Até ao final do mês os hospitais vão ter como foco a prestação de cuidados intensivos, podendo deixar de assegurar a atividade programada. A oncologia é uma área vital e os polos do Instituto Português de Oncologia são poupados, mas, mesmo assim, só os doentes com pior prognóstico de sobrevivência deverão conseguir ser operados.
De acordo com a priorização que a Direção-Geral da Saúde definiu logo em abril durante o primeiro confinamento geral, vão apenas chegar aos cirurgiões os casos urgentes (que têm de ser operados, no máximo, 72 horas após a indicação), e os muito prioritários, com intervenção, no máximo, nos 15 dias seguintes.
A lista de tumores com intervenções inadiáveis está pronta e inclui somente dois grupos de neoplasias.
No topo da classificação estão os tumores com hemorragia ou obstrução do tubo digestivo ou da via aérea com efeito grave. São seguidos pelos carcinomas da laringe, faringe ou cavidade oral, cancros do testículo, mama com tratamento inicial de quimioterapia ou reto com quimioterapia e radioterapia prévias, neoplasias agressivas com operação cujo objetivo é curativo e cancros hematológicos (do sangue).
Ao invés, ficam adiadas as cirurgias oncológicas prioritárias e normais, que têm indicação para operação no tempo máximo de 45 e 60 dias, respetivamente. São exemplos os cancros do pulmão, esófago, estômago, pâncreas ou cerebrais e, depois destes, todos os outros.
Cabe aos hospitais organizarem as listas de espera e as necessárias transferências para os blocos operatórios com disponibilidade, incluindo os três institutos de oncologia no país, para que os doentes tenham o acesso necessário e atempado.
O despacho da ministra a reorganizar a prestação de cuidados foi publicado na quarta-feira e, embora não esteja presente no articulado, o gabinete de Marta Temido explica que os institutos de oncologia, “de acordo com o funcionamento em rede, estão disponíveis para receber os doentes que requeiram cirurgia prioritária durante o período de aplicação do despacho”.
Disponibilidade que as administrações dos IPO negam ao Expresso. O problema é sempre o mesmo: a capacidade de resposta sem grande margem, uma vez que já recebem um grande número de doentes transferidos, incluindo dos sectores social e privado, sublinha o IPO-Lisboa.
Vários especialistas, incluindo das unidades de cuidados intensivos, já alertaram que o apoio dos hospitais privados não deve ser descartado pelo Governo. Em causa está o risco de a crescente pressão da pandemia sobre o Serviço Nacional de Saúde (SNS) poder impedir o cumprimento dos prazos clínicos estabelecidos, e que em oncologia se traduzem em vida ou morte de quem fica à espera.
Segundo o Expresso, vários hospitais privados asseguraram estar disponíveis para operar doentes com cancro, por exemplo a rede CUF. E a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada dá um exemplo de colaboração já em prática: “Têm havido centenas de contratações para reconstrução mamária após cirurgia oncológica.”
“É absolutamente bizarro”
As unidades hospitalares da Grande Lisboa estão a transferir doentes com covid-19 para o Norte, Centro e até para o Algarve, ao mesmo tempo que o hospital de campanha montado desde junho na Cidade Universitária para aliviar a pressão hospitalar na região está fechado. Tem 30 a 58 camas de internamento e para as pôr a funcionar só precisa de profissionais.
“É absolutamente bizarro. Temos uma infraestrutura hospitalar preparada, inclusive registada na Entidade Reguladora da Saúde, para receber infetados ligeiros, e estamos a assistir a transferências para outras regiões e até para outro hospital de campanha, em Portimão”, critica António Diniz, responsável pela Estrutura Hospitalar de Contingência de Lisboa.
O especialista diz que o hospital não está a funcionar “porque não foi possível contratar recursos humanos, embora vejamos que não foi esse o caso para o hospital de campanha agora aberto no Algarve. Desde junho que a Direção-Geral da Saúde e a ministra sabem que está tudo pronto e que a única limitação são os profissionais, que não podemos contratar.”
A infraestrutura foi preparada no primeiro pico da pandemia para cuidados aos infetados sem necessidade de tratamento hospitalar diferenciado mas sem alta clínica para o domicílio.
António Diniz explica que a unidade “se monta em 48 horas, e fica para situações de emergência”. Contempla “administração de oxigénio, sala de emergência com todo o equipamento para reanimação até à transferência do doente, sala para testes de diagnóstico da infeção, exames laboratoriais à cabeceira do doente [com resultados rápidos] e o sistema informático do próprio Hospital de Santa Maria”, do outro lado da rua.
Questionada sobre a não abertura do hospital de campanha de Lisboa, a ARS garante que “deverá ser utilizado depois de esgotadas outras alternativas”.
Por agora, os doentes estão a ser transferidos entre hospitais da região, para outras unidades do país e para o Centro de Apoio Militar, em Belém, que desde o dia 9 recebeu 378 doentes covid não agudos do SNS. E a Lisboa continuam a chegar doentes do Alentejo.