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Concertação Social com alterações laborais em cima da mesa. Mas sem cedências à esquerda há risco de “crise política”

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Paulo Cunha/Lusa

O Governo reúne-se hoje com os parceiros sociais e em cima da mesa estão alterações à lei laboral, numa altura em que o tema é também uma das matérias centrais das negociações do Orçamento do Estado para 2022 (OE2022).

A Concertação Social acontece nas vésperas do Conselho de Ministros de quinta-feira e a uma semana da votação na generalidade da proposta de OE2022, cuja viabilização não está assegurada, uma vez que tanto o BE como o PCP ameaçaram votar contra o documento caso não haja mudanças.

Apesar dos parceiros sociais concordarem com os objetivos gerais constantes do documento, a maioria considera difícil alcançar um consenso alargado sobre as matérias em concreto por considerarem que o documento não responde às questões fundamentais das empresas nem dos trabalhadores.

O Governo já apresentou algumas propostas de alteração à legislação laboral na Concertação Social, no âmbito da Agenda do Trabalho Digno, mas não irá ceder a todos os pedidos apresentados pelos parceiros.

O Bloco já referiu que o Governo “recusa a reversão de qualquer das cinco regras que o partido quer reverter, ficando por medidas simbólicas que não concretizou por escrito”, cita o Observador.

Essas regras passam pelo aumento do valor pago pelas horas extras, a reposição do valor de 30 dias de indemnização por despedimento, a reposição dos 25 dias úteis de férias, a reposição do princípio do tratamento mais favorável para o trabalhador e o fim da caducidade unilateral das convenções coletivas de trabalho.

Ainda assim, o Governo tem algumas das medidas para apresentar aos parceiros sociais.

O Governo já propôs a suspensão da caducidade das convenções coletivas por mais 12 meses, o que significa que esta medida poderá manter-se em vigor até março de 2024.

Num documento enviado na semana passada aos parceiros, o Governo propõe “prolongar por 12 meses adicionais a suspensão transitória dos prazos associados à caducidade e sobrevigência das convenções coletivas atualmente em vigor”.

Outra das medidas propostas pelo Governo é facilitar o recurso da arbitragem necessária, figura prevista no Código do Trabalho, mas pouco utilizada.

Segundo o Governo, com a nova medida, quando não houver acordo sobre a revisão total ou parcial de uma convenção coletiva, qualquer uma das partes poderá requerer a arbitragem necessária, ficando suspenso o prazo de sobrevigência até à decisão arbitral.

Por outro lado, os contratos de trabalho temporários vão passar a ter como limite máximo quatro renovações, contra as atuais seis, segundo a proposta do Governo.

O Governo indica que pretende “tornar mais rigorosas as regras para renovação dos contratos de trabalho temporário, aproximando-as dos contratos a termo, estabelecendo como limite quatro renovações”.

Na área da promoção da conciliação da vida profissional, familiar e pessoal, o Governo avança com a proposta de alargar aos trabalhadores com filhos menores até oito anos (atualmente está previsto na lei até aos três anos) o direito a exercer a atividade em teletrabalho quando compatível com as funções.

Porém, no documento, o Governo entende que “as empresas de menor dimensão deverão estar excluídas deste alargamento”.

O Governo adianta ainda que vai propor que este alargamento “deve estar condicionado a efetiva e igualitária partilha entre homens e mulheres nos casos em que ela for possível”, excluindo as famílias monoparentais e os casos em que só um dos progenitores tem funções compatíveis com teletrabalho.

Neste campo, os partidos querem ir mais longe, nomeadamente no que toca ao direito a desligar e às despesas que devem ficar a cargo do empregador.

A questão das relações laborais dos trabalhadores das plataformas digitais ainda está em aberto, tendo o Governo proposto a presunção de existência de contrato para este tipo de situações.

A ministra do Trabalho, Ana Mendes Godinho, disse que o que está previsto é que o contrato seja feito “com a plataforma ou com a empresa”, indicando, no entanto, que o tema “não está fechado”.

A Agenda do Trabalho Digno prevê ainda o reforço do quadro sancionatório do trabalho totalmente não declarado (ou seja, sem inscrição na Segurança Social), nomeadamente criminalizando o recurso a trabalho nestas condições.

Neste âmbito, está ainda previsto aumentar para um ano antes da verificação dos factos a presunção (atualmente de 6 meses) da existência de prestação de trabalho, com inscrição na Segurança Social e pagamento das correspondentes contribuições.

O Governo quer proibir as empresas que façam despedimentos coletivos de recorrerem ao “outsourcing” (contratação externa) durante os 12 meses seguintes.

Está ainda previsto alargar a cobertura da negociação coletiva aos trabalhadores em regime de “outsourcing” (por analogia com regime aplicável aos trabalhadores temporários) e aos trabalhadores independentes economicamente dependentes.

No âmbito da conciliação entre a vida profissional e familiar, é proposto um aumento do valor do subsídio parental, de 83% para 90% da remuneração de referência, desde que o pai goze pelo menos 60 dias dos 180 do total da licença.

Também já em julho, o Governo tinha anunciado que iria reforçar os incentivos à partilha entre homens e mulheres do gozo das licenças parentais “designadamente através da majoração progressiva do valor dos subsídios”.

Outra das medidas apresentadas passa por “aumentar o montante do subsídio parental alargado de 25% para 35% nos casos em que exista partilha, neste caso em períodos iguais, entre homens e mulheres”.

O subsídio parental alargado é um apoio dado aos pais por um período até três meses, após os 180 dias da licença parental inicial.

Pelo caminho ficam outras propostas de esquerda, como a redução para 35 horas semanais do limite máximo de horário de trabalho também para o privado.

Os partidos não se mostram satisfeitos com algumas das medidas equacionadas e este pode ser mais um entrave a uma aprovação do Orçamento de Estado para 2022.

“Risco de crise política é grande”

Segundo noticia o Público, depois de ter ouvido dois conselheiros de Estado, o risco de uma crise política tem aumentado.

O PCP já tinha deixado claro que as questões laborais são condição para viabilizar o orçamento. Por sua vez, esta terça-feira, o BE fez saber que “não há acordo”. Já o PAN referiu que “está tudo nas mãos do Governo”.

“Não é encenação nenhuma, não é coreografia, o risco de crise política é grande”, reconhece um conselheiro de Estado, situando o cerne da questão orçamental no núcleo central das leis laborais.

Se os pontos de discórdia fossem apenas orçamentais, “o Governo abria os cordões à bolsa”, acredita. Mas ao deslocar as negociações para o tabuleiro laboral – onde estão também as exigências de não caducidade dos contratos coletivos – , os comunistas atiraram o Governo para fora de pé.

Se até agora “o PCP nunca tinha proposto nada que o Governo não pudesse dar”, nas palavras de outro conselheiro, desta vez a situação mudou do lado do parceiro que António Costa sempre apresentou como “responsável” e “credível”.

ZAP // Lusa

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