Quando a rival era uma mulher, Donald Trump ganhou. Quando o rival era um homem, perdeu. Mas também entram nas contas economia, Biden e arma.
Donald Trump venceu as eleições presidenciais nos Estados Unidos da América em 2016 e em 2024. Pelo meio, perdeu em 2020.
As duas vitórias ocorreram frente a Hillary Clinton e a Kamala Harris. A única derrota foi contra Joe Biden.
É arriscado estabelecer uma ligação directa, mas é fácil ver que Donald Trump foi eleito presidente quando a rival era uma mulher. Quando o oponente foi um homem, perdeu.
Há apenas duas semanas, o chefe editorial do Nikkei em Washington avisava que esta campanha eleitoral estava a mostrar o “machismo a assombrar a alegada terra dos sonhos”.
Masahiro Okoshi indicava que nos EUA havia “homens ofendidos em todas as linhas demográficas a gravitar em torno de Trump à medida que a divisão de género aumenta” num país com este “espectro” de machismo a nível nacional.
Aliás, já tínhamos partilhado aqui que o ponto fraco na campanha eleitoral de Kamala Harris eram os homens. O eleitorado masculino. A menos de um mês das eleições, Trump tinha uma vantagem de 13 pontos percentuais sobre Harris entre os eleitores masculinos a nível nacional.
Interromper as mulheres
Dentro do “sistema”, no ano passado um estudo mostrou um aparente machismo no Supremo Tribunal dos EUA.
O documento, que até tem o título “Deixe-me interrompê-la”, analisou mais de 3.000 excertos de discursos no Supremo Tribunal ao longo de quase 40 anos.
E a tendência foi clara: advogadas e juízas são interrompidas muito mais vezes do que advogados e juízes. As interrupções são entre 3 a 5 vezes mais frequentes no discurso das mulheres.
Os homens alegam que querem mais esclarecimentos, debater argumentos, manifestar pontos de vista ou mesmo mudar o rumo dos debates. E ainda há quem interrompa as mulheres sem motivo aparente.
Os autores do estudo acreditam que os homens tentam dominar a conversa, tentando obrigar a outra pessoa (a mulher) a ouvir e a calar-se. Embora reconheçam que é uma rotina inconsciente, muitas vezes.
“Machismo político”
Voltando à política, em 2020, Sérgio Abranches recordava o caso de Elizabeth Warren, a senadora que tinha superado rivais homens na corrida às primárias do Partido Democrata, mas que abandonou a campanha devido à aparente supremacia masculina.
“Fui informada, que no partido há apenas duas linhas: uma progressista, representada pelo senador Bernie Sanders, e uma moderada, representada por Joe Biden”, justificou na altura.
Não havia lugar para ela, lamentava o cientista político, enquanto recordava que outra mulher – Amy Klobuchar – também tinha aparecido mais forte do que os rivais homens na campanha, nos debates.
Sérgio Abranches considerava que a desistente Elizabeth Warren era mesmo a representante progressista mais apta a representar os democratas nas eleições presidenciais de 2020.
“O lamento da senadora Warren sobre o machismo da política também é real“, escreveu na Globo.
Sérgio lembra um ponto forte dessa fase: Bernie Sanders disse que havia dúvidas sobre a possibilidade de Elizabeth Warren derrotar Donald Trump em Novembro daquele ano… por ser mulher.
Hillary ganhou mas perdeu
O senador estava também a sugerir que Hillary Clinton tinha sido derrotada em 2016 por ser mulher. Contra o mesmo Trump.
Na verdade, nessas eleições presidenciais, Hillary teve mais 3 milhões de votos do que Trump, aproximadamente.
Problema para a antiga primeira dama: Donald Trump ganhou no voto indirecto, que está muito mais relacionado com a “máquina”, com as oligarquias partidárias, com regras mais selectivas.
Outros motivos
Longe das teorias sobre o género dos candidatos, há outros prováveis motivos para esta vitória de Donald Trump.
A economia salta logo para o topo da lista das hipóteses. Os picos da inflação terão desviado muitos eleitores para o lado republicano. Desde 2022, sob a presidência democrata de Biden, muitos habitantes dos EUA começaram a sentir o aumento do custo de vida – para muitos, uma subida inédita.
A imigração também é um motivo muito associado a este resultado. Trump sempre prometeu combater os “criminosos” que chegam de outros países. E até terá conseguido milhões de votos de imigrantes, que estão contra novas vagas de imigração.
Também se defende uma tese interna, mas do lado do Partido Democrata: o melhor candidato que tinha disponível era mesmo Joe Biden. Aliás, o ainda presidente era o candidato até Julho deste ano. Três meses e meio antes das eleições, desistiu e Kamala avançou – e não convenceu. Ainda houve uma “onda de esperança” entre os democratas, nas primeiras semanas, mas não chegou.
Outra teoria que não deve ser descartada: a tentativa de assassinato a Donald Trump, também em Julho. Houve quem dissesse que, naquele dia, Trump tinha garantido a vitória nas eleições.
Donald Trump passou por acusações de apoio à violência, viu-se envolvido na invasão ao Capitólo, passou por dois processos de destituição, está em processos na Justiça.
Com este currículo, vai ser o presidente dos EUA. Outra vez.
E ainda não foi desta que os EUA elegeram uma presidente.