“Fraude à Constituição”. O truque de Marcelo para proteger o Orçamento

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Mário Cruz / Lusa

O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa

O Presidente da República dissolveu o parlamento, marcou eleições para 10 de março e adiou o decreto de demissão de António Costa — um truque para salvar o OE2024 que constitui uma “fraude à Constituição”.

Em discurso muito aguardado, Marcelo Rebelo de Sousa falou esta quinta-feira ao país para ditar o futuro de Portugal. O Presidente da República anunciou que optou pela dissolução da Assembleia da República depois da demissão do primeiro-ministro António Costa, “devolvendo a palavra ao povo”, convocando também eleições antecipadas para 10 de Março de 2024.

Entre estas principais decisões, Marcelo anunciou ainda que vai adiar o processo formal, por decreto, de demissão do Governo, de forma a proteger o Orçamento de Estado para 2024 (OE2024).

Aproveitou também para justificar a sua decisão: “Fi-lo por decisão própria no exercício de um poder conferido pela Constituição da República Portuguesa”, sublinhou. Mas será que o adiamento está previsto na lei fundamental do Estado?

“Violação da Constituição”

A verdade é que caso este decreto de demissão venha a ser publicado sem referir o dia 7 de novembro — o dia em que o país parou para ver António Costa demitir-se — o Presidente da República estará a cometer uma “fraude à Constituição”, avisa o constitucionalista Jorge Reis Novais ao Público.

Há dois artigos fundamentais no documento assente em Portugal desde 1976  que justificam esta afirmação ousada.

Por um lado, o artigo 195.º, n.º 1, alínea b) da Constituição estabelece que “a aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro” é uma das circunstâncias que “implicam a demissão do Governo”.

Por outro lado, o artigo 186.º da Constituição prevê um Governo em gestão “antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República ou após a sua demissão”.

O decreto de demissão oficializa o momento a partir do qual, nos termos do artigo 186.º, n.º 5 da Constituição, “após a sua demissão, o Governo limitar-se-á à prática dos atos estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”.

Mas a demissão de Costa foi aceite por Marcelo Rebelo de Sousa — sabe o país inteiro graças à confirmação na nota publicada no site da Assembleia da República — e o antigo consultor para Assuntos Constitucionais do Presidente da República Jorge Sampaio considera mesmo que haverá uma “violação à Constituição” se o decreto for publicado daqui a semanas sem remeter para a data em que produz efeitos.

“Estão a preparar-se para uma fraude à Constituição e publicar o decreto mais à frente sem dizer a data em que produz efeitos. Os decretos não podem mentir”, disse o professor da faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

“O que é fraude à Constituição é aceitar a demissão num dia e só a formalizar um mês depois. É incompreensível”, sublinhou.

“Seria uma fraude à Constituição. Mas seria a primeira vez que o Presidente da República o faz? Não, não seria a primeira vez. Era bom que não o fizesse, sobretudo porque a Constituição é o mais clara possível”, reforçou em declarações à SIC Notícias.

Tempo de “olhar em frente” com OE2024 assegurado

Marcelo sublinhou esta quinta-feira o facto de o OE2024 já ter sido aprovado na generalidade, o que dá a “garantia da indispensável estabilidade económica e social“.

“A aprovação do OE permitirá ir ao encontro das expectativas de muitos portugueses e acompanhar a execução do PRR [Plano de Recuperação e Resiliência], que não para nem pode parar”, sublinhou.

O chefe de Estado também destacou que se exige “maior clareza e mais vigoroso rumo para superar um vazio inesperado” que “perturbou” os portugueses.

E, assim, “devolve a palavra ao povo”, “sem dramatizações nem temores”, porque “é essa a força da democracia: não ter medo do povo“, concluiu.

Marcelo também realçou que tentou “encurtar o mais possível o tempo desta decisão, tal como o da dissolução e convocação de eleições”.

Agora, é tempo de “olhar em frente, escolher os representantes do povo e o Governo que resultará das eleições” e que terá como dever “segurar a estabilidade e progresso económico, social e cultural“, sublinhou o chefe de Estado, recomendando que haja uma “visão de futuro, tomando o já feito, acabando o que importa fazer e inovando no que ficou por alcançar”.

Tomás Guimarães, ZAP //

4 Comments

  1. Uma porcaria de OE, diga-se de passagem.
    Aumento de impostos e mais subsídios aos do costume, pago pelos restantes.
    O IUC por exemplo é uma aberração.

  2. É muito fácil falar para quem os rendimentos são estáveis, mas mandar tudo abaixo agora ia lixar a vida a muita gente que trabalha e paga impostos altíssimos. De acordo que o PM tem que sair e têm que haver eleições, mas vamos também pensar nos outros e não só no nosso umbigo…

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