O primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, corre o risco de perder a maioria nas legislativas de segunda-feira, tornando-se o primeiro chefe de governo canadiano apoiado por uma maioria parlamentar a falhar a reeleição desde 1935.
Para os analistas, o líder do Partido Liberal, de 47 anos, é “vítima” de uma combinação de polémicas à sua volta e das elevadas expectativas que criou, segundo informou no domingo a agência Lusa.
A primeira polémica, como noticiou o Público, envolveu a sua ministra da Justiça e procuradora-geral, Jody Wilson-Raybould, em março, por causa de um julgamento de uma empresa de engenharia suspeita de em 2001/2002 subornar o líder da Líbia, Muammar Kadhafi, para ganhar contratos lucrativos neste país.
O primeiro-ministro queria que houvesse um acordo em que a empresa pagava uma multa em vez de ir a julgamento. Jody Wilson-Raybould, que não quis pôr em causa a decisão dos procuradores levarem o caso a julgamento, acusou Justin Trudeau de a ter pressionado e de ter recebido ameaças veladas de pessoas próximas do primeiro-ministro.
Justin Trudeau não negou ter conversado com Jody Wilson-Raybould para tentar esta solução, mas nega que tenha havido pressões, como acusa a ex-procuradora.
O segundo episódio foi em junho, quando o Governo aprovou o projeto de expansão do oleoduto Trans Mountain, visto pelos ambientalistas como um passo atrás na política do Canadá reduzir emissões.
A principal medida ambiental do Governo de Justin Trudeau foi um “imposto de carbono”, que aumenta impostos sobre fontes de energia conforme as emissões de CO2 (o carvão é taxado para ficar mais caro que o gás natural, por exemplo).
Sébastien Jodoin, professor da Universidade McGill (Montréal), disse que se o Governo continuar apenas com as políticas atuais, isso será “insuficiente” para cumprir as metas do Acordo de Paris. Mas, apesar disso, acredita que as medidas de Justin Trudeau foram “as mais ambiciosas que já houve no Canadá”.
O terceiro caso foi a vinda a público de várias fotografias de um jovem Justin Trudeau em festas em que aparece mascarado, com a cara pintada de negro ou castanho. Uma prática conhecida como ‘blackface’, que em especial no mundo anglo-saxónico remete para os espectáculos no século 19, num período de racismo institucionalizado e escravatura, em que brancos faziam papel de negros com as caras pintadas e com características físicas exageradas e estereotipadas. O primeiro-ministro pediu desculpas.
A oposição criticou-o, começando pelo conservador Andrew Scheer, que o acusou de “uma total falta de discernimento e integridade”, para concluir que “não está apto a governar o país”. Uma acusação que não soou convincente, porque este tem sido acusado por manter candidatos que fizeram comentários racistas ou homofóbicos – desde que tenham pedido desculpas, Andrew Scheer não diz ver motivos para os afastar.
“Não penso que ele seja completamente rejeitado, só que não é visto com o interesse, como o líder, se quiserem, que as pessoas queriam e esperavam”, explicou à AP o professor de história canadiana e relações internacionais da Universidade de Toronto Robert Bothwell, citado pela Lusa.
O principal adversário de Justin Trudeau, Andrew Scheer, de 40 anos, é um político de carreira descrito pelos seus próximos como brando e reservado, traço que pode agradar aos eleitores mais cansados do atual primeiro-ministro fulgor.
Andrew Scheer acusou Justin Trudeau de falsidade e criticou-o por não ser sequer capaz de dizer quantas vezes pintou a cara de escuro. Prometeu eliminar a taxa de carbono e reduzir a despesa pública, incluindo a ajuda externa, 25%.
Mas Andrew Scheer também tem tido percalços, tendo sido criticado por “embelezar” o currículo e por ter dupla nacionalidade canadiana e norte-americana, como foi revelado este mês pelo jornal Globe and Mail.
Em 2015, Justin Trudeau reafirmou a identidade liberal do país depois de quase 10 anos de governo conservador e é considerado pelos liberais como uma luz de esperança na era Trump, sobretudo desde de aparecee na capa da revista Rolling Stone sob o título “Porque não pode ser ele o nosso Presidente?”.
O ex-Presidente dos Estados Unidos Barack Obama manifestou publicamente o seu apoio, apelando aos canadianos que reelejam Justin Trudeau, um “líder eficaz e trabalhador” e “um progressista”, que não foge de “grandes questões como as alterações climáticas”.
Justin Trudeau tem defendido a diversidade e a igualdade de género e o seu governo reflete-o: metade dos membros do executivo são mulheres, dois ministros são de ascendência ‘sikh’ e o ministro da Imigração é um refugiado nascido na Somália.
Os seus esforços para encontrar um equilíbrio entre o desenvolvimento económico e a defesa do ambiente tem sido criticada tanto à direita como à esquerda, porque se por um lado adotou o imposto sobre o carbono, por outro recuperou um projeto estagnado para a expansão do oleoduto de Alberta.
Aquele que é considerado o seu maior feito é o acordo de comércio livre com os Estados Unidos. Já Andrew Scheer defende valores diferentes: fiscalmente prudente, pessoalmente contra o aborto e contra a legalização da ‘cannabis’ (que Justin Trudeau legalizou).
Todas as sondagens apontam para que nem Liberais nem Conservadores obtenham a maioria absoluta. O cenário mais provável é a de que venha a ser formado um governo minoritário, que terá de contar com alianças de pequenos partidos.
A câmara baixa do parlamento do Canadá é composta por 338 deputados. Para ter a maioria absoluta, um partido tem de eleger pelo menos 170 deputados. Um governo de coligação é teoricamente possível, mas improvável, dado não fazer parte da tradição e cultura política canadiana.
De acordo com o Público, nas sondagens, Justin Trudeau aparece praticamente empatado com Andrew Scheer, com cerca de 30% dos votos (a média das sondagens feita pela TV pública CBC dá 31,7% aos conservadores e 30,8% aos liberais).
Segue-se o Partido Nova Democracia, de Jagmeet Singh, com 18,8%, os Verdes, de Elizabeth May, com 8,3%, e o Bloc Québecois, que só existe no Quebeque, de Yves-François Blanchet.
Quem pode ter a vida facilitada pela importância da ecologia no debate eleitoral são os Verdes. Mas Elizabeth May, a líder do partido, não conseguiu capitalizar o interesse, e muitos neste país produtor de petróleo temem que as suas propostas sejam demasiado radicais e com uma aplicação demasiado rápida, revelou o New York Times.
Isto, apesar de as emissões de gases com efeito de estufa do Canadá estarem mais altas do que nos anos 1990, disse a BBC. O país de 37 milhões de habitantes está entre os dez que mais produzem gases com efeito de estufa e também é um dos que mais emitem ‘per capita’, apontou ainda a emissora britânica.
Elizabeth May não se comprometeu com um parceiro de coligação preferencial, dizendo que ouviria ambos os partidos potencialmente mais votados. Portanto, o cenário pós-eleitoral está aberto para várias possibilidades.