O que se passa com os homens? Entre retiros e rituais, procura-se o “sagrado masculino”

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(dr) Pexels

Há uma tendência crescente nas redes sociais, de influenciadores que se dedicam ao desenvolvimento pessoal focado nos homens, com retiros que procuram recuperar o “sagrado masculino” e a ideia do “macho alfa”.

Os jovens enfrentam, actualmente, vários desafios complexos com o desemprego, os salários baixos, as dificuldades no acesso à habitação e para sair de casa dos pais, os problemas de saúde mental e a ansiedade relacionada com o futuro do planeta devido às alterações climáticas.

É um cenário global de falta de esperança que, no caso dos homens, é agravado por uma certa desorientação quanto ao seu papel na nova ordem mundial. Com a crescente evolução na igualdade de género e o empoderamento feminino, sentem-se a perder a hegemonia em várias esferas da sociedade.

Perante este desnorte, multiplicam-se as propostas de influenciadores com conteúdos de desenvolvimento pessoal focado nos homens, e que surgem como uma espécie de “elixir”, e de receita para o sucesso.

O homem projecto

Entre cursos e retiros, alguns destes influenciadores digitais fomentam hábitos de vida saudável, como a prática de exercício físico, incentivando o amor próprio, a busca por formação e pelo aperfeiçoamento pessoal para atingirem o sucesso.

Os próprios influenciadores surgem como exemplos de empreendedorismo a seguir, explorando a ideia do “homem projecto” que, portanto, está ainda em desenvolvimento.

Mas, em alguns casos, essas orientações são acompanhadas de um discurso ideológico conservador, mais ou menos subtil, conforme os casos. E há muita misoginia à mistura, com posições machistas e desvalorização das mulheres.

Alguns chegam mesmo a defender um recuo no tempo, ao mundo em que elas eram apenas donas de casa.

Pelo meio, defende-se o “macho alfa”, isto é, o homem com sucesso financeiro, racional e dominante.

Esta vaga conservadora é uma tendência que bebe da influência de figuras internacionais como Andrew Tate, empresário britânico que chegou a ter 9 milhões de seguidores no antigo Twitter, actual X, e que foi acusado de crimes de violação e tráfico de mulheres depois de ter ficado conhecido pelos comentários machistas.

Estudos têm assinalado como os jovens rapazes estão mais conservadores enquanto elas são cada vez mais liberais. Esse factor não pode ser dissociado do crescimento da extrema-direita que está associada à vaga de conservadorismo que assola a Europa e o mundo.

Para muitos influenciadores, este “caldo” é perfeito para fazer dinheiro. Por isso, aproveitam a crise de masculinidade para “venderem” a sua imagem de sucesso – com algumas ideias homofóbicas, transfóbicas, machistas, racistas e xenófobas à mistura.

Machismo, homofobia e… Chega

Em Portugal, alguns dos influenciadores digitais mais conhecidos, e com uma grande audiência entre os homens jovens, já estiveram envolvidos em polémicas relacionadas com alegados comentários machistas.

Windoh que tem 799 seguidores no Instagram e mais de 1,7 milhões no YouTube, foi um desses casos, nomeadamente quando fez uma piada com um aspirador autónomo – “faz o mesmo que uma mulher e não me f*** a cabeça”.

Outro caso é Numeiro que, com 615 mil seguidores no Instagram e mais de 157 mil no X, o antigo Twitter, já foi acusado de homofobia e de machismo, e alguns comentários que fez sobre a identidade de género e a comunidade LGBTQI+ foram considerados ofensivos.

“Mulheres comprometidas terem redes sociais é algo que me ultrapassa”, escreveu no X, onde salientou ainda que é da “responsabilidade” dos homens “assumirem 100% das contas”.

Note-se que Windoh, de 28 anos, e Numeiro, de 26 anos, também se tornaram conhecidos por um escândalo que rebentou em 2021, devido à alegada participação em esquemas com criptomoedas e apostas ilegais. Ambos exibiam, e continuam a exibir, uma vida luxuosa nas redes sociais, mostrando os seus carros, casas e relógios de luxo.

Outro youtuber controverso e muito popular é Tiago Paiva, de 35 anos, que tem mais de 300 mil seguidores no Instagram e mais de 190 mil no YouTube. Mas ficou mais conhecido depois de ter insultado António Costa no Parlamento, após ter visitado o espaço a convite da Iniciativa Liberal em Abril de 2024.

