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Concorrentes a Miss Inglaterra vão competir com versões IA de si próprias

Phoebe Michaelides / Instagram

É uma modelo real, ou um avatar feito por IA?

A edição deste ano do concurso de beleza Miss Inglaterra decidiu inovar com uma ronda opcional em que as modelos têm que criar um avatar feito com IA e conseguir contratos de moda para o seu alter ego digital. Apenas três concorrentes se inscreveram. São as pioneiras do fim da sua profissão.

O concurso Miss Inglaterra gerou sempre alguma controvérsia, especialmente devido à sua ronda de desfile em fato de banho, que foi entretanto banida.

A edição deste ano do concurso de beleza arranjou no entanto forma de acrescentar mais lenha para a fogueira, conta a BBC.

Todos os anos, as modelos que chegam às meias-finais têm de escolher entre várias categorias para competir e garantir um lugar na final.

As opções incluem a ronda Bare Face, onde as concorrentes são julgadas pela sua aparência sem maquilhagem, e a ronda de Talento, na qual demonstram uma habilidade especial.

Na edição deste ano, o concurso voltou a gerar polémica, ao introduzir uma inédita ronda de IA – na qual as concorrentes têm de conseguir o maior número possível de contratos para uma versão digital de si próprias, criada por Inteligência Artificial.

Apenas três das 32 semifinalistas decidiram participar. Muitas não sabem se isso as ajudará ou prejudicará na corrida a um lugar na final.

Na nova ronda especial de IA, cada candidata trabalha com uma empresa para criar o seu avatar virtual gerado por IA, que depois é apresentado a marcas e agências. A modelo cujo avatar conseguir o maior número de contratos comerciais tem lugar garantido na final.

Jessica Pliskin, de 23 anos, mestre em Física pela Universidade de Bristol, foi uma das três semifinalistas que optaram pela ronda de IA. Acredita que ter um avatar a ajudará a “progredir” na indústria da moda, e está entusiasmada com a sua evolução digital.

A indústria da moda vai mudar, mas penso que isto me vai ajudar”, diz Pliskin.
“Vai ajudar-me a adaptar-me ao setor, em vez de tentar evitá-lo e depois ficar para trás”.

Jessica Pliskin

Jessica Pliskin criou o seu avatar na MirrorMe

Mas há muitas vozes na indústria que não partilham do otimismo de Pliskin. A modelo Harriet Webster afirma que o uso de Inteligência Artificial pelas modelos é perigoso e apaga a pessoa real.

Webster, que também é assessora de imprensa da agência Mentor Model, em Sheffield, considera que estes clones retiram a personalidade da modelo. “Acho que há algo de assustador nisto. Em vez de ser algo inclusivo, apaga pessoas reais.”

“Criar modelos de IA significa que haverá menos modelos reais no setor. E se as pessoas podem criar modelos digitais, porque haveriam de pagar a pessoas reais? É fácil perceber porque poderiam preferi-los – é uma opção muito simples”, conclui Webster.

Este ano, as semifinalistas puderam participar em quantas rondas opcionais, num total de nove. Inicialmente, cinco candidatas tinham escolhido a ronda de IA, mas duas desistiram. Uma delas, alegadamente, terá abandonado depois de amigos e familiares a alertarem para os perigos da tecnologia.

Angie Beasley, diretora do concurso, explica que a ronda de IA foi criada para refletir o mundo digital, aumentar a literacia digital das concorrentes e abrir vias de empreendedorismo.

Segundo Beasley, as nove rondas mantêm-se semelhantes de ano para ano, mas as menos populares são eliminadas, como aconteceu com a categoria de fato de banho, abandonada em 2009 após críticas de que se focava demasiado no corpo feminino.

Cada ronda é desenhada para testar uma força diferente, garantindo que a vencedora é uma embaixadora moderna de Inglaterra que reflita o lema de Miss Mundo, beleza com um objetivo”, diz Beasley.

Phoebe Michaelides, de 27 anos, outra das semifinalistas, desistiu da ronda de IA para se concentrar numa categoria de cariz solidário. “Respeito o facto de trazerem a IA para os concursos de beleza”, disse. “Mas ainda está numa fase inicial e podem surgir problemas“.

“É cedo demais para eu perceber se seria uma representação positiva de mim própria, numa altura em que estou a criar a minha marca pessoal”, acrescenta Michaelides.

Phoebe Michaelides / Instagram

Não, não é um modelo avatar. É mesmo Phoebe Michaelides, semifinalista da edição 2025 do Miss Inglaterra, que desistiu da ronda IA

“Ouvimos falar em deep fakes e em como a IA pode ser usada contra as pessoas.
Para mim, no centro dos concursos está a autenticidade. Quero que as pessoas se liguem a mim tal como sou”, detalha a modelo.

