupo parlamentar, estão a ser alvo de um processo disciplinar aberto pelo Conselho de Jurisdição do partido e arriscam sanções.
A decisão ainda não está tomada, uma vez que os membros do Conselho de Jurisdição (CJN) têm agora de analisar o processo e apresentar eventuais propostas de alteração.
Ainda assim, avança o Expresso, Adão Silva pode perder o mandato e Rui Rio pode ser alvo de uma “repreensão”, por ter “atenuantes pelos relevantes serviços prestados” na qualidade de líder do PSD, ex-presidente da câmara do Porto e ex-secretário-geral.
Em causa está a suposta violação de uma moção aprovada em Congresso sobre o referendo à eutanásia que, segundo o Conselho de Jurisdição, tem carácter vinculativo.
Em fevereiro do ano passado, o congresso do PSD aprovou uma moção temática em que se instava a direção do partido e do grupo parlamentar a desenvolver todas as diligências “para que venha a ter lugar um referendo nacional em que seja perguntado aos portugueses pelo seu acordo ou desacordo com os projetos de lei sobre eutanásia”.
Mas a direção do partido e do grupo parlamentar não o fizeram. Em vez disso, deram liberdade de voto nessa votação onde o referendo da iniciativa de cidadãos acabou chumbado.
A queixa foi apresentada por Leonel Fernandes, militante de Braga, a 23 de outubro. A primeira queixa (a 16 de outubro) acabou por ser arquivada, uma vez que, como o processo legislativo ainda estava em curso, não se podia considerar que tivesse sido cometida qualquer “infração” pelos visados.
Depois da nova queixa, o “tribunal” do PSD remeteu-a aos visados explicitando que aquela moção aprovada em congresso era “vinculativa” porque o seu conteúdo não “colidia” com o de nenhuma outra moção, nem com o conteúdo da moção do líder (que não defendeu a não realização de qualquer referendo).
Na sequência da resposta “pouco esclarecedora” de Adão Silva e de Rui Rio, que remeteu para a liberdade de voto em questões de consciência, o Conselho de Jurisdição chegou à conclusão que havia matéria para avançar com o processo disciplinar.
Na altura, a Comissão Permanente do PSD alegou que o Conselho de Jurisdição não tinha competência para apreciar uma matéria política, apenas jurídica, e invocou o caráter “conscencial” do tema da despenalização da morte assistida.
No entender do CJN, o líder parlamentar foi instado a “dar conhecimento aos deputados” do entendimento do “tribunal” quanto ao caráter vinculativo da moção aprovada em congresso e não o terá feito.
Direção acusa órgão interno de “perseguição primária”
A Comissão Permanente do PSD acusou o presidente da Jurisdição de promover um “processo político” com a matéria da eutanásia, admitindo recorrer a “todos os meios” jurídicos e políticos para “proteger o bom nome do partido”.
“Este é um processo político e não jurisdicional, que constitui uma perseguição primária aos principais representantes políticos do nosso partido, sem paralelo na história do PSD”, acusa a Comissão Permanente do PSD, numa resposta às notas de culpa, a que a Lusa teve acesso.
Para a direção restrita do PSD, a abertura de um processo disciplinar a Rio e Adão Silva “consagra um precedente tão grave quanto ridículo e irresponsável, para o futuro do Partido Social Democrata, sendo absolutamente intolerável e inadmissível”.
“A confirmar-se a juridicamente fantasiosa e politicamente ridícula iniciativa, a Comissão Permanente Nacional do PSD ver-se-á na necessidade de recorrer a todos os meios ao seu alcance, tanto jurídicos como políticos, para proteger o bom nome do PSD, e salvaguardar a elevação e respeitabilidade dos órgãos nacionais do partido”, apontam, na resposta enviada na terça-feira ao órgão jurisdicional do partido.
A resposta da Comissão Permanente visa, em várias passagens, o presidente do CJN, Paulo Colaço, que foi o instrutor do processo, dizendo ser “por demais evidente” que “persegue objetivos políticos e pessoais, com prejuízo dos superiores interesses do PSD”.
“Uma postura que visa favorecer os nossos adversários políticos, contribuindo para a manutenção de um clima interno que objetivamente prejudica a afirmação do PSD e da alternativa que tem vindo a consolidar. Assentando tal postura em ridículos factos ficcionais, em direitos esotéricos e em jurisprudências inexistentes”, criticam.
A nota é assinada por todos os membros da Comissão Permanente, à exceção dos visados, Rui Rio e Adão Silva.
A Comissão Permanente apela “ao coletivo” da Jurisdição para que “sobeje o sentido de responsabilidade e a correta e adequada interpretação das funções e responsabilidades do CJN, incluindo as políticas”.
Em termos jurídicos, a direção restrita do PSD defende que as moções temáticas aprovadas em Congresso “não impõem nem implicam o seu seguimento obrigatório pelos órgãos nacionais” do partido, considerando que tal resulta evidentemente “das inúmeras propostas aprovadas no decurso dos trinta e oito Congressos Nacionais do PSD”.
“Seria do mais absoluto contrassenso e desconexão política, sujeitar órgãos nacionais ao ridículo do seguimento de moções temáticas que, além de poderem ser materialmente contraditórias entre si, não conhecessem nem o debate, nem a reflexão necessária que possam implicar a sua obrigação política impositiva a quaisquer órgãos nacionais do PSD”, lê-se na missiva.
Por outro lado, os membros da Permanente defendem que, tendo sido agendado um debate parlamentar sobre o referendo por iniciativa de cidadãos, tal dispensa a direção do partido ou da bancada de o fazer. “Quererá o ilustre instrutor considerar estar violada uma alegada obrigação de sequência política à moção, apenas por não ter sido o PSD a apresentar primeiro a referida iniciativa? Terá isso algum sentido?”, questionam.
A direção do PSD argumenta ainda que está “enraizada a prática democrática” do partido de respeitar “a dignidade dos seus deputados em matérias de consciência” e “nunca no PSD se impôs disciplina de voto em tais circunstâncias”.
“Terá o instrutor e Presidente do CJN consciência plena do prejuízo que causará ao debate político e à sua liberdade, este entendimento com o qual pretende fazê-lo respeitar? É para os subscritores evidente que não tem, quanto o é que a têm os demais membros do Conselho de Jurisdição Nacional do PSD”, criticam, apelando a este órgão para que atenha às suas funções e se abstenha de “interferências na decisão política”.
Esta quarta-feira, também um dos críticos internos de Rui Rio, Miguel Pinto Luz, saiu em defesa do líder do PSD. No Facebook, o vice-presidente da câmara de Cascais afirmou que, em pleno processo de corrida autárquica, o partido não se deve distrair do essencial nem entrar em conflitos por dentro.
“Não consigo pactuar com esta situação. Estamos a meio de um processo autárquico, há projetos para desenhar, candidatos para projetar e Câmaras para ganhar. Se há coisa que o PSD não precisa é de ter de se preocupar com questiúnculas internas”, lê-se na publicação.
“Não faz qualquer sentido que uma moção setorial obrigue o líder do partido, ainda para mais quando não está em linha com a moção de estratégia global ou o programa de candidatura do líder legitimamente eleito”, escreveu o antigo candidato à liderança do partido.
“Respeito muito o CJN e o seu Presidente, meu amigo, mas questões como estas não prejudicam Rui Rio ou Adão Silva individualmente, mas a todos os que estamos neste momento no terreno a defender a marca e os ideais do nosso partido. Defender o PSD é obrigação de todos nós militantes, independentemente de quem ocupa a sua liderança”, remata.
Liliana Malainho, ZAP // Lusa