“Como foi possível?”, questiona o presidente da República, sobre o debate à volta do discurso do presidente do Brasil na Assembleia da República.
O chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa, criticou hoje os partidos à direita no parlamento por se terem oposto a que o Presidente do Brasil, Lula da Silva, discursasse na sessão solene do 25 de Abril.
“Como foi possível abrir um debate sobre a presença de um representante de um povo e de um Estado que foi precursor, que foi pioneiro nas fases de descolonização portuguesa no 25 de Abril, como se isso não fosse uma realidade óbvia, natural como respirar?”, interrogou.
O Presidente da República falava no Palácio Baldaya, em Lisboa, na inauguração de uma exposição sobre Amílcar Cabral, herói das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, promovida pela Comissão Comemorativa dos 50 anos do 25 de Abril.
“A nossa democracia é muito imperfeita ainda”, concluiu Marcelo Rebelo de Sousa, a propósito do episódio sobre a intervenção do Presidente do Brasil na sessão solene do 25 de Abril deste ano no parlamento, que teve a oposição de PSD, Iniciativa Liberal e Chega, acabando por não ser aprovada.
Marcelo Rebelo de Sousa lamentou que haja “setores da vida social e política portuguesa que não percebem que a descolonização é inseparável do 25 de Abril” e que coloquem “dúvidas sobre a presença e sobre a sua intervenção no quadro do 25 de Abril”.
“Há qualquer coisa de estranho quando apenas um hemisfério da vida política portuguesa considera isso natural. Deviam ser os dois hemisférios da vida política portuguesa”, defendeu, numa crítica aos partidos à direita no parlamento.
“Eu estou à vontade, porque venho no meu percurso do outro hemisfério, venho desse outro hemisfério que descubro agora tem dificuldade em compreender a plenitude do 25 de Abril, a ligação do 25 de Abril à descolonização e à ligação do 25 de Abril àqueles que são os legítimos representantes dos povos e dos estados nascidos dos vários momentos da descolonização. Fico surpreso com isso”, acrescentou o antigo presidente do PSD, recebendo palmas.
O chefe de Estado insistiu que nas comemorações do 25 de Abril de 1974 “a vertente da descolonização é crucial” e que é preciso “afirmar isto uma, duas, três, quatro vezes, e afirmar sempre”.
“Se não, as pessoas esquecem-se. Algumas porque nasceram muito depois, porque não conhecem essa realidade. Outras porque reconstruíram a História, e todos os dias reconstroem a História, e querem afirmá-la como a História neo-oficial”, considerou.
O Presidente da República disse que “uma das exigências da democracia todos os dias continuar o seu processo de construção”, que “não há democracias perfeitas ou acabadas” e que “uma democracia que adormece em termos de afirmação de cultura cívica, é uma democracia que está a perder”.
“E não podemos perder, porque, se não, um dia descobrimos uma coisa altamente improvável e impensável, é que há espaços que a democracia não ocupa que outros ocupam“, alertou.
Em vez de uma intervenção do Presidente do Brasil na sessão solene anual comemorativa do 25 de Abril, o parlamento decidiu antes realizar uma sessão de boas-vindas à parte durante a visita de Estado de Lula da Silva a Portugal, também essa com a oposição do Chega.
Sinais preocupantes na economia
O Presidente da República considerou que há sinais preocupantes na economia mundial, com eco na Europa, referindo-se ao colapso de bancos norte-americanos e suas repercussões noutras instituições financeiras e nas bolsas.
Em declarações aos jornalistas, no Palácio Baldaya, em Lisboa, Marcelo Rebelo de Sousa manifestou-se preocupado com estes acontecimentos, com o aumento da inflação nos Estados Unidos da América e com a continuidade de “uma política de subida de juros muito acentuada” por parte das entidades reguladoras.
“Tudo somado, pode – esperemos que não – dificultar a saída da crise e a recuperação das economias. Esperemos que não, mas já vi noutros tempos garantir que as soluções encontradas para certas crises eram sólidas, e depois não era tão fácil encontrar soluções sólidas”, declarou.
Segundo o chefe de Estado, é uma “situação económica, não especificamente em Portugal, mas no mundo e com eco na Europa“, que “não facilita a tarefa dos governos, não facilita a tarefa da recuperação económica, e pode significar a persistência dos fatores de crise”.
Interrogado se considera que o sistema financeiro português pode ser afetado, respondeu: “Não, eu não disse isso. Disse é que os sinais de fora inesperadamente não são bons sinais”.
“Continuamos a ter uma guerra, continuamos a ter uma inflação elevada em vários países do mundo, e esta notícia da subida da inflação dos Estados Unidos e a notícia das hesitações, para não dizer perturbações, em bolsas e em instituições financeiras internacionais não é boa”, reforçou.
Marcelo Rebelo de Sousa falava com o ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, ao seu lado, depois da inauguração de uma exposição sobre Amílcar Cabral, herói das independências da Guiné-Bissau e de Cabo Verde, promovida pela Comissão Comemorativa dos 50 anos 25 de Abril.
// Lusa