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António Costa considera que o euro “não é uma questão resolvida”

Tiago Petinga / Lusa

O primeiro-ministro António Costa

O primeiro-ministro António Costa teceu fortes críticas à moeda única, afirmando que “a questão do euro” não está resolvida e que este “foi o maior bónus à competitividade da economia alemã que a Europa lhe poderia ter oferecido”.

Numa entrevista ao Público, citada pelo Expresso, considerou que existe uma necessidade de reformar o euro e explicou como a “fratura entre as classe médias e o sistema político” abriu caminho para os movimentos populistas.

Para colmatar as assimetrias que, à partida, marcavam os vários países da zona euro, eram necessários “dois fatores de correção: um que é o Orçamento e outro que é a liberdade de circulação das pessoas”, disse António Costa.

No entanto, tanto um mecanismo como outro redundaram num acentuar do fosso entre Estados membros. “Na zona euro a liberdade de circulação tem um efeito centrípeto, atraindo uma massa de migração geralmente qualificada para as cinco economias que têm ganho prosperidade com a união monetária, em detrimento das economias das periferias”, afirmou o primeiro-ministro.

Por outro lado, acrescentou, as economias mais frágeis sofrem “um fenómeno interno de ‘brain-draining’ (fuga de cérebros) altamente negativo a prazo e que compromete o potencial “de crescimento”.

“A nossa perda de competitividade é o preço do aumento de competitividade do centro, a perda dos nossos recursos humanos é o ganho dos recursos humanos do centro”, afirmou.

Entre as várias propostas avançadas por António Costa ao longo da entrevista consta a “harmonização fiscal” entre países da União Europeia. Este defende que é “essencial” ultrapassar a atual norma que exige unanimidade entre todos os países para decisões em matéria de impostos, passando a regra a ser a da maioria qualificada.

“A questão é simples”, disse António Costa, “vamos ter uma redução significativa das contribuições para o Orçamento com a saída do Reino Unido, vamos ter de investir mais na proteção das fronteiras, no combate ao terrorismo, na defesa, na ciência”.

E, com mais despesa e menor receita, é necessário “encontrar outras fontes de receita”.

Novos impostos europeus são uma hipótese em cima da mesa e o primeiro-ministro dá um exemplo: “uma tributação sobre os gigantes tecnológicos americanos não incide sobre nenhum português e repõe igualdade fiscal, por exemplo, entre a Amazon e os distribuidores de livros portugueses”.

Classe média é vítima principal

O euro não travou e até pode ter acentuado aquilo que António Costa considera ser o “enorme aumento das desigualdade que se tem verificado desde a década de 1980”. Um fenómeno que atingiu “violentamente as classes médias, que são o suporte sociológico das democracias”.

“As classes médias sentem-se excluídas pelo sistema e isso cria as condições para uma certa fratura”, referiu. “Sem expetativa de futuro e de progressão”, há uma enorme fatia populacional (e de eleitores) europeia a sentir que “o processo de ascenção social se esgotou na sua geração e que o futuro dos seus filhos é uma vida pior”.

A reação política da classe média “tem aberto espaço” a movimentos populistas, nacionalistas, xenófobos e até com derivas autoritárias. “Esta ‘malaise’ tem tido alguns elementos de catalisação” que são variáveis e que podem ser motivados, ora pela crise económica, ora pelos refugiados ou pura e simplesmente por razões históricas.

Este divórcio entre as classe médias e o sistema político representa, para António Costa “uma crise dos valores demo-liberais” que tem de ser resolvida.

“As pessoas têm de sentir que, dentro do campo democrático, têm as escolhas alternativas – sem terem de gerar movimentos como os coletes amarelos e sem terem de entregar o seu voto a partidos radicais ou entrarem em rupturas anti-sistema por via do nacionalismo”, salientou.

Aos líderes europeus exige-se, por outro lado, o reforço de uma agenda social que tem sido, permanentemente, adiada. “A concretização desse pilar social é a condição fundamental para reconciliar as classes médias com a Europa e com as sociedades democráticas”, concluiu António Costa.

TP, ZAP //

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