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Sarampo: “estamos a um passo da catástrofe”

Não vacinar está na moda. Mas se as taxas de vacinação não melhorarem, assistiremos ao regresso e transmissão sustentada de doenças que estavam erradicadas.  Sarampo, papeira, rubéola, difteria e poliomelite vão tornar-se endémicas e “voltar a ser nomes conhecidos lá em casa”, diz um novo estudo.

Apenas duas doses da vacina contra o sarampo, a papeira e a rubéola são suficientes para alcançar 99% de eficácia na prevenção da infeção pelo vírus para toda a vida.

Estas vacinas geralmente são administradas às crianças até os 6 anos de idade e reduziram drasticamente os surtos de sarampo em países como Austrália e EUA nas últimas décadas.

Mas, à medida que o ceticismo em relação às vacinas e possíveis mudanças nas políticas levam a uma queda na cobertura vacinal, doenças como o sarampo estão a começar a reaparecer — pondo em causa a erradicação duramente conquistada em décadas de luta contra estas doenças.

A Austrália registou mais de 50 casos de sarampo até agora em 2025, em comparação com 57 casos no total em todo o ano de 2024. Nos Estados Unidos, três pessoas já morreram de sarampo em 2025. O número total de casos saltou de 285 em 2024 para 885 em 2025.

Em Portugal, a doença foi já considerada erradicada pela DGS e OMS, mas nos últimos anos começaram a aparecer novos casos no nosso país — “graças a uma moda dos papás“.

Mas como é que a dimensão e a frequência dos surtos da doença podem mudar se as taxas de vacinação permanecerem as mesmas? E se continuarem a cair? Ou a melhorar?

Um novo estudo, publicado a semana passada na revista JAMA, usou modelos epidemiológicos em grande escala para responder a estas perguntas.

No decorrer do estudo, uma equipa de investigadores da Universidade de Stanford, nos EUA, investigou quatro doenças infecciosas que tinham sido anteriormente eliminadas nos EUA através da vacinação infantil: sarampo, rubéola, poliomielite e difteria.

A equipa construiu um modelo para prever possíveis cenários para os próximos 25 anos, dependendo das taxas de vacinação.

“À medida que a vacinação diminui, o efeito não será imediato“, afirma o autor principal do estudo, Mathew Kiang, citado pela Cosmos. “Queríamos saber: quando veremos o impacto das decisões que estão a ser debatidas e tomadas neste momento?”

As conclusões são muito contrastantes e alguns cenários são devastadores. Mas o resultado depende essencialmente das medidas que forem tomadas agora. “No caso do sarampo, descobrimos que já estamos no limiar da catástrofe“, diz Kiang.

 

As previsões

O modelo analisou como cada uma das quatro doenças se espalharia se fosse trazida de volta aos EUA a partir de outro país.

“Neste momento, tantas pessoas ficaram imunes através da vacinação que as doenças não se espalham muito”, diz Nathan Lo,  investigador de doenças infecciosas  da Universidade de Stanford e co-autor do estudo.

“Mas se as vacinações diminuírem durante um período mais longo, começamos a ver os surtos aumentarem em tamanho e frequência. Eventualmente, veremos uma transmissão sustentada e contínua, essas doenças tornam-se endémicas — e voltam a ser nomes conhecidos em todas as casas”, acrescenta.

O modelo prevê que, se a cobertura vacinal e as respostas de saúde pública não melhorarem, o sarampo poderá tornar-se endémico novamente dentro de duas décadas.

“Isso significa uma estimativa de 851.300 casos em 25 anos, levando a 170.200 hospitalizações e 2.550 mortes“, diz Kiang.

Entretanto, um aumento de apenas 5% nas vacinas contra o sarampo, a papeira e a rubéola, as chamadas “MMR”, poderia reduzir os casos para menos de 6000 e impedir que o sarampo se torne endémico.

No entanto, se as vacinas contra as MMR diminuírem em 10%, o modelo estima que o número de casos aumentará para 11,1 milhões em 25 anos.

“Embora os efeitos da diminuição da vacinação não sejam imediatos, poderemos eventualmente ver o regresso de complicações terríveis de doenças que a maior parte dos médicos de hoje não encontrou — graças a décadas de imunização bem-sucedida”, diz Lo.

Os autores do estudo observam que, de todas as doenças estudadas, a que tem mais probabilidades de se tornar endémica é o sarampo.

“O sarampo é uma das doenças mais infecciosas que existem, por isso o número de pessoas que têm de ser imunes para impedir a sua propagação é extremamente elevado”, explica Lo.

“Além disso, a vacina MMR tornou-se particularmente controversa, em parte devido a um historial de investigação médica fraudulenta que levantou preocupações de segurança; foi conclusivamente demonstrado que não existe nenhuma ligação com o autismo“, realça o investigador.

O modelo também examinou outros cenários potenciais em que doenças que poderiam ser prevenidas por vacinas aumentam. Por exemplo, se as taxas de vacinação fossem reduzidas pela metade, ao longo de um período de 25 anos, isso poderia resultar em:

  • 51,2 milhões de casos de sarampo
  • O sarampo torna-se torna endémico em menos de 5 anos
  • 9,9 milhões de casos de rubéola
  • 4,3 milhões de casos de poliomielite
  • 197 casos de difteria
  • 10,3 milhões de hospitalizações
  • 51 200 crianças com complicações neurológicas pós-sarampo
  • 10 700 casos de malformações congénitas devido à rubéola
  • 5400 pessoas paralisadas devido à poliomielite
  • e 159 200 mortes.

Lo afirma que o cenário mais provável é aquele em que a cobertura vacinal continua a diminuir a um ritmo mais lento, mas ainda assim terá consequências graves.

“Se começarmos a ver grandes mudanças no calendário e na política de vacinação infantil e a cobertura realmente cair, entraremos num mundo em que teremos de nos preocupar com doenças como a poliomielite e a rubéola, mas isso provavelmente levaria mais de uma década ou mais”, afirma.

“Se isso acontecer, não é possível simplesmente ligar um interruptor — uma vez que essas doenças estejam novamente à solta, levará tempo a eliminá-las outra vez”, conclui Lo.

ZAP //

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