António Costa e André Silva estiveram na SIC para protagonizar mais um frente-a-frente marcado por questões ambientais e alterações climáticas. No debate desta quarta-feira ficou claro que os dirigentes dançam o mesmo tango, ainda que não acertem no ritmo.
O debate entre António Costa, do PS, e André Silva, do PAN, revelou a proximidade existente entre os dois dirigentes partidários no que toca a matérias orçamentais. No capítulo ambiental, André Silva até elogiou o socialista relativamente à “evolução positiva” do PS durante esta legislatura, apesar de ter ficado patente as divergências que subsistem na agricultura e turismo intensivos.
“Tem havido por parte do PS, nos últimos quatro anos, uma evolução positiva do PS nas matérias ambientais”, reconheceu o deputado ecologista, atribuindo os louros à oposição feita pelo PAN no Parlamento, que conseguiu levar os socialistas a tomar posições mais favoráveis ao ambiente.
Ainda assim, André Silva não tardou em apontar “algumas matérias” sobre as quais o PS peca por ser “pouco ambicioso”. “Coloca a primazia do crescimento económico sobre a conservação dos habitats e dos ecossistemas”, atirou, dando o exemplo prático do ritmo demasiado lento de encerramento das centrais de carvão.
Costa disse estar comprometido com as questões ambientais – tanto que até criou o ministério da transição energética -, mas advertiu que “não podemos comprometer-nos com o encerramento das centrais a carvão sem haver alternativas seguras” que não causem uma “disrupção” do abastecimento do país.
Ficou claro que o tango é o mesmo, ainda que dancem a um ritmo distinto: “Nos objetivos não há uma divisão entre nós. Há talvez uma divergência quanto ao ritmo“, admitiu o atual primeiro-ministro.
E quem fala em ritmo, pode falar também em datas. Enquanto que André Silva quer um Governo capaz de se comprometer de forma “mais exigente” com a meta da neutralização carbónica até 2030; Costa afirma que o atual Governo tem “metas muito ambiciosas” tendo em vista 2030, mas aponta para 2050 porque prefere “compatibilizar bons resultados na descarbonização com a transição económica”.
O dirigente do PAN colocou o trunfo em cima da mesa e voltou a acusar o PS de hipotecar as gerações futuras, “porque coloca a primazia do crescimento económico relativamente à conservação dos habitat e dos ecossistemas”. Além disso, contrariando Costa, garantiu que “é perfeitamente possível do ponto de vista económico e de resiliência da rede” fechar as centrais a carvão até 2023.
Na resposta, Costa procurou também a vantagem, lembrando que “Portugal foi em 2016 o primeiro país a nível mundial a assumir o objetivo da neutralidade carbónica em 2050. Só a Finlândia e a Suécia têm metas mais ambiciosas”. Se encerramento for possível mais cedo, será, apesar de o primeiro-ministro preferir “um compromisso razoável“.
Sobre a declaração de emergência climática, que o PAN e o Bloco propuseram e que o PS chumbou no Parlamento, Costa prefere falar numa “declaração proclamatória”. Ainda assim, defendeu-se com as medidas que o seu Governo “assumiu e executou”, como a passagem dos transportes urbanos ou a energia para o ministério do Ambiente.
O olival intensivo do Alentejo divide (e não é pouco)
Na área do turismo, o PAN defende quotas de entrada de visitantes de acordo com limites de carga, algo a que Costa não tem medo de dizer: “Não faz sentido”.
“O que temos de fazer com o turismo é a sua diversificação. Durante muitos anos éramos um destino de sol e praia, muito centrado no Algarve e Madeira, hoje temos turismo urbano, que é muito relevante, e cada vez mais um turismo de natureza que é cada vez mais importante e que deu enorme impulso ao desenvolvimento de todas as regiões do Interior”. O PS dá prioridade à revitalização de todo o espaço do mundo rural, “e li no programa que o PAN também dá”.
Desta vez, a música parou e os dirigentes pararam também de dançar. “Afasta-nos este modelo económico de crescimento ilimitado do faz-primeiro-e-remedeia-depois“, disse André Silva, apontando que esta fórmula é seguida tanto no turismo como na agricultura, em particular com o regadio e o olival intensivo.
“O PS está a transformar o Alentejo num olival intensivo com gasto de água absolutamente excessivo e que não é admissível num contexto de alterações climáticas. É uma visão completamente distinta que nos separa.”
Os pontos divergentes tardaram em surgir, mas vieram à tona nos últimos minutos de debate. “O Alentejo tem 3 milhões hectares, a área de olival são 170 mil hectares, o olival intensivo é 1,5% do conjunto de olival do Alentejo. Temos de ter visão equilibrada dos diferentes objetivos. Não podemos ter um regime económico depredador, mas não podemos deixar de ter um regime económico que gere riqueza e auto-suficiência para o país”, respondeu António Costa, recorrendo aos números como os seus maiores aliados.
André Silva não ficou convencido e insistiu que “o PS não está a aproveitar os recursos, está a depredar os recursos, está a colocar em causa a sustentabilidade do país e dos recursos naturais”.
Concordaram em discordar. “Convergimos em muita matéria. A nossa divergência começa no ponto do exagero. E quando fazemos um drama de 1,5% da área do Alentejo…”, atirou António Costa. Ainda assim, ficou claro que esta não é uma diferença com peso suficiente para impedir um eventual acordo entre os partidos.
Com André Silva presente, o Ambiente é pano de fundo
O ambiente é quase sempre o único tema dos frente-a-frente de André Silva com outros líderes políticos. “Matérias como o ambiente e o combate às alterações climáticas só se abordam quando está presente o PAN“, admitiu o próprio dirigente.
A jornalista Clara de Sousa ainda tentou falar sobre Europa, mas as respostas de André Silva pendiam sempre para o ambiente.
Quando discutiam os pelouros que caberão a Elisa Ferreira na futura Comissão Europeia, a tendência repetiu-se: “Espero que Elisa Ferreira vá mais além do que defender os interesses de Portugal”, disse André Silva contando com o apoio de António Costa. “O combate às alterações climáticas não se pode circunscrever a Portugal e à União Europeia”, continuou o dirigente do PAN.
“O meu filho nunca pediu nada ao pai”
Na última pergunta dirigida ao primeiro-ministro, Clara de Sousa quis saber o que faria António Costa se um ministro convidasse o filho do chefe de Governo, que está a caminho de se tornar presidente da Junta de Freguesia de Campo de Ourique, para um gabinete ministerial.
Não escondendo a sua surpresa, disparou: “Nenhum membro do Governo convidaria o meu filho e o meu filho não aceitaria trabalhar num gabinete do Governo presidido por mim.”
“Não é uma questão de ser prejudicado. É apenas uma questão de bom senso. Na minha família somos todos independentes e pensa cada um pela sua cabeça”, continuou António Costa, acrescentando que a SIC nunca deixou de ser independente pelo facto de o seu irmão, Ricardo Costa, ser diretor.
“Não é por causa do meu irmão que foi diretor desta casa, que esta casa alguma vez deixou de ser independente da forma como lida relativamente a mim ou ao Governo.”
Já André Silva foi questionado sobre se aconselharia um familiar seu que fosse vítima de um crime violento a reconciliar-se com o seu agressor, uma pergunta alusiva à proposta polémica do partido que previa reconciliação para crimes violentos, que entretanto o PAN alterou.
“A proposta do PAN visa implementar em Portugal o que já se faz lá fora em termos de justiça regenerativa, permitindo que vítimas e agressores, que assim o queiram e entendam, possam ficar em paz” depois de cumprida a pena. “Se acontecesse a um familiar meu, não ia obrigar nem convencer ninguém a fazê-lo, mas se houvesse essa possibilidade, e alguém da minha família, o quisesse, muito bem”, assumiu.
O debate desta quarta-feira foi um jogo amigável, desalinhado em termos de ritmo, mas convergente em quase tudo. Não restam dúvidas de que, depois das eleições, sem “dramas” e tangos à mistura, os dois dirigentes poderão conversar.