A guerra na Ucrânia está a servir para a China testar as águas e perceber como pode atuar numa eventual invasão de Taiwan.
“Não colocamos lenha na fogueira e somos contra colher os benefícios desta crise”, disse Wang Yi, promovido a principal conselheiro de política externa de Xi Jinping no mês passado. As declarações foram feitas na mesma altura em que Joe Biden fez a visita surpresa a Kiev e surgem precisamente como uma indireta aos Estados Unidos.
A teoria dos meios de comunicação estatais da China é que os Estados Unidos estão intencionalmente a prolongar a guerra, porque os seus fabricantes de armas estão a lucrar com a venda de armas.
No entanto, a China pode não estar livre de culpas. Num ensaio publicado na CNN Portugal, José Filipe Pinto, professor Catedrático da Universidade Lusófona, sugere que a invasão da Ucrânia poderá estar a funcionar como tubo de ensaio para a invasão chinesa de Taiwan.
O perito sublinha que isto não seria inédito. “A História mostra que também há conflitos antecedidos de uma espécie de ensaio”, escreve José Filipe Pinto, dando o exemplo da anexação russa da Crimeia em 2014, que “funcionou como tubo de ensaio para a invasão da Ucrânia” no ano passado.
O professor catedrático argumenta que há muito tempo que a China tem vindo a “reivindicar o seu espaço de intervenção na arena internacional”. Xi Jinping defende que a ordem mundial está em jogo, daí a sua aposta na Rota da Seda e o “avultado e sistemático investimento nos instrumentos de soft power“.
Até agora, a China recusou-se a criticar abertamente a decisão de Putin de invadir a Ucrânia. A vice-Secretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman, manifestou recentemente a sua preocupação com o comportamento de Pequim, “que, por um lado, se está a tentar apresentar internacionalmente como um mediador credível e, por outro, não revela a mínima intenção de quebrar a parceria ilimitada que celebrou com a Rússia”.
“Vamos ser a próxima Ucrânia”
Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, visitou Taipé, capital de Taiwan, apesar das ameaças da China.
Antes disso, a China tinha autorizado manobras militares de aviação no Estreito de Taiwan. Na antecâmara da chegada da representante norte-americana, o governo de Xi Jinping já tinha avisado a diplomacia norte-americana de que estava “a brincar com o fogo“.
Aquando da chegada de Pelosi a Taiwan, alguns habitantes da nação insular protestaram, segurando cartazes com dizeres como “Pelosi não nos arranjes problemas”.
Entre a expectativa de que seja só mais uma crise política – porque afinal, são já anos de tensão com a China – e o medo, há quem tema o pior. “Vamos ser a próxima Ucrânia”, desabafavam alguns.
Depois da visita de Pelosi, Pequim lançou exercícios militares numa escala sem precedentes, que incluíram o lançamento de mísseis e o uso de fogo real.
Entretanto, “Xi Jinping, a exemplo de Putin, está apostado em construir a sua própria ordem e, como tal, desvaloriza qualquer advertência feita em nome da ordem liberal”, escreve o professor José Filipe Pinto, citado pela CNN Portugal.
“Face ao exposto, o conflito na Ucrânia constitui, efetivamente, um tubo de ensaio para Pequim. A reação, não apenas ocidental, serviu para Xi Jinping proceder à contagem de espingardas no caso de decidir anexar Taiwan”, acrescenta.
Em outubro passado, Antony Blinken disse que Pequim estava a planear a reunificação num futuro breve e alerta para o impacto global que um conflito teria devido à interrupção das trocas comerciais que passam pelo estreito de Taiwan.
“Em vez de manter o status quo que foi estabelecido de uma forma positiva, Pequim tomou a decisão fundamental de entender que o status quo já não é aceitável, e Pequim está determinado a acelerar os planos para a reunificação”, considerou.