Cleópatra perdeu (outra vez) a irmã que mandou matar

Frederick Arthur Bridgman (1847–1928)/Wikimedia

Cleópatra nos Terraços de Philae

Mistério de longa data resolvido (mais ou menos): afinal, o túmulo encontrado na Turquia pertencia… a um rapaz romano, não à esquecida Arsinoé IV — que continua desaparecida.

Durante quase um século, acreditou-se que um imponente mausoléu em Éfeso, era o local de descanso eterno da princesa Arsinoé IV, irmã mais nova de Cleópatra VII que contra a famosa rainha se virou durante a crise dinástica contra o irmão, Ptolemeu XIII. No entanto, a crença não passava disso, uma crença.

Novas investigações, cujos resultados foram publicados este ano na Scientific Reports, contrariam a narrativa. Aliás, revelam que os restos mortais encontrados naquele lugar turco não pertencem a uma mulher da realeza, mas sim a um jovem romano do sexo masculino.

Mas para contar toda a história deste equívoco temos de recuar a 1929, quando uma equipa de arqueólogos descobriu o Octógono, um misterioso túmulo de oito lados com teto piramidal e elementos arquitetónicos de inspiração egípcia.

A ascenção e queda de Arsinoé (que afinal não está no Octógono)

Arsinoé aliou-se a facções hostis a Roma depois de Júlio César intervir no Egito e, com o apoio do eunuco Ganimedes, assumiu o título de faraó, tornando-se a figura central da resistência alexandrina. Mas não durou muito.

César capturou-a em 47 a.C., levou-a para Roma, onde foi exibida ao público, mas poupada e enviada para o exílio no templo de Ártemis, em Éfeso. Mas esse exílio também não durou muito.

Sentindo a sua liderança ameaçada pela própria irmã, Cleópatra terá convencido o cônsul romano Marco António a ordenar a sua execução.

Dizia-se que Arsinoé tinha sido executada em 41 a.C., num local que ficava perto do Octógono. Pelo design invulgar da estrutura, supôs-se que era o túmulo da irmã de Cleópatra, apesar de não haver inscrições nem provas conclusivas, recorda o Earth.

Mas agora, uma microtomografia computorizada e uma datação por radiocarbono dos restos mortais, recentemente realizada pela equipa internacional liderada por Gerhard Weber, da Universidade de Viena, encontrou “a grande surpresa” no crânio e fémur, que não deixa dúvidas: um cromossoma Y, que confirma que o corpo era do sexo masculino.

Quem era este rapaz?

Os restos mortais indicam que o rapaz tinha entre 11 e 14 anos quando morreu. Os resultados de radiocarbono dataram o enterro entre 205 a.C. e 36 a.C., um período que coincide com a vida de Arsinoé, mas que também se enquadra noutros enterros romanos de elite da época.

A análise genética situou a ascendência do jovem do sexo masculino entre a Itália continental e a Sardenha, o que também se ajusta ao papel de Éfeso como um movimentado porto romano e centro administrativo.

O facto de o rapaz ter sido sepultado dentro das muralhas, ao longo da Rua Curetes, é um sinal de elevado estatuto social — era provavelmente o filho de uma família romana rica ou politicamente influente em missão no estrangeiro, conclui o estudo.

Não foram no entanto encontrados objetos funerários, por isso torna-se impossível esclarecer a sua identidade ou causa de morte. Mas o crânio apresentava fusão prematura de uma sutura, desalinhamento da mandíbula e um palato estranhamente alto, fatores que teriam afetado a sua aparência, fala e capacidade de mastigação. Os investigadores suspeitam de uma síndrome congénita ou deficiência nutricional.

Universidade de Viena

O crânio encontrado no local.

E o Octógono?

O Octógono, com os seus 13 metros de altura, revestido a mármore branco e com um teto em forma de pirâmide, continua a intrigar os arqueólogos.

Há quem diga que é uma evocação do farol de Alexandria; há quem diga que é estética ou uma afirmação simbólica do poder romano no Mediterrâneo; ou uma homenagem pessoal a ligações familiares com o Egito. Mas sem a ligação à realeza, podem surgir novas interpretações para a sua função.

Com os restos de Arsinoé ainda por encontrar, os arqueólogos poderão concentrar a procura em sepulturas mais simples,em vez de assumir, sem provas e à pressa, que o apelativo Octógono era o seu local de descanso.

Tomás Guimarães, ZAP //

Deixe o seu comentário

Your email address will not be published.