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O movimento anti-protetor solar está na moda. Mas cancro de pele não se pega

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O crescente movimento anti-protetor solar que se propaga pelas redes sociais está a alarmar dermatologistas e especialistas em saúde pública, que alertam que evitar a proteção solar aumenta significativamente os riscos para a saúde a longo prazo — incluindo o cancro da pele.

Num vídeo no TikTok, uma mulher declarou que deixou de usar protetor solar por completo.

No Instagram, um homem insiste que a exposição prolongada ao sol sem protetor solar pode ajudar a aumentar a imunidade de uma pessoa.

E no YouTube, os inevitáveis “influencers” estão a promover alternativas caseiras aos protetores solares tradicionais — à base de óleo, manteiga ou outros remédios naturais, conta o The Washington Post.

Durante anos, dermatologistas e especialistas em saúde realçaram o valor do protetor solar para prevenir o cancro de pele e proteger as pessoas da radiação ultravioleta do Sol.

Mas um crescente movimento antiprotetor solar tomou conta das redes sociais, causando confusão sobre os seus benefícios e alarmando os especialistas em saúde pública, que afirmam que evitar o uso de protetor solar aumenta os riscos para a saúde a longo prazo.

O sentimento anti-protetor solar tem origem numa crescente desconfiança em relação às entidades reguladoras e às empresas farmacêuticas, alimentada por apoiantes do movimento Make America Healthy Again do Secretário de Saúde dos EUA, Robert F. Kennedy Jr. conhecido ativista anti-vacinas.

Um exemplo desta tendência é Summer Whiteside, enfermeira num serviço de urgência na Califórnia, que se autodescreve como “mãe MAHA” — que usa roupa protetora nos filhos e aplica protetor solar mineral apenas no rosto, invocando preocupações com os ingredientes químicos.

A vaga de ceticismo em relação aos protetores solares é ainda insuflada por relatos de pessoas que dizem ter tido irritações cutâneas provocadas por produtos convencionais, levando-as a optar por alternativas naturais ou mesmo a evitar totalmente o seu uso.

A deitar gasolina para a fogueira, várias publicações enganosas e notícias falsas, recentemente desmistificadas num artigo da Euronews, propagaram uma alegada correlação entre o número crescente de casos de cancro da pele desde 1935, e a introdução de protetores solares que contêm determinados ingredientes.

A correlação existe, efetivamente, mas entre o aumento de casos de melanoma e o aumento drástico da incidência de radiação UV na Terra nas últimas décadas, devido essencialmente à diminuição do efeito protetor da Camada de Ozono — que em janeiro de 2023 tinha começado a fechar mas em novembro afinal não.

O que diz a Ciência

Dado que o cancro da pele continua a ser um dos tipos de cancro mais comuns, os especialistas em saúde reforçam que evitar o protetor solar representa riscos muito superiores a quaisquer preocupações não comprovadas sobre a segurança dos seus ingredientes.

Os protetores solares atuam absorvendo ou refletindo a radiação ultravioleta que provoca queimaduras solares, envelhecimento precoce e cancro da pele.

Os protetores químicos usam ingredientes como a avobenzona e a oxibenzona para absorver os raios UV e convertê-los em calor, enquanto os protetores minerais, com óxido de zinco ou dióxido de titânio, bloqueiam fisicamente a radiação antes que esta atinja a pele.

Embora alguns estudos tenham concluído que ratos alimentados com oxibenzona apresentaram desregulações hormonais, um artigo publicado em 2017 no Journal of the American Academy of Dermatology, concluiu que uma pessoa teria de aplicar protetor solar durante 277 anos para obter um efeito semelhante.

Os especialistas em saúde pública sublinham que décadas de investigação confirmam consistentemente a eficácia dos protetores solares.

O dermatologista Henry W. Lim, do Henry Ford Health, refere que a oxibenzona é usada com segurança desde a década de 1970, sem que existam estudos em humanos que provem efeitos cancerígenos dos ingredientes aprovados.

Pelo contrário, inúmeros estudos comprovaram o efeito da radiação UV no aumento do risco de cancro de pele.

É o caso recente de um estudo publicado em maio deste ano no International Journal of Cancer que revelou que mais de 80% dos casos de melanoma cutâneo em 2022 a nível mundial foram atribuídos à exposição à radiação UV.

Também um estudo sistemático da OMS/OIT, publicado em 2023 no British Journal of Dermatology concluiu que a exposição ocupacional à radiação UV solar está associada ao aumento do risco de melanoma cutâneo e cancro da pele não melanoma.

Por outro lado, vários estudos de grande escala demonstram os benefícios da proteção solar. O ensaio de campo Nambour Skin Cancer Prevention Trial, na Austrália, concluiu que os utilizadores diários de protetor solar apresentavam taxas mais baixas de melanoma ao longo de dez anos.

De forma semelhante, um estudo norueguês com 143 mil mulheres revelou que o uso de protetor com FPS 15 ou superior reduziu o risco de melanoma em 33%.

Finalmente, ao aumento dos riscos para a saúde devido ao abandono do uso de protetor solar, acrescem os riscos decorrentes do uso de soluções caseiras com eficácia e efeitos não comprovados.

Para o dermatologista Adam Friedman, professor da George Washington University, usar um protetor solar “faça você mesmo” é o mesmo que tomar uma uma aspirina feita na banca da cozinha ou um medicamento para a diabetes destilado na banheira.

Alheia a estes avisos e recomendações, a mania anti-protetor solar continua a alastrar — encontrando campo fértil nas mentes de quem acha que a melhor forma de combater a Covid-19 (se existir tal coisa) é um medicamento usado para matar vermes em bois e cavalos, e que as vacinas provocam autismo.

Estas são as mesmas pessoas que colocam em risco a saúde da comunidade recusando-se a vacinar as crianças contra o sarampo. Felizmente, o cancro de pele não é contagioso.

Armando Batista, ZAP //

1 Comment

  1. Sendo certo que o cancro de pele não se transmite, daqui a uns anos estes anormais anti-ciência que se acham mais inteligentes do que os outros vão estar a sobrecarregar ainda mais, e desnecessariamente, o SNS.

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