Mais de um milhão votou no Chega. É mesmo o fim da hegemonia PS/PSD?

Carlos Almeida / Lusa

Chega quadruplica e modesta vitória da AD abre portas para Ventura pressionar Montenegro, mesmo fora do Governo. “Agora temos dois partidos e um médio grande, coisa que nunca existiu”: acabou o bipartidarismo em Portugal?

Com quatro mandatos pela emigração ainda por atribuir, os resultados provisórios das eleições legislativas de domingo apontam para uma vitória da Aliança Democrática (AD), liderada por Luís Montenegro, com 29,49% dos votos e 79 deputados, à frente de PS, de Pedro Nuno Santos, segundo mais votado, com 28,66% e 77 eleitos.

Sem certezas absolutas, há algo que podemos garantir: o Chega, que com 18,06% e 48 mandatos quadruplicou o número de deputados face às eleições de 2022, foi o grande vencedor. Mas será que este domingo foi mesmo, como disse André Ventura, a noite em que acabou o bipartidarismo em Portugal?

“Alteração profunda” no sistema partidário

O resultado das eleições legislativas de domingo significam uma mudança no modelo de bipartidarismo que tem governado Portugal, com uma alteração profunda nos próximos tempos, consideraram esta segunda-feira constitucionalistas à Lusa.

De acordo com Jorge Reis Novais, constitucionalista e professor da Faculdade de Direito de Lisboa, “o sistema partidário alterou-se profundamente com a chegada do Chega e com esta votação”.

“Nos próximos tempos, até às próximas crises, sem dúvida que a situação mudou significativamente. Agora temos dois partidos e um médio grande, coisa que nunca existiu, e tudo dependerá de quanto tempo o Chega irá aguentar com esta força”, observou.

Jorge Reis Novais referiu o exemplo de Espanha com o surgimento de partidos novos “com grande impacto inicial [Vox] e que depois podem desaparecer como praticamente desapareceram”.

“Com o Chega depende muito se se conseguem manter fora do Governo ou não, isto é, o risco que, a meu ver, o Chega corre é entrar num Governo e comprometer-se com pastas governamentais. Por isso duvido até, apesar de dizerem o contrário, que queiram e estivessem interessados agora, porque a partir do momento em que estão no Governo, aí a probabilidade de desiludir grande parte das pessoas descontentes que agora estão a votar Chega, é enorme”, considerou.

Marcelo quer dramatizar o simples. Problema é outro

Para Jorge Reis Novais, na situação atual, “não há dificuldade nenhuma” em constituir-se um Governo da AD, lembrando que não terá dificuldades em passar o programa na Assembleia da República, tendo em conta que o PS disse “não votar a favor de nenhuma moção de rejeição, nem apresenta, nem votará a favor”.

“Porventura, o Presidente da República vai querer dramatizar agora um pouco. Está a refletir, mas as coisas agora são muito simples”, considerou.

A dúvida, disse, será saber se o Orçamento de Estado (OE) será ou não aprovado pela maioria dos deputados, advertiu. Reis Novais alertou que a coligação deverá apresentar um Orçamento de Estado Retificativo, tendo em conta que votou contra o atual.

“O grande problema será fazer passar esse Orçamento Retificativo sem a negociação com o Chega, que lhe garantisse a passagem desse orçamento e será esse problema que vamos ter em novembro ou dezembro, tudo dependerá da forma como o PSD conseguir algum compromisso”, salientou.

Apesar de lembrar que Luís Montenegro afirmou rejeitar qualquer pressão, Reis Novais considera a “possibilidade de uma crise grande, maior, muito maior ainda, na aprovação do segundo orçamento, já que no primeiro o governo ainda está em estado de graça”, não descartando, no entanto, já uma primeira crise.

Contactado pela Lusa, o constitucionalista Vital Moreira remeteu o seu comentário às eleições de domingo para o que publicou no ‘blog’ Causa Nossa, onde partilha da opinião de Jorge Reis Novais, ao considerar que o “sucesso do Chega significa uma verdadeira alteração estrutural do sistema partidário em Portugal”.

“Não é a primeira vez que um terceiro partido se aproxima dos 20%, pois tal já se tinha verificado em 1979, com o PCP, e em 1985, com o PRD. Todavia, desta vez, ao contrário das anteriores, o Chega integra-se num movimento transnacional da direita radical populista, que parece não ter nada de conjuntural”, observou Vital Moreira.

O constitucionalista lembrou também que as coligações eleitorais “se extinguem com o apuramento dos resultados eleitorais” e que os mandatos parlamentares “são atribuídos aos partidos e não às coligações”.

“Mesmo que os deputados do PSD e do CDS se viessem juntar num único grupo parlamentar (o que nunca aconteceu, quem é convidado a formar os governos são os partidos (…) pelo que, se o PS viesse a ser o maior partido parlamentar, deveria ser ele a ser chamado a formar Governo em primeiro lugar”, escreveu.

Vital Moreira considerou, igualmente que, mesmo que o Chega não entre no Governo “vai obviamente condicionar politicamente o frágil Governo do PSD que sai das eleições”, lembrando que “não poderia ser mais modesta” a vitoria da AD, que ficou “bem longe e uma maioria parlamentar” e que não superou em muito a percentagem do PSD sozinho há dois anos.

“É a segunda marca mais baixa de um vencedor das eleições desde 1985, PSD com Cavaco Silva”, explicou.

Vital Moreira tece ainda um comentário a outro “vencedor das eleições ainda que não fosse candidato”, referindo-se ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que “com a intempestiva interrupção da legislatura, conseguiu fazer afastar o PS do Governo e colocar o seu partido no poder, oito anos depois”.

“Embora um tanto amarga – vitória eleitoral ‘à tangente’, vitória política do Chega, problemáticas condições de governo –, não deixa de ser um triunfo”, considerou.

“Este foi o último degrau, esta enorme força nacional não sei se daqui a seis meses, um ano ou a dois, vai mesmo vencer as eleições legislativas. Hoje começou a mudança que o país precisava há 50 anos”, disse André Ventura na noite de domingo.

ZAP // Lusa

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.