Quando a icónica catedral de Notre Dame, em Paris, queimou em 2019, não só destruiu algumas peças históricas, como também libertou um perigoso legado de materiais de construção. O chumbo do incêndio até já chegou ao mel francês.
Os níveis de chumbo no mel produzido na direção do vento do fogo eram quatro vezes o número de amostras colhidas de fora da cidade que não estavam no caminho do fumo tóxica.
“Devido à forma como o vento soprava na noite em que o fogo ardia, a direção em que a nuvem de fumo viajava é bem definida. As concentrações elevadas de chumbo foram medidas no mel colhidas das colmeias dentro da pegada da pluma”, disse Kate Smith, da Universidade da Colúmbia Britânica, em comunicado divulgado pelo EurekAlert.
O chumbo era um material de construção muito comum em Paris quando a catedral foi construída século XII. Acredita-se que o telhado e o pináculo continham várias centenas de toneladas de chumbo, o que provavelmente causou vários problemas de saúde àqueles que participaram na construção.
Embora elevados, os níveis de chumbo tóxico encontrados no mel francês ainda estão dentro dos limites permitidos pelos regulamentos da União Europeia para um consumo seguro.
De acordo com o estudo publicado este mês na revista científica Environmental Science & Technology Letters, foram colhidas três dezenas de amostras de colmeias na região de Paris após o incêndio e comparadas com amostras de Paris de 2018 e de outra parte da França em 2017.
A maior concentração de chumbo foi de 0,08 microgramas por grama de uma colmeia a menos de cinco quilómetros a oeste de Notre-Dame. Isso compara-se aos níveis entre 0,002 e 0,009 microgramas nas amostras pré-incêndio e o limite máximo permitido de 0,10 microgramas.
“Os níveis mais altos de chumbo que detetámos eram o equivalente a 80 gotas de água numa piscina olímpica”, disse o co-autor Dominique Weis. “Portanto, mesmo que seja relativamente elevado, ainda é muito baixo”.
Em vez de soar um alarme sobre o chumbo antigo no mel parisiense, os cientistas estão mais interessados no papel que as coisas doces e pegajosas podem desempenhar na detecção de toxinas no ambiente. “Pudemos mostrar que o mel também é um rastreador útil da poluição ambiental durante um evento de poluição aguda”, disse Weis.
Segundo os cientistas, esta é a primeira vez que esta análise é feita numa grande megalópole, particularmente uma com histórico de uso de chumbo há mais de 1.000 anos.
A catedral encontrava-se em obras de restauro no seu exterior quando, em abril do ano passado, deflagrou um violento incêndio que demorou cerca de 15 horas a ser extinto.
A origem acidental do incêndio, um curto-circuito, continua a ser privilegiada, embora a causa do fogo não esteja esclarecida, e os resíduos calcinados deverão ser analisados ao pormenor para detetar o menor indício.
As obras de Notre-Dame têm enfrentado vários imprevistos, desde a necessidade de adotar medidas contra a contaminação por chumbo até à crise do novo coronavírus, passando pelo mau tempo no final de 2019, mas foram retomadas no final de abril.