A nova ronda foi incluída na edição deste ano do concurso antes de ter saído a público um anúncio da Guess em que foi usada uma modelo de IA, publicado nos Estados Unidos na edição de agosto da Vogue.

A Seraphinne Vallora, empresa responsável pelo anúncio, cria tanto avatares digitais de pessoas reais como modelos totalmente artificiais. As fundadoras da empresa, Valentina Gonzalez e Andreea Petrescu, defendem que o seu serviço representa “inovação em ação”.

Não podemos parar o progresso nem travar a inovação”, diz Gonzalez. “Tal como aconteceu com a criação da internet, teremos de aceitar a mudança em algum momento.”

Tech Crunch

A modelo que a Guess usou no seu anúncio na Vogue é muito interessante. Mas não existe.

Contactada pela BBC, a Vogue esclareceu que não tomou qualquer decisão editorial, uma vez que se tratava de publicidade, e rejeitou fazer mais comentários. A Guess não respondeu a um pedido de comentário.

Jessica Pliskin, que trabalha como modelo há quatro anos, revelou ter colaborado com a empresa de IA MirrorMe para criar dois pequenos vídeos com o seu avatar.

Depois de criado, um avatar pode ser usado por empresas para promover marcas em múltiplos idiomas, em campanhas ilimitadas, que dispensa maquilhadores, técnicos de iluminação ou equipas de filmagem.

Segundo explicou Pliskin, a MirrorMe tem de pedir autorização sempre que quiser utilizar o avatar. “Recebemos 10% do que eles conseguirem com ele. Este é um contrato importante, sem dúvida, mas estou a trabalhar na indústria da moda – é assim que arranjo trabalho.”

As candidatas que participam na ronda de IA pagam uma taxa reduzida pela criação do avatar. John Allard, proprietário da MirrorMe, diz ter “um modelo de negócio que respeita o talento”.

As três semifinalistas terão um contrato anual com a MirrorMe e com o concurso Miss Inglaterra, ficando o resto dos lucros dos contratos celebrados nesse período nas mãos das duas entidades.

Após o primeiro ano, as concorrentes podem continuar a trabalhar com a MirrorMe ou comprar os direitos totais do seu avatar, que entretanto são partilhados entre a modelo e a empresa.

Allard garantiu que este formato é “típico” e cumpre a lei, incluindo o RGPD. “É um acordo justo, que lhes permite ter um rendimento extra além do trabalho real em fotografia e vídeo”.

“O avatar dá às modelos a oportunidade de experimentar, sem exploração, com controlo e em parceria – nada é publicado sem o consentimento delas”, diz Allard. Somos pioneiros num modelo regulatório justo e compatível”.

Seraphinne Vallora

A Seraphinne Vallora criou dois modelos avatar feitos por IA para a coleção de verão da Guess

Philippa Childs, dirigente do Bectu, sindicato britânico dos trabalhadores dos media e entretenimento, alerta que não são apenas as modelos a ser afetadas pela Inteligência Artificial.

“É difícil imaginar que o uso desta tecnologia não cause impacto significativo noutros profissionais criativos da moda, de cabeleireiros e maquilhadores até técnicos de iluminação”, diz Childs.

Parece inevitável que a Inteligência Artificial vai causar uma perda massiva de postos de trabalho em várias áreas de atividade profissional, enquanto eventualmente criará oportunidades de emprego noutras áreas.

Segundo um estudo recente da Fundação Francisco Manuel dos Santos, cerca 30% dos empregos estão em risco de desaparecer por causa da IA em Portugal, e as profissões mais vulneráveis são trabalhadores de vendas, empregados de mesa, operadores de caixa, cozinheiros e operadores de máquinas.

Também recentemente, o CEO da Perplexity AI, Aravind Srinivas, previu que há duas profissões que vão desaparecer em 6 meses: recrutador e assistente executivo.

A estas profissões será aparentemente necessário juntar mais uma: a de modelo, quer as concorrentes de Miss Inglaterra o tenham percebido ou não. Não vão ser substituídas por avatares, mas por pessoas que sabem fazer avatares com IA para posar como modelos.

Já os cabeleireiros e maquilhadores continuarão a ter emprego. Não será na indústria da moda, provavelmente, mas haverá sempre pessoas reais que precisam de um bom corte de cabelo ou penteado mais sofisticado para marcar presença num qualquer sítio que não aceite avatares.

Armando Batista, ZAP //

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