O sistema que regista os casos de covid-19 em Portugal é “um pesadelo burocrático”, denunciam os infecciologistas. A “esmagadora maioria” dos casos vai acabar por não ser notificada, acrescentam.
O problema tornou-se público quando a Direção-Geral da Saúde (DGS) admitiu, esta terça-feira, que pode ter havido uma dupla contagem do número de infetados com covid-19 no Porto.
Entre domingo e segunda-feira, o número de casos de covid-19 no concelho do Porto registou um aumento de 524 notificações, passando de 417 para 941. Contudo, estas contas podem estar erradas, dado que o aumento no concelho ultrapassaria o total da Região Norte e o total registado em 24 horas em todo o país, que foi de 446 casos.
Assim, “o universo pode ser indevidamente maior do que o número de casos por dupla contagem”, disse fonte da DGS. Esta possibilidade foi, posteriormente, confirmada pelo sub-diretor-geral da Saúde, Diogo Cruz.
Como tal, o órgão liderado por Graça Freitas disse que a partir de agora só vão ser considerados os dados reportados através do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE). No entanto, os infecciologistas ouvidos pelo Observador realçam que esta decisão pode pôr ainda mais em causa a fiabilidade dos dados.
Na conferência de imprensa de terça-feira, Diogo Cruz revelou que vamos ter alguns dados em falta que não estejam no SINAVE. A informação deverá rondar os 70% do número total de casos confirmados.
O SINAVE foi implementado pela primeira vez em 2009, tendo sido criado um “sistema de vigilância em saúde pública, que identifica situações de risco, recolhe, atualiza, analisa e divulga os dados relativos a doenças transmissíveis e outros riscos em saúde pública”.
Os infecciologistas denunciam que este sistema pode vir a revelar-se ineficaz na recolha de todos os dados sobre a pandemia. Os médicos salientam que há muito que melhorar na forma como os casos são reportados através deste sistema.
Jaime Nina, médico infecciologista do hospital Egas Moniz, classifica o SINAVE como “um pesadelo burocrático“. O especialista realça que “está tudo dependente de as coisas informáticas funcionarem perfeitamente, e não costumam funcionar nos hospitais”.
“Desde que começou a informatização do meu hospital, não houve um único dia em que funcionasse tudo. Quando funcionam as receitas, não funcionam as análises, quando funcionam as análises, não funciona a o SINAVE”, disse Nina ao Observador.
“É como quando preenchemos o IRS. Mas o IRS é mais rápido”, acrescentou.
Margarida Tavares, médica infecciologista do hospital de São João, diz que os médicos já desistiram de reportar os casos suspeitos no SINAVE. “Sei que não era a situação ideal, mas nós aqui assumimos que só íamos declarar os casos positivos”, revelou, numa situação causada pelo excesso de pessoas a serem testadas.
A especialista do hospital portuense também lançou críticas à plataforma: “Faz imensas perguntas. Todos os sintomas, a data de início dos sintomas, etc. Admito que, com a dificuldade de tempo, as pessoas privilegiem o cuidado do doente”.
Jaime Nina garante ainda que “a esmagadora maioria” dos casos de covid-19 vão acabar por não ser notificados no SINAVE.
“Há uma subnotificação massiva. As autoridades têm tentado melhorar o sistema. Só que, em vez de o melhorarem do ponto de vista informático, tentam penalizar os profissionais quando não preenchido devidamente”, explicou.
Isto tudo para tratar uma lista com 7.000 nomes. Duas ou três pessoas a fazer isto à mão num excel era mais fiável
E ainda contar com a grande lentidão dos sistemas informáticos do SNS.