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Imposição da medição da febre levanta dúvidas sobre constitucionalidade

A declaração do estado de emergência permite ao Governo impor a medição de temperatura, o que não evita que a medida seja contestada em tribunal e que este possa decretar a sua inconstitucionalidade por falta de proporcionalidade. Em causa está a eventual ineficácia da deteção da febre para prevenir a covid-19, revelam especialistas em Proteção de Dados ao Público.

A declaração do estado de emergência devido à pandemia de covid-19 permite ao Governo impor a medição de temperatura a quem entra em locais públicos, nomeadamente espaços comerciais e culturais, uma medida que restringe direitos fundamentais.

Não evita, no entanto, que essa obrigação possa ser contestada em tribunal e que este decrete a sua inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, consideram especialistas em Proteção de Dados.

Três juristas, ouvidos pelo Público, consideram que se a medida for tomada apenas durante o estado de emergência, por natureza uma situação excecional e temporária, tal torna menos suscetível ou até impossível a sua contestação.

Mas, mesmo assim, dois deles consideram que poderá não evitar que um tribunal decrete a inconstitucionalidade da medida, por violação do princípio da proporcionalidade.

Apesar de, durante o estado de emergência, ser “permitido ao Governo comprimir Direitos, Liberdades e garantias”, Luís Neto Galvão, também especialista em Proteção de Dados, admite que o princípio da proporcionalidade continua a ter de se respeitar.

A regra é que “o tratamento de dados de saúde (que inclui a medição de temperatura e não só o seu registo) é proibido”, podendo essa proibição ser ultrapassada com o consentimento ou uma lei que o possibilite, lembra o advogado.

Como medir a proporcionalidade?

Para medir a proporcionalidade da medida, diz Daniel Reis ao jornal Público, é importante avaliar a sua eficácia. “É que se a medida for ineficaz é muito difícil defender que é proporcional”, explica.

Para analisar a eficácia pode recorrer-se a diversos argumentos como por exemplo a lista de sintomas mais frequentes entre os casos positivos ao novo coronavírus. Na última vez que o relatório diário da Direção-Geral da Saúde divulgou essa lista (16 de Agosto), no entanto, o sintoma febre foi registado em apenas 27% dos casos, uma percentagem que variou pouco durante meses.

O facto de ser fácil mascarar a existência de febre com medicamentos não sujeitos a receita médica e o facto de a temperatura corporal elevada ser compatível com inúmeros outros quadros clínicos são outros argumentos para defender a ineficácia desta obrigação. “É uma medida muito visível”, resume Daniel Reis, que considera esta uma opção mais política do que científica.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados – que considerou que o decreto-lei 20/2020 que permitiu, em Maio, aos empregadores medir a temperatura corporal dos seus trabalhadores, violava legislação europeia que vigora em Portugal – não se quis pronunciar sobre a intenção do Governo em alargar esta medida. “Só nos pronunciaremos perante uma proposta concreta”, justificou a porta-voz da CNPD, Clara Guerra.

ZAP //

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