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50 angolanos desaparecidos durante visita de João Lourenço: André Ventura mentiu

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Tiago Petinga / Lusa

O vídeo é falso, a PSP desconhece o desaparecimento de cidadãos angolanos durante a visita oficial do Presidente João Lourenço a Portugal, o Governo não comenta desinformação e as autoridades angolanas desmentem a denúncia do presidente do Chega. A Lusa fez o fact-check: Ventura mentiu.

No dia 27 de julho, o presidente do Chega denunciou o alegado desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos de um grupo maior que teria viajado até Lisboa para participar nas iniciativas de apoio à visita oficial do Presidente angolano, João Lourenço, que esteve em Lisboa entre 24 e 26 de julho.

Segundo uma publicação de André Ventura no X, esse facto “está a ser ocultado pelo Governo português”.

Numa outra publicação, sobre “corrupção lusófona”, divulgou um vídeo no qual reitera a denúncia e as críticas que já havia feito ao Presidente angolano no dia 25, primeiro dia da visita oficial a Portugal.

Neste vídeo, atualmente com centenas de milhares de visualizações, o presidente do Chega afirma que “ficou demonstrado que foi o poder de Angola que pagou a viagem, que os trouxe para cá e que os levou para a frente do Parlamento para fingir que havia alguma vaga de apoio em Portugal ao Presidente João Lourenço”, numa referência aos angolanos que se concentraram em frente à Assembleia da República.

Na mensagem, Ventura insiste no desaparecimento de algumas dessas pessoas. “Alguns fugiram, desapareceram, não sabemos onde é que estão, agora que era tempo de voltar estão perdidos em Portugal. Vejam a vergonha e o descalabro disto”.

A denúncia do Chega parece ter origem na página do Facebook NSISA Reflexões, da autoria do ativista angolano Jerónimo Nsisa, nomeadamente num conjunto de publicações feitas na véspera, dia 26, segundo as quais o governo angolano teria organizado e pago a deslocação de um grupo de militantes para participarem no “teatro de apoio ao presidente”.

Uma das publicações inclui um vídeo gravado na zona de chegadas do aeroporto de Lisboa e que alegadamente mostra “a claque do MPLA que saiu de Angola para prestar apoio ao Presidente João Lourenço em Portugal.

Um outro texto avança que “dos 164 cidadãos que se deslocaram a Portugal, 54 puseram-se em fuga, porque supostamente aproveitaram a oportunidade para não mais regressarem à miséria em Angola.”

Segundo a mesma publicação, que está acompanhada pela imagem que André Ventura partilhou nas suas redes sociais, essa comitiva viajou até Portugal com passaportes de serviço, um tipo de documento cuja utilização dispensa a necessidade de visto, conforme acordado entre os dois países.

Factos. O vídeo é de outra visita

A denúncia de André Ventura foi prontamente desmentida por vários elementos do MPLA, nomeadamente através da página do Comité de Acção do Partido [MPLA] de Lisboa e de declarações de Aguinaldo de Oliveira, Secretário para o Departamento de Informação e Propaganda do Comité Provincial do MPLA em Luanda.

Em resposta à Lusa, a embaixada de Angola também foi perentória: “é absolutamente falso que um grupo de angolanos tenha vindo de Angola para participar na realização de ações de apoio” à visita oficial do Presidente João Lourenço.

“As pessoas que resolveram expressar o seu apoio ao senhor Presidente da República são todos residentes na região de Lisboa”, afirmou o adido de imprensa, Victor Carvalho.

A Lusa Verifica analisou o conteúdo das denúncias do Chega e da página NSISA Reflexões e concluiu que não existem provas daquelas alegações. Aliás, no caso do vídeo da alegada “claque do MPLA” no aeroporto de Lisboa, foi possível apurar que as imagens são anteriores à visita do presidente João Lourenço.

No vídeo, ainda disponível nas redes sociais da NSISA Reflexões, vê-se o que parece ser um grupo de angolanos com chapéus, t-shirts vermelhas e lenços amarelos do MPLA no hall de chegadas do Aeroporto Humberto Delgado, em Lisboa, mas vêem-se também várias telas publicitárias cujas datas de colocação foi possível apurar.

Uma delas, facilmente identificável, celebrava a Final Feminina da UEFA Champions League, que decorreu em Lisboa a 24 de Maio.

A Lusa apurou junto de duas empresas de comunicação ligadas ao espaço que a campanha da Lay’s esteve afixada entre os 6 de maio e 19 de junho, pelo que o vídeo é necessariamente desse período.

A agência analisou também vídeos gravados naquele espaço já em julho e constatou que aquele anúncio já não estava presente.

Além disso, a consulta das redes sociais do MPLA em Portugal permitiu concluir que o vídeo ilustra a receção da vice-presidente do partido, Mara Quiosa, que visitou Portugal no início de junho, como mostra outro vídeo no qual é visível a mesma tela publicitária e elementos do MPLA comuns ao vídeo anterior: .

