“Não queremos ser a próxima Ucrânia”. Quem ganha e quem perde com o conflito em Taiwan?

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A China tem em marcha a maior operação militar de sempre no espaço aéreo de Taiwan depois da visita de Nancy Pelosi à ilha. A tensão com os EUA está no ponto mais alto dos últimos anos. Mas quem ganha e quem perde com um conflito na nação insular que os chineses reclamam como seu território?

A visita de Nancy Pelosi, presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, a Taiwan deixou a população da ilha e os chineses das cidades próximas do Estreito preocupados. “A guerra vai afectar as nossas vidas”, desabafam com ansiedade em declarações recolhidas pelo Le Figaro.

Aquando da chegada de Pelosi a Taiwan, alguns habitantes da nação insular protestaram junto ao hotel Grand Hyatt de Taipei, onde ficou instalada a política norte-americana. Seguravam cartazes com dizeres como “Pelosi não nos arranjes problemas”.

Entre a expectativa de que seja só mais uma crise política – porque afinal, são já anos de tensão com a China – e o medo, há quem tema o pior. “Vamos ser a próxima Ucrânia”, desabafavam alguns em depoimentos recolhidos pelo Le Figaro.

“Eu não quero a guerra e não quero que representantes americanos visitem oficialmente Taiwan“, lamentava uma manifestante ao jornal francês, frisando que “o mundo inteiro só reconhece uma China única”.

Mas também há quem lembre que China e Taiwan “dependem um do outro no plano económico”. E, no fim de contas, estalando um conflito armado, a estabilidade financeira da pequena ilha poderá ser a mais afectada.

Taiwan pagará “o preço mais elevado”

Nesta altura, a China está a levar a cabo exercícios militares no espaço aéreo de Taiwan, algo que não é novo e que se tem repetido ao longo dos últimos anos. Mas se o conflito político escalar para uma guerra armada, será Taiwan a pagar “o preço mais elevado”, conforme frisam especialistas ouvidos pela CNN.

Para já, os exercícios militares chineses são uma mera demonstração de força, mas os analistas dizem que se estão a realizar mais próximo do que nunca da ilha.

“O sinal geopolítico que está a ser enviado é que a China pode fechar os espaços aéreo e naval de Taiwan quando quiser”, nota na CNN o antigo capitão da Marinha dos EUA Carl Schuster.

Taiwan já veio falar de um “bloqueio marítimo e aéreo”, acusando a China de estar “a ameaçar as vias navegáveis ​​internacionais, a desafiar a ordem internacional, a minar o status quo através do Estreito e a pôr em perigo a segurança regional”.

A directora do Programa Chinês no Centro Stimson em Washington (EUA), Yun Sun, destaca na CNN que o objectivo de Pequim é “espremer Taiwan”, gerando “uma nova escalada da coerção militar chinesa” sobre a ilha “no futuro próximo”.

“O castigo é a chave da resposta chinesa porque não pode punir os Estados Unidos“, salienta Sun.

A par da operação militar, a China está também a impor sanções económicas a Taiwan, tendo proibido a importação de algumas frutas cítricas e de frutos do mar da ilha.

A China é o maior parceiro comercial de Taiwan, como reforça a Reuters, notando que a “ilha teve um Superávit considerável em relação à China”, com as suas exportações a superarem “as importações em 172 mil milhões de dólares”.

O bloqueio chinês e um conflito armado podem, assim, ser letais para a economia da nação insular. Já para não falar da destruição que uma guerra causaria à pequena ilha.

Um golpe para a indústria dos microchips

A China também já proibiu a exportação de areia branca para Taiwan, uma matéria-prima fundamental para a construção civil e para fazer chips ou semicondutores. A areia de quartzo em particular é essencial para a indústria dos microchips.

Mas esta sanção terá também um impacto na própria China porque este país depende de Taiwan para o fornecimento de semicondutores. E atingirá também os EUA por dependerem igualmente de Taiwan no suprimento destes componentes essenciais para o fabrico de telemóveis e carros.

Empresas norte-americanas como Apple, Intel e Tesla dependem de Taiwan para produzir smartphones e computadores.

Assim, há quem vaticine que “a mesma vulnerabilidade que a Europa enfrenta devido à sua dependência do gás russo atingirá (possivelmente) os EUA por dependerem tanto de Taiwan no suprimento de semicondutores”.

A indústria dos chips já está a dar sinais de preocupação só com a ameaça de um conflito. As acções das empresas do sector caíram a pique com a visita de Pelosi, nomeadamente os títulos da TSMC – Taiwan Semiconductor Manufacturing Co., o maior produtor de semicondutores do mundo.

Uma acção militar contra Taiwan pode ter um efeito duro e “perturbar severamente a cadeia global de fornecimento de tecnologia de chip” e causar uma “turbulência económica”, levando ao desaparecimento da maioria dos semicondutores avançados do mundo, considera o director da TSMC, Mark Liu, em declarações à CNN que são citadas pela Fortune.

Pelosi é parte interessada

O Congresso norte-americano tem estudado, nos últimos meses, um pacote de apoio da ordem dos 70 mil milhões de dólares, entre subsídios e créditos fiscais, para a indústria dos microchips.

Pelosi tem articulado directamente o assunto numa questão controversa porque o marido dela, Paul Pelosi, foi accionista da Nvidia, uma das