O novo centro do coronavírus na Europa é Espanha, onde o número de mortes já ultrapassa as 9 mil. O país arrisca atingir as 25 mil mortes daqui a 15 dias se a tendência de evolução do surto se mantiver próxima do que aconteceu em Itália. Entretanto, há quem aponte que a pandemia está a deixar a olho nu as fragilidades que resultaram dos cortes da crise de 2008.
Numa altura em que a pandemia de Covid-19 parece estar, finalmente, a começar a abrandar em Itália, onde há mais de 110 mil infectados e mais de 13 mil mortes associadas ao vírus, Espanha começa a apresentar-se como o centro do surto pelos piores motivos. O número de mortes no país vizinho já é de 9.053, tendo batido um novo recorde de falecimentos em 24 horas, com 864 vítimas assinaladas. O número de infectados é de 102.136.
Mas se a curva de mortes repetir o que aconteceu em Itália, seguindo a mesma linha de tendência do surto, Espanha arrisca alcançar mais de 25 mil mortes daqui a duas semanas, conforme avança o El País.
O jornal espanhol fala em vários cenários, contando com a forma como o surto evoluiu em Hubei (China) e na Itália. Se a tendência imitar Hubei, as mortes podem chegar às 18 mil dentro de uma semana ou superar as 30 mil daqui a 15 dias. Já se a curva se aproximar mais de Itália, pode chegar às 15 mil mortes em seis dias ou ser superior a 25 mil daqui a duas semanas, conforme os dados avançados pelo El País.
As vítimas mortais de Covid-19 estão a “duplicar a cada quatro a cinco dias em vez de a cada dois” como chegou a acontecer, avança o jornal. Isso seria uma boa notícia, mas considerando a “tendência” de Itália e de Hubei, no país vizinho teme-se que haja “milhares de mortos nesta semana”, segundo a publicação.
O El Mundo avança que se prevê que, nesta semana, aconteça “o colapso das Unidades de Cuidados Intensivos de boa parte de Espanha”, contabilizando o facto de a curva de infectados continuar a crescer, sucedendo-se a acumulação de pacientes internados. Alguns doentes de Covid-19 ficam internados por “mais de 20 dias”, o que complica a libertação de camas para novos pacientes, designadamente nos Cuidados Intensivos.
A complicada situação dos hospitais públicos espanhóis reflecte também, conforme alguns acreditam, o desinvestimento feito no Serviço Nacional de Saúde no seguimento da crise económica de 2008. E algumas zonas do país sofreram mais cortes do que outras, estando agora a pagar a maior factura da pandemia.
Isso mesmo vinca a médica da Catalunha Nani Vall-llosera em declarações ao jornal britânico The Guardian, considerando que o Sistema de Saúde espanhol se apresenta “debilitado” para fazer face ao surto de Covid-19 devido aos cortes que o Governo foi obrigado a fazer na saúde.
Vall-llosera dá como exemplos os casos da Catalunha e de Madrid, realçando que “aquelas partes de Espanha onde houve menos cortes estão a lidar melhor com o vírus“.
Também o professor de Epidemiologia e Saúde Pública Manuel Franco, da Universidade de Alcalá, em Madrid, acredita que as medidas de austeridade enfraqueceram o Sistema de Saúde público espanhol, conforme declarações ao mesmo The Guardian.
“Nunca pensámos que podíamos ter uma tão grande crise de saúde pública – e crises de mortalidade em cidades como Madrid, onde as morgues, habitualmente, podem lidar com esta situação”, acrescenta Manuel Franco.
Vall-llosera lembra ainda que enquanto os recursos estão todos concentrados no combate ao coronavírus, está-se também “a reduzir a capacidade de lidar com outros assuntos”.
Já Manuel Franco nota, por outro lado, o facto de a pandemia estar a evidenciar também as desigualdades de género, de educação e de rendimentos, especialmente da população imigrante.
“Em muitas sociedades, os cuidadores – limpezas, cuidar de crianças e dos idosos – são, sobretudo, mulheres estrangeiras. Muitas não estão nas listas de pagamentos, por isso não têm direitos quando se trata do subsídio de desemprego”, constata o professor, lembrando que “também devem viver em casas com as piores condições numa cidade como Madrid”.
Os sem-abrigo são outro grupo em risco até devido ao encerramento das organizações que lhes costumam dar apoio, constata Manuel Franco.