Lei não prevê quais são estes poderes, mas um acórdão do Tribunal Constitucional (TC) prevê que não tem “nenhuma limitação” na legislação que produz e que o “critério decisivo” é o da “estrita necessidade da sua prática”. Um Governo de gestão tem os poderes que conseguir justificar?
O executivo liderado por António Costa vai ser demitido de funções através de um decreto presidencial no início de dezembro, altura em que, apesar de não abandonar completamente o poder — as eleições só se realizam a 10 de março de 2024 — vai ser considerado um Governo de “gestão” no decorrer dos quatro meses seguintes. Afinal, que poderes terá este Governo?
A verdade é que a lei não delineia estes poderes. No entanto, relembra o Público, um acórdão de 2002 do Tribunal Constitucional (TC) estabelece os limites de um governo de gestão.
Limitado a praticar atos “inadiáveis” e “estritamente necessários para assegurar a gestão dos negócios públicos”, o Governo atual enfrenta quatro meses — de dezembro até à tomada de posse do novo Governo, prevista para abril — de restrições ao abrigo da Constituição.
No mesmo acórdão, elaborado há 21 anos, lê-se que o Governo demitido não tem “nenhuma limitação” nos atos legislativos que produz, argumentando que o “critério decisivo” é o da “estrita necessidade da sua prática”.
No fundo, um Governo de gestão tem os poderes que conseguir justificar. E quem define os limites do governo de gestão é… o próprio Governo.
“O primeiro juiz do que é inadiável é o próprio governo, que faz essa apreciação. Fará os actos de governo que achar inadiáveis”, explicou o constitucionalista Tiago Duarte ao Público, em 2015, aquando do polémico contrato de privatização e capitalização da TAP assinado pelo Governo em gestão de Pedro Passos Coelho, que durou apenas um mês.
Mas o constitucionalista sublinha: “se o Presidente tiver dúvidas sobre leis ou decretos-lei, pode enviar para o TC aferir da constitucionalidade desse seu poder. E essa avaliação é feita em torno do que é adiável ou inadiável”.
O artigo 186.º da Constituição prevê um Governo em gestão “antes da apreciação do seu programa pela Assembleia da República ou após a sua demissão”. Após a demissão — implicada pela “aceitação pelo Presidente da República do pedido de demissão apresentado pelo primeiro-ministro”, como previsto pelo artigo 195.º, n.º 1, alínea b) da Constituição —, o Governo só pode praticar “atos estritamente necessários.”
“É um Governo em serviços mínimos, que administra assuntos correntes e que está limitado a atos não inovadores e urgentes”, garante o constitucionalista Jorge Bacelar Gouveia.
“Não pode fazer decretos-leis e fica ainda mais limitado caso a Assembleia da República seja dissolvida”, diz ao matutino.
Dentro destes “atos inadiáveis” e “estritamente necessários” incluem-se a execução do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e a transposição de diretivas europeias. São, como diz o Presidente da Assembleia da República, Augusto Santos Silva, “medidas indispensáveis” que o Governo de gestão deverá ter como prioridade.
Terminar o Orçamento de Estado para 2024 (OE2024) e concluir os diplomas que se possam concluir são os objetivos do Parlamento, que funcionará normalmente até dia 15 de janeiro, dia em que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, vai dissolver a Assembleia da República.
A falta de claridade na lei em relação aos poderes de um Governo de gestão tem vindo a preocupar os restantes partidos, nomeadamente o PSD e Chega, que temem abusos de poder do lado socialista.
Joaquim Miranda Sarmento, disse esperar que o PS “não use o seu poder para aprovar matérias que possam não ser relativamente consensuais entre os partidos, sobretudo com o maior partido da oposição, que tem alternado na governação do país com o Partido Socialista.”