PS, Chega, IL, PAN… A democracia está a tornar-se um problema em Portugal

Crítica interna no PS é só o caso mais recente. A democracia interna nos partidos políticos até é tese de mestrado.

“Quando proponho mais democracia interna no PS, significa que há um défice de democracia interna, intrapartidária, em geral no sistema político português, e muito em especial no PS”.

Daniel Adrião atirou críticas sérias ao seu partido, em semana de eleição do novo secretário-geral do Partido Socialista (PS).

“Há 40 anos que milito no partido e, ao longo deste tempo, tenho vindo a assistir a uma degradação da qualidade da democracia interna“.

Na entrevista ao Diário de Notícias, o candidato à liderança do PS disse que vê uma “democracia com falhas” no partido que mais liderou Portugal durante a… democracia.

E avisou: “Acho que o PS é um partido pouco democrata. Isto é, tem perdido tracção democrática, ouve cada vez menos as suas bases, está muito hierarquizado, demasiado elitizado. É um partido muito vertical na sua forma de funcionamento, com o poder todo concentrado no topo, nas elites dirigentes”.

Isto foi há poucos dias. Mas o discurso não soa a novo. Não exactamente com estas descrições, mas com algo semelhante.

Há menos de um mês houve uma espécie de debandada na Iniciativa Liberal (IL). 25 saídas num só dia devido a novas divergências internas.

Entre candidatos e conselheiros demissionários, e entre diversas queixas, há referências a uma alegada “ausência de democracia nos seus órgãos”, sem “meritocracia na indicação e nomeação de cargos dirigentes, assessores e até mesmo candidatos nas listas eleitorais, onde se incluem actuais deputados”.

Setembro teve dias “quentes” no PAN por causa da coligação governamental na Madeira.

O movimento ‘Mais PAN, Agir para Renovar’ falou sobre uma “forma autocrática e arbitrária de conduzir os destinos do partido”; Francisco Guerreiro, eurodeputado que foi militante do PAN, disse que ao longo dos últimos anos tem havido menos “liberdade democrática” no PAN.

Isto meses depois de, nas eleições internas no mesmo partido (em Maio), o candidato derrotado Nelson Silva ter dito que vai continuar a ser oposição “se a democracia interna continuar a ser atacada”.

O Chega apareceu na conversa. Voltando à Madeira, o demitido Joaquim Sousa comparou o PAN com o Chega: “Os procedimentos de Inês Sousa Real e do Chega são realmente muito parecidos, tão parecidos que também têm problemas com o Tribunal Constitucional e com os estatutos. Quem discorda de André Ventura, normalmente é afastado. Quem discorda de Inês Sousa Real, naturalmente é afastado”.

Dois índices

Voltando ao início do artigo, às críticas de Daniel Adrião – que não se limitaram à sua “casa política”.

“No PS há uma democracia com falhas, que é, aliás, como várias organizações internacionais classificam a democracia portuguesa. Portanto, não somos uma democracia plena, pela qual me bato, tanto ao nível do PS, a montante do sistema político, quanto a jusante, no sistema de representação”, alertou Adrião.

Marcelo Rebelo Sousa disse algo semelhante, em Março: “A nossa democracia é muito imperfeita ainda”.

Aliás, e pegando precisamente nas palavras de Daniel Adrião – “não somos uma democracia plena” – segundo o Democracy Index da The Economist, só há 24 democracias plenas no Mundo — e Portugal não é uma delas.

Este índice avalia o nível de democracia num país com base em cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo, liberdades civis, funcionamento do governo, participação política e cultura política.

Portugal fica-se pelo 28.º lugar. Merece 7.93 pontos em 10 possíveis.

São inúmeros os sintomas desta imperfeição: falta de cultura política e participação dos cidadãos no processo democrático, constantes casos de corrupção, falhas que afectam a reputação da hierarquia do Estado, dificuldades no acesso à Justiça e casos de violação das liberdades civis em Portugal.

Mais recentemente, em Novembro, foi revelado o relatório anual sobre o Estado Global das Democracias.

Portugal foi um dos países que sofreram uma das maiores quedas no índice de representação política: caiu 13 lugares. Foi responsável por metade dos indicadores que caíram em todo o sul da Europa.

Os responsáveis pelos relatórios salientam o facto de Portugal pertencer ao grupo de países que caíram substancialmente nesse índice ao longo dos últimos seis anos – apesar de se manter numa boa posição.

A tese (não é de agora)

Todas as partilhas que fizemos, entre declarações de políticos dos diversos partidos e os dois índices, são bem recentes. No máximo, relativas a 2022 – no caso do Democracy Index – e tudo o resto é já deste ano.

Mas esta é uma questão recente em Portugal? Nem por isso.

Encontramos, por exemplo, uma tese de mestrado que foi publicada sobre o assunto em Outubro de 2018.

Sob o lema A democracia interna nos partidos políticos: requisitos mínimos, o respeito ao princípio democrático e a democracia militante, Fábio Cunha expôs na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra o que apurou.

E lê-se: “As democracias pluralistas ocidentais enfrentam há algum tempo por uma crise de representatividade, e toda a crise numa democracia representativa passa necessariamente pelos partidos políticos, que são o canal, na maioria das vezes, exclusivo de representação política”.

“É notória a queda na confiança não só nos partidos políticos, mas no sistema político-partidário, sendo a confiança um factor primordial para o funcionamento das instituições”.

Para o autor do documento, essa crise de confiança está sobretudo relacionada com a “burocratização e oligarquização que acontece em toda organização, o que não seria diferente também nos partidos políticos, o que leva a um deficit de democracia interna nos próprios partidos“.

Nuno Teixeira da Silva, ZAP //

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