E eis que percebi que tinha desenvolvido medo de andar de avião — um medo que atinge muita gente. Ganhei coragem para vos contar “a minha história”, que talvez ajude alguém a ultrapassá-lo também, ou, quanto mais não seja, a perceber que não está sozinho!
Nem sempre tive medo de voar. O meu medo de andar de avião tem uma origem muito específica e eu sei qual é.
Foi num voo entre Málaga e Porto, em 2019. Apanhei uma turbulência exagerada, alguns poços de ar que fizeram o avião cair a pique durante uns segundos e que dava a sensação de que estávamos a cair.
Tive a sensação de que ia morrer, de que aquele era o fim, que não haveria mais nada depois daquilo. Não ia voltar a ver a minha família nem os meus amigos, nunca mais. Não ia voltar a dormir na minha cama, não ia voltar a cheirar o mar, não ia voltar a fazer uma série de coisas que me dão prazer.
Foi uma sensação horrível, a de saber que temos mais 2 minutos de vida. Tinha a certeza de que a minha vida ia acabar ali. Os passageiros estavam tensos e eu fui a primeira a gritar e a começar a chorar. Depois disso, o pânico instalou-se.
O voo durou mais do que uma hora, mas pareceram 10. Aterramos no Porto, e o piloto saiu inclusive do cockpit e explicou que o voo foi anormal, mas que chegamos bem. Até aqui tudo bem. Foi um susto, sobrevivemos. Ufa, que alívio.
Mas depois veio a pandemia e eu fiquei dois anos sem voar. E acho que isto teve um grande impacto. Porque até voltar a entrar novamente num avião, eu não sabia que tinha criado medo de andar de avião. Para mim tinha sido uma situação pontual, que tinha passado.
E eis que percebi que tinha desenvolvido medo de andar de avião
O voo seguinte que fiz foi até Istambul, em 2021. Senti-me ansiosa, um pouco desconfortável, percebi que algo não estava bem, mas não liguei. Passados uns dias fiz um voo interno na Turquia. E aí percebi que tinha desenvolvido medo de andar de avião. Saí de lá a jurar a mim mesma que voltaria a Portugal por terra.
A partir daqui fiz mais de 30 voos com o coração nas mãos e o medo no corpo. Chorei muitas vezes, algumas antes de entrar, outras já lá dentro. Gritei muito, desesperei muitas vezes.
Não sei contar quantas hospedeiras vieram ter comigo nem quantos passageiros me vieram dar uma palavra de força ou estender a mão com ansiolíticos. Acreditem, foram demasiados. Mas nunca deixei de viajar por causa disso. Não podia. Viajar significa demasiado para mim. O medo não me podia impedir.
Turquia, Egito, Peru, Irão, Itália, Filipinas foram alguns dos destinos para onde fui, a chorar. Tomava ansiolíticos de forma desmesurada – um, dois três, tudo ao mesmo tempo. Ficava completamente intoxicada e completamente fora de mim, mas nem por isso adormecia, nem por isso relaxava.
Tive um voo interno no Peru e outro nas Filipinas que foram mesmo muito maus. Lembro-me de estar a chorar compulsivamente, a pedir ajuda para me tirarem daquele desespero.
A certa altura, percebi que precisava de ajuda
Quando regressei das Filipinas, decidi que tinha de fazer alguma coisa. Isto tinha de parar de uma vez por todas. Decidi consultar um psicólogo e fazer psicoterapia.
Revivi todo o episódio e aprendi a reconhecer os gatilhos que espoletavam o medo de andar de avião, bem como a reconhecer as sensações que o meu corpo reproduzia – batimento cardíaco acelerado, uma sensação geral de inquietude
Estava num estado de alerta constante, sempre a ver as horas, sempre a contar quanto tempo faltava, sempre atenta à cara das hospedeiras, sempre atenta às luzes, sempre a verificar se o avião está a subir ou a descer, e porque é que está, enfim…
De Setembro a Dezembro de 2023 fiz 30 voos. E fui pondo em prática o que aprendi na psicoterapia. Sempre que tinha um pensamento negativo, respondia em troca “já andaste de avião mais de 100 vezes e nunca caiu, eles nunca caem”. Comecei a fazer exercícios de respiração constante.
Antes de entrar no avião e durante o voo., nos primeiros voos continuei a tomar ansiolíticos. Nos voos longos ainda continuo a tomar (não, não é um problema resolvido).
Pequenos passos a somar pequenas vitórias
Mas fui melhorando, muito lentamente. Num voo consegui ficar 10 minutos sem olhar para o relógio, no voo seguinte passaram a 15, depois 20. Nunca mais do que isso, até agora.
Num voo consegui ligar o computador e entreter-me num excel, noutro voo consegui ler durante uns minutos. Foram sempre pequenos passos com pequenas vitórias. Sempre a contrariar o pensamento, sempre a lutar contra o medo.
Passei a fazer os voos curtos sem medicação, e lá consegui. Sempre com manifestações no meu corpo e sempre com a medicação no bolso. Acho que a exposição ao medo de andar de avião foi o meu melhor amigo neste processo.
À medida que fui fazendo mais voos, fui experienciando diferentes tipos de turbulência e sempre que o avião aterrava pensava “tas a ver, houve turbulência e ele não caiu, já te disse que nunca caem”.
E houve um voo em que me esqueci de levar os medicamentos na mochila. E só reparei quando o avião aterrou. Fiquei tão feliz, não imaginam. Há uns meses seria absolutamente IMPOSSÍVEL não me lembrar de os levar.
Aos poucos, o meu corpo foi reagindo cada vez menos, até deixar mesmo de responder. O cérebro não, os pensamentos continuam por lá a pairar. Mas o meu corpo não responde, o coração não bate mais depressa, as mãos não suam, a ansiedade não se apodera de mim.
Continuo a respirar fundo muitas vezes, e a levar a medicação comigo (sempre que me lembro). Mas melhorei imenso. Já voo sozinha, já consigo voar sem chorar, nem gritar.
O medo de andar de avião está resolvido?
Honestamente, não sei. Uma parte de mim acha que o medo de andar de avião ainda não está ultrapassado. Por um lado, acho que só vou estar definitivamente curada quando tiver um voo difícil e, mesmo assim, não chorar.
Mas a outra parte de mim acha que estou a ser demasiado exigente e que tenho motivos para celebrar e ficar feliz.
E sinto-me feliz. Uma felicidade tímida, sempre com um medozinho relativo, sempre com a expectativa de que tudo possa voltar outra vez; mas já CONSIGO VOAR SEM CHORAR! E acreditem que isso significa muito para mim.
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Feliz de quem tem bases financeiras suficientes para fazer tantos voos para todo o Planeta – com ou sem medo de andar de avião. Os voos mais longos que efectuei (TAP) foram de Lisboa Bissau-Lisboa (por duas vezes) – e apanhei bastante turbulência ao passar o norte de África. A outra turbulência que apanhei foi num voo doméstico de Lisboa para a Ilha do Pico (TAP/SATA) em que antes de aterrar olhava pela janela e parecia que a asa do avião ia ser arrancada a qualquer momento. As únicas vezes que andei de avião. Em África, andei de heli e avioneta civil Dornier.