A complexa reconstrução, em tempo recorde, da Catedral Notre-Dame de Paris só foi possível graças às elevadas e inúmeras doações recebidas — com a ajuda de benefícios fiscais que podiam chegar a 60% de majoração. Em Portugal, esses benefícios dificilmente ultrapassam os 30%.
A Catedral Notre-Dame de Paris, completamente destruída pelo incêndio que deflagrou em abril de 2019, foi reconstruída e restaurada em tempo recorde: em apenas 5 anos foi possível concluir o restauro do seu interior e reabrir o monumento.
Alguns trabalhos exteriores estão ainda por realizar, mas não colocarão em causa o normal funcionamento da Catedral. A intervenção de reconstrução terá um custo final de aproximadamente 700 milhões de euros.
E como foi possível esta reconstrução em tão pouco tempo? Apresento alguns números para percebermos a magnitude deste feito.
A sua construção original decorreu ao longo de 182 anos, entre 1163 e 1245, ocupando uma área total de 5.500 m2; as intervenções de conservação e restauro em toda a Catedral de Santiago de Compostela, com 8.000 m2 de área de implantação, decorreram ao longo de 10 anos – em preparação para o Jacobeu de 2021 – e implicaram um investimento de 3 milhões de euros.
A Basílica da Sagrada Família de Barcelona, com 4.500 m2, foi iniciada em 1882 e deverá ficar terminada no próximo ano de 2026, 144 anos depois e com um custo de 400 milhões de euros.
Obviamente, só com uma boa bagagem financeira foi possível levar a bom termo e em tempo recorde, um trabalho tão complexo como este. Este desafogo – inimaginável para qualquer orçamento estatal – só foi possível graças às elevadas e inúmeras doações recebidas.
Foram mais de 340 mil mecenas, oriundos de 150 países, quer mecenas privados, sem qualquer tipo de interesse comercial, quer grandes marcas internacionais que quiseram ficar associadas a este grande projeto mediático, recolhendo também grandes benefícios fiscais.
Mais de metade do orçamento (400 milhões) foi patrocinado por apenas dois grandes grupos económicos: a Louis Vuitton e a L’Oréal.
Mas não me parece que tenha sido a simples associação mediática a um projeto desta envergadura, que terá levado tantos mecenas a apoiar com tantos milhões de euros. Aliás, todo este apoio mecenático teve um impacto público negativo, gerando forte controvérsia, devido aos benefícios fiscais associados.
De facto, a França promove benefícios fiscais que vão até uma majoração de 60%, para donativos concedidos por pessoas coletivas a entidades públicas. Em Itália, por exemplo, esse favorecimento – para doações ao património cultural – sobe até aos 65%. Em Portugal, esse benefício dificilmente ultrapassa os 30%.
O resultado desta diferença, reflete-se nos apoios que aqui são concedidos: para termos uma ideia, os últimos números indicam que foram realizados donativos por 65 mil empresas ao abrigo da Lei do Mecenato, donativos esses que rondam os 217 milhões de euros anuais (praticamente tanto, como apenas um dos patrocínios realizados pelos maiores mecenas para a Catedral de Notre-Dame).
Não é de estranhar, tanto mais que para se conseguir atingir o maior benefício fiscal possível, o mecenas tem de ter logo como requisito uma faturação anual superior a 1,6 milhões de euros.
Resulta, pois, que metade do valor das doações financeiras realizadas em Portugal foram efetuadas por apenas 40 empresas das 65 mil patrocinadoras, o que denota que poucas empresas têm interesse e capacidade para investir em Cultura e que os benefícios fiscais atualmente existentes não são atrativos.
Percebemos ainda, por este exemplo francês, que o futuro do financiamento da Cultura passará pelo Mecenato.
Em Portugal — onde o principal financiador é o Estado — exige-se uma revisão da lei do mecenato que crie condições mais atrativas, para que todos os cidadãos e todas as empresas, sejam elas de maior ou menor dimensão, possam contribuir com mais apoios financeiros.
O atual governo está neste momento a concluir a revisão da Lei do Mecenato. Segundo o primeiro-ministro, o objetivo desta revisão passará por “facilitar a contribuição da sociedade” no financiamento e na promoção da Cultura.
Lembremo-nos que o anterior projeto elaborado em setembro último pelo Partido Socialista foi chumbado, sendo criticado pelos partidos à esquerda, por criarem “um risco de dependência de mecenas na definição das políticas culturais do país”.
A proposta previa, por exemplo, a criação de uma lista pública dos maiores mecenas e das entidades beneficiárias, criando a obrigatoriedade de utilização do logotipo do mecenas nas comunicações oficiais das beneficiárias.
Esperamos que esta nova revisão possa, de facto, resultar naquilo que para nós é, neste momento, o mais importante: o aumento de financiamento disponível para a Cultura.
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