Uma doença genética rara pintou de preto o coração de uma mulher de 65 anos da Áustria.
Hanna (nome fictício) sofria de falta de ar durante a atividade física há várias semanas, quando se dirigiu a um hospital para ser avaliada.
Tinha também um historial de urina invulgarmente escura, o que acontecia desde a infância; e, aos 40 anos, tinha sido submetida a próteses totais da anca e do joelho de ambos os lados devido a artrite.
Como reporta a BMJ Case Reports, os médicos verificaram logo a sua função cardíaca com um ecocardiograma; e também lhe fizeram um cateterismo cardíaco.
As avaliações revelaram que a mulher tinha estenose aórtica grave, em que a válvula aórtica do coração está estreitada ou bloqueada. Esta válvula abre-se normalmente para permitir que o sangue rico em oxigénio flua do coração para o resto do corpo, pelo que a estenose impede esse fluxo sanguíneo crucial.
A doente foi submetida a uma cirurgia de coração aberto para substituir a válvula aórtica. Treze dias depois, recebeu alta do hospital. Num relatório sobre o caso, um dos médicos da mulher observou que, três anos após a cirurgia, a paciente continuava livre de sintomas cardiovasculares.
Até que algo ficou estranho…
“O que torna este caso único?”
Como escreve a Live Science, os fatores de risco mais comuns para a estenose aórtica incluem o colesterol elevado, a tensão arterial elevada ou um historial de tabagismo.
Esta condição coincide frequentemente com a doença arterial coronária, que se caracteriza pela acumulação de placas numa ou mais artérias que fornecem sangue ao coração.
No caso desta doente de 65 anos, as artérias coronárias pareciam normais, mas os médicos descobriram algo invulgar durante a sua cirurgia de coração aberto: “pigmentação negra” e tecidos “negros escuros calcificados” na aorta e na válvula aórtica, respetivamente.
O tecido removido durante a cirurgia foi examinado ao microscópio. Este exame revelou “deposição de pigmento castanho” em áreas endurecidas da válvula aórtica e em alguns dos tecidos não calcificados da estrutura. No tecido endurecido da válvula, a equipa também encontrou sinais de inflamação crónica, incluindo a presença de células imunitárias “carregadas de pigmento”. Também se registou degeneração nos tecidos conjuntivos da válvula.
Doença rara chamada alcaptonúria
Com base nestes resultados, bem como no historial médico da doente, os médicos determinaram que Hanna sofria de uma doença genética rara chamada alcaptonúria.
A alcaptonúria é causada por mutações num gene chamado HGD, que contém instruções para uma enzima que ajuda a decompor dois blocos de construção de proteínas no organismo: a fenilalanina e a tirosina.
Estas mutações tornam a enzima menos eficaz, o que provoca a acumulação de um subproduto da fenilalanina e da tirosina.
O subproduto, o ácido homogentísico, é excretado na urina, o que faz com que o xixi escureça quando é exposto ao ar. Nas pessoas com alcaptonúria, o ácido homogentísico é demasiado grande para ser excretado pelo organismo, pelo que a substância se acumula nos tecidos conjuntivos.
O ácido acumulado torna-se um “pigmento ocronótico”, que essencialmente mancha os tecidos onde se acumula e acaba por calcificar ou endurecer.
Muitas pessoas com alcaptonúria necessitam de substituir as articulações porque estas calcificaram e, em algumas pessoas, esta calcificação também afeta o coração. Foi o que aconteceu com esta mulher de 65 anos.
Segundo a Live Science, a nível mundial, pensa-se que esta doença hereditária afeta 1 em 250.000 a 1 em 100.000 pessoas.