Spinumviva já é dos filhos de Montenegro. Solverde põe fim ao contrato

Estela Silva / LUSA

O primeiro-ministro, Luis Montenegro

A doação de quotas da mulher para os filhos do primeiro-ministro já se concretizou. Entidade para a Transparência investiga declarações de rendimentos de Montenegro.

O Grupo Solverde anunciou hoje a cessação do contrato de prestação de serviços com a Spinumviva, empresa que pertenceu ao primeiro-ministro, Luís Montenegro.

“Não obstante a Spinumviva ter cumprido integralmente as suas obrigações para com a Solverde e prestado continuamente os seus serviços de forma profissional, entenderam as duas empresas, ponderando o atual contexto e visando exclusivamente a salvaguarda do bom nome e da reputação de ambas, que a cessação da referida relação de prestação de serviços constitui, nas atuais circunstâncias, a solução mais adequada”, lê-se num comunicado enviado pelo grupo.

A decisão “permite à Solverde a escolha, no decurso do corrente mês de março, de um novo prestador de serviços com menor exposição pública”, escreve-se ainda.

Segundo este grupo, a decisão “revela-se essencial para proteger a Solverde” perante a “divulgação de factos que não correspondem à verdade, com a mistura intencional de verdades e mentiras e a consequente especulação sem qualquer fundamento”.

Empresa passa para os filhos e já não tem sede em Espinho

A empresa Spinumviva anunciou esta quarta-feira que a doação de quotas da mulher do primeiro-ministro para os seus filhos foi consumada, mudando-se a sede para o Porto, conforme tinha sido anunciado por Luís Montenegro no sábado.

“Dá-se conhecimento público que está consumada a transmissão por doação de quotas e todos os ativos (incluindo reservas, suprimentos, ou quaisquer créditos) da Sociedade SPINUMVIVA, Lda, para os sócios Hugo e Diogo Montenegro, que deliberaram também a mudança da sede da empresa para o Porto”, anunciou a empresa em comunicado. A sede da empresa era na casa da família em Espinho.

O anúncio surge horas antes da moção de censura apresentada pelo PCP ser discutida no Parlamento. Pelo meio, o governo tem apresentado a possibilidade de apresentar uma moção de confiança.

Segundo o comunicado, “a doação foi feita com todos os correspondentes direitos e obrigações”.

Não foram distribuídos quaisquer dividendos como consequência da doação, nem quaisquer créditos a que os doadores tivessem direito. Os doadores mantiveram o mesmo princípio em vigor desde 2021, não retirando quaisquer quantias da sociedade a título de lucros e dividendos e preservando a autonomia do património da sociedade”, acrescenta a nota.

No sábado, o primeiro-ministro anunciou, numa comunicação ao país, após uma reunião do Conselho de Ministros extraordinário, que a empresa familiar Spinumviva passaria a ser “totalmente detida e gerida pelos filhos”, deixando a mulher de ser sócia gerente, e iria mudar de sede.

O primeiro-ministro disse ainda que “sempre que houver qualquer conflito de interesses por razões pessoais e profissionais” relacionados com a sua empresa familiar não participará nos processos decisórios do Governo, tal como outros membros do executivo.

“Portugueses, nunca cedi a nenhum interesse particular face ao interesse público e geral e assim vai continuar a ser”, assegurou.

Montenegro justificou a decisão de não extinguir a empresa por considerar não ter “o direito de privar” os filhos da sua atividade profissional devido às suas funções políticas.

“Sinceramente, creio que se o nosso sistema político não aceita nem controla a conciliação entre a vida familiar e a vida política, nós vamos de uma assentada ter políticos sem passado e ter políticos sem futuro profissional”, disse.

No dia 30 de junho de 2022, pouco mais de um mês depois de ter sido eleito presidente do PSD, Luís Montenegro renunciou à gerência da empresa que fundou em 2021 e transferiu 92% da sua participação para a mulher e os restantes 8% da sua posição foram distribuídos de forma igual pelos dois filhos.

Com essa operação, a mulher passou a deter 92% do capital da empresa e os filhos 4% cada. No entanto, alguns juristas defendem que transmissão de quota à mulher pode ser considerada nula, uma vez que o primeiro-ministro é casado em comunhão de adquiridos.

A convocação de um Conselho de Ministros extraordinário e de uma comunicação ao país para anunciar as suas “decisões pessoais e políticas” foi feita por Luís Montenegro após ter sido noticiado pelo semanário Expresso que a empresa detida pela sua mulher e filhos recebe uma avença mensal de 4.500 euros do grupo Solverde.

Declarações, património e interesses “em verificação”

As declarações de rendimentos, património e interesses do primeiro-ministro, Luís Montenegro, encontram-se “em verificação”, revelou esta quarta-feira à Lusa a Entidade para a Transparência.

“Sem prejuízo do dever de sigilo previsto no artigo 12.º do Estatuto da Entidade para a Transparência, pode informar-se que as declarações únicas do senhor primeiro-ministro se encontram em verificação”, lê-se numa resposta escrita a questões colocadas pela agência Lusa àquela entidade, que não adianta mais detalhes.

O primeiro-ministro anunciou na segunda-feira que iria pedir à Entidade para a Transparência que audite a conformidade das suas declarações e respetiva evolução, assegurando ter cumprido todas as obrigações declarativas.

Num comunicado do gabinete de Luís Montenegro, referiu-se que “nos últimos dias sucedem-se notícias sobre alegadas condutas atribuídas ao primeiro-ministro no âmbito profissional e patrimonial, muitas das quais assentes em pressupostos falsos, incorreções, imprecisões e ou interpretações jurídicas altamente discutíveis”.

No entanto, “e para que não subsistam dúvidas, o primeiro-ministro vai dirigir um requerimento à Entidade para a Transparência para que se possa auditar a conformidade das declarações e respetiva evolução”.

A lei estabelece que compete à entidade “proceder à análise e fiscalização da declaração única”, “solicitar a clarificação do conteúdo das declarações aos declarantes, no caso de dúvidas sugeridas pelo texto” e “decidir sobre a regularidade formal das declarações e da observância do prazo de entrega”.

São ainda suas competências “participar ao Ministério Público as infrações não supridas ao abrigo do disposto no regime jurídico das declarações de rendimentos, património e interesses dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos”, assim como das “suspeitas da prática de infrações penais que resultem da análise da declaração única”.

No entanto, como o ZAP já noticiou, a Entidade para a Transparência não tem acesso a dados como bases de dados fiscais ou bancárias, investigando apenas bases de dados públicas, o que lhe retira as competências necessárias para realizar sozinha a auditoria que o próprio primeiro-ministro solicitou.

ZAP // Lusa

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