Tiago Paiva costuma abordar no seu podcast “Devaneios” temáticas como o discurso misógino e machista, e até a violência doméstica, mas apresentando as questões de forma algo falaciosa. E costuma convidar apoiantes ou deputados do Chega, assumindo-se de direita – antes das eleições de Março deste ano, deu palco a André Ventura.

Patrocínio da Prozis de Milhão

Alguns destes influenciadores mais mediáticos são patrocinados pela Prozis de Miguel Milhão que é adepto da “família tradicional” e anti-aborto, sendo também conhecido por algumas tiradas misóginas e preconceituosas relativamente à comunidade LGBTQI+. Milhão tem mais de 24 mil seguidores no X, mais de 70 mil subscritores no YouTube e mais de 86 mil no Instagram.

O CEO e fundador da Prozis também se apresenta como um exemplo de “homem projecto” concretizado – um “self-made man” que diz ter “recursos ilimitados” e que “não precisa de Portugal” para nada.

“Mulheres não deviam votar ou ter voz”

Mas nos confins da Internet, há discursos que podem realmente ser chocantes nos tempos actuais, defendendo-se, por exemplo, que “o homem é o líder da família e a mulher obedece ao homem“, ou que as “mulheres não deviam votar ou ter a mínima influência/voz política e social“. “Deviam simplesmente estar caladas e obedecer ao homem mais velho que têm na sua vida”, escreve o utilizador do X Afonso Gonçalves que está ligado ao movimento nacionalista e xenófobo Reconquista.

Com 10 mil seguidores no X, este utilizador reforça os valores do “nacionalismo, tradicionalismo e populismo”, mas aponta as armas, sobretudo, aos imigrantes, com um discurso racista e xenófobo que defende a “remigração”.

“Só mediante a instalação do patriarcado jurídico se pode resolver o problema” da baixa natalidade, escreve também Afonso Gonçalves que critica o que define como “cultura da morte”, com “aborto, eutanásia, romantização da violência e do suicídio, relações improdutivas e homossexualidade”.

Defende ainda que “devemos promover” o “casamento”, as “tradições” e a “família nuclear”.

Afonso Gonçalves tem organizado marchas na rua, onde se empunham bandeiras com um símbolo que faz lembrar a Mocidade Portuguesa, classifica Salazar como “o benemérito da Pátria” e aponta que “André Ventura vai ficar na história como o homem que terminou com a III República em Portugal“.

Defesa do “tradicionalismo” e dos “valores eternos”

Esta ideia do “tradicionalismo” ganha especial força entre alguns elementos da Juventude do Chega que têm presença nas redes sociais, como é o caso de Francisco Pereira Araújo que faz parte da direcção em Vila Nova de Gaia.

Este estudante de Relações Internacionais na Universidade do Minho tem apenas cerca de 1700 seguidores no Instagram, mas vai espalhando a ideia do “super-homem” – o “ubermansch” do filósofo alemão Nietzche que se “ultrapassa a si mesmo”, conceito que foi distorcido por Hitler para promover a superioridade racial ariana.

“A mediocridade não é uma opção”, defende ainda Francisco Pereira Araújo, lamentando que “as elites portuguesas querem o português subsídio-dependente, efeminado e apátrida“.

O jovem que tem várias fotos ao lado de Ventura e de Diogo Pacheco de Amorim, também diz que há “certos valores eternos”. É a ideia base do “tradicionalismo” – na “equação de Deus”, “independentemente do espaço e do tempo, as coisas vão funcionar assim”, não mudando em função da “vontade da população”, sublinha.

O filósofo russo Alexander Dugin, considerado o ideólogo de Putin, também abraça esta ideia do “tradicionalismo”, cuja base assenta na rejeição da modernidade e dos seus ideais, valorizando-se a procedência acima do progresso e certos valores intemporais que consideram que devem ser perpétuos.

O conceito tem eco nos EUA e no Brasil, em figuras próximas de Donald Trump e de Jair Bolsonaro, nomeadamente em Steve Bannon, antigo estratega do ex-presidente norte-americano.

“Sociedade ideal” é desigual

O “tradicionalismo” começou por ser um movimento espiritual criado pelo ocultista e filósofo francês René Guénon (1886-1951), mas tem sido abraçado por partidos da direita radical.

Esta veia política do “tradicionalismo” foi desenhada pelo italiano Julius Evola (1898-1974) que lhe deu um cunho mais reaccionário, introduzindo os conceitos de racismo e de sexismo, e defendendo que a “sociedade ideal” é desigual, avessa à mudança e dominada por homens arianos.

Evola via-se como sendo mais à direita do que o fascismo e o nazismo que considerava terem sido apenas “começos promissores”, como se destaca no jornal independente The New Statesman.

O nacionalismo é outro ponto-chave do “tradicionalismo”, com a defesa das fronteiras e o erguer de muros, “destruindo o internacionalismo e criando um mundo de ilhas”, como nota o The Washington Post comparando as posturas de Bannon e Dugin.

A procura pelo “sagrado masculino”

Mas para lá das abordagens mais políticas, e dos influenciadores mais conhecidos, há todo um universo de pequenos especialistas em coaching que têm como público-alvo os homens, focando-se em conceitos como “virilidade”, “energia masculina”, “o que é ser homem” e “macho alfa”. É este o caso do preparador físico David Araújo que tem quase 16 mil seguidores no Instagram.

O homem, naturalmente, é provedor, quer trazer o melhor para o seu lar”, defende, notando ainda que “uma mulher atraente” é a que tem “uma cintura fina, definida, que aparenta saúde, com um bom rabo, ou glúteos se quiserem usar o termo técnico, e com bons seios, alguém que tem algo para passar para o mundo”.

 

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Já o coach de desenvolvimento pessoal Rui Estrela, com quase 17 mil seguidores, fala do “sagrado masculino” e do “masculino consciente” e organiza os retiros “Filhos do Sol” com foco nos “rituais iniciáticos” ancestrais que eram essenciais para a passagem dos jovens a homens.

Nesses tempos antigos, “quando estávamos em consonância com a natureza”, “o valor dos homens era simples” e passava pela “condição de defender, de prover, de expandir os seus limites e segurar o conceito estruturante daquela aldeia”, constata o coach que é formado em Marketing e Comunicação, na defesa dessa ancestralidade.

 

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Quem também organiza retiros espirituais para um “masculino consciente” é José Pinto, autor do perfil de Instagram Raiz do Homem, que diz que “a nossa sociedade está a vivenciar há décadas a masculinização da mulher” e que isso veio “abalar e questionar profundamente a própria identidade e posicionamento do homem nesta nova realidade”.

“O nosso papel tornou-se mais difícil e extremamente exigente” e “é comum a sensação de nunca ser bom ou correcto o suficiente por mais que te esforces”, refere, resumindo, de certa forma, aquele que é o sentimento de muitos homens que são “julgados por serem demasiado brandos ou duros, demasiado intensos ou passivos”, e que se sentem “confusos e frustrados”.

 

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Todo este discurso digital acaba por atingir uma população jovem para quem a Internet é, actualmente, a principal “sala de aula” de aprendizagem – com todos os riscos daí inerentes quando esse acesso é feito sem supervisão e sem intermediação.

Susana Valente, ZAP //

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1 Comment

  1. Completamente a favor da igualdade de género, iguais oportunidades, iguais compensações. Mas há uma linha muito ténue e que os movimentos ditos feministas ultrapassam erradamente: tanto o Homem como a Mulher têm um papel fundamental na sociedade, e nenhum pode substituir o outro, porque complementam-se.
    Mas para as feministas, a Mulher pode fazer tudo o que o Homem faz, que os homens não são necessários, que são substituíveis.
    Depois temos os juízos de valor no momento de escolha de parceiros. As mulheres podem definir todos os requisitos que querem, e isso é visto como respeito próprio e auto-valorização. Se um homem diz que tem padrões, é automaticamente crucificado e rotulado.
    Uma mulher consegue arruinar a vida de homem com uma mentira, de que cariz for, mas um homem não consegue fazer justiça mesmo se disser a verdade.
    Influencers que fomentam o empoderamento das mulheres são aplaudidos, influencers que fomentam o auto-respeito e valorização dos homens são vaiados.
    Estes são só alguns exemplos, daquilo que leva a que hoje em dia, os homens escolham essas caminhos de retiro/isolação. Para muitos homens, lidar com mulheres é cansativo, prejudicial e infrutífero. E posto isto, é muito fácil entender tal decisão de afastamento.
    O meu intuito não é generalizar as mulheres (como em qualquer situação, existe um espectro de posicionamentos e este que descrevi é um dos mais extremos) mas a verdade é que cada vez se vê mais mulheres com este mindset, porque é-lhes conveniente em determinadas situações e acabam por aproveitar-se do privilégio que lhes é dado. Por consequência mais homens vão optar por este caminho, porque preferem canalizar o seu tempo e energia para algo produtivo do que para uma guerra que sabem que não vão ganhar.

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