Quanto ao conteúdo das restantes alegações, nenhuma autoridade portuguesa ou angolana confirmou qualquer indício, denúncia ou investigação sobre este caso. Essa é também a conclusão do Verifica.ao, projeto angolano de verificação de factos,, que conclui que “a alegação é enganadora porque não está sustentada por provas concretas, nem confirmada por fontes oficiais ou independentes”.

Contraditório

A Lusa tentou contactar a página NSISA Reflexões, mas não obteve resposta.

Tentou também ouvir os ministérios portugueses da Administração Interna e dos Negócios Estrangeiros, bem como o gabinete de comunicação do Governo, mas foi informada que o Governo não iria responder à acusação do Chega por considerar que não deve abrir o precedente de dar resposta aos conteúdos desinformativos partilhados nas redes sociais daquela força política.

No entanto, foi possível apurar que a Polícia de Segurança Pública não recebeu qualquer denúncia sobre este caso. “A PSP não tem conhecimento do alegado desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos em Portugal”

“Se os referidos cidadãos de Angola passaram a fronteira aérea é porque teriam condições para o fazer, caso contrário teriam sido intercetados, não lhes sendo permitida a entrada”, explica o gabinete de comunicação da Direção Nacional da PSP.

A Lusa quis também ouvir o governo angolano, o que só foi possível após várias tentativas.

Na resposta escrita recebida, o secretário do presidente da República para os Assuntos de Comunicação Institucional e Imprensa, Luís Fernando, afirmou que “o que foi dito por André Ventura e outros que o secundaram são delírios, afirmações absolutamente falsas, ficção da mais reles”, porque “os angolanos que estiveram a dar vivas ao Presidente João Lourenço residem todos em Portugal, devidamente legalizados.”

Além disso, acrescenta, “a embaixada forneceu ao Ministério dos Negócios Estrangeiros português e à Polícia a lista dos cidadãos que estariam concentrados nos pontos principais da agenda, bem como a foto do traje que usariam e o nome e contacto do líder associativo responsável” em cada iniciativa.

O gabinete de comunicação do Chega mantém a acusação e afirma que “recebeu, por vias fidedignas, denúncias sérias e credíveis relativamente ao desaparecimento de cidadãos angolanos em território nacional, na sequência da sua participação num evento de apoio ao Presidente da República de Angola, João Lourenço.”

No entanto, não esclareceu se o Chega apresentou alguma queixa às autoridades, nem se tinha alguma informação sobre o vídeo erradamente atribuído à chegada da comitiva ao aeroporto de Lisboa.

Conclusão: Falso

O autor da denúncia inicial não esteve disponível para prestar esclarecimentos, nem divulgou nova informação, mas a Lusa apurou que o vídeo que divulgou é de junho e não corresponde ao alegado.

Por seu lado, o Governo português e a PSP desconhecem qualquer incidente relativo ao alegado desaparecimento de cidadãos angolanos em Portugal e a comunidade angolana em Portugal bem como o governo angolano desmentem aquela acusação de forma categórica.

Com base na informação recolhida, na ausência de provas e na utilização de um vídeo enganador, a Lusa verifica que é falsa a acusação sobre o desaparecimento de mais de 50 cidadãos angolanos que alegadamente viajaram até Lisboa para apoiar a visita oficial do presidente João Lourenço.

Ventura é especial

Não é a primeira vez que André Ventura é apanhado a mentir, divulgar informações falsas ou propagar desinformação.

Numa pesquisa rápida no ZAP da expressão “André Ventura mentiu“, encontramos vários exemplos: Ventura mentiu sobre o tamanho da sua casa, André Ventura mentiu no Parlamento, André Ventura mentiu, conta Pacheco de Amorim.

André Ventura não é o único político apanhado a mentir. Em 2024, o ZAP deu conta de 30 mentiras durante a campanha eleitoral então em curso. Atrás apenas de Ventura, que encabeça a lista com mais mentiras, surge Mariana Mortágua, que mentiu, mentiu, mentiu descaradamente.

Nas últimas eleições legislativas, os eleitores deram ao Chega dos votos expressos, que levaram ao parlamento 60 deputados do partido — tornando-o a segunda maior formação política no hemiciclo.

Quase todos os políticos mentem, uns mais, outros menos ou por engano. André Ventura parece ter a arte e o engenho de capitalizar junto dos portugueses a mentira, o engano, a falsidade e a desinformação — e transformá-los em votos.

ZAP // Lusa

2 Comments

  1. Ventura e os seus seguidores não mentem, apresentam realidades alternativas que sirvam os seus propósitos. Pois se eles até são cristãos (pelo menos é o que dizem)!

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    • Cristãos não são aqueles que mandaram uns quantos terroristas cortar cabeças para o Levante na época medieval? Não são aqueles que legalizaram a usura? Esses cristãos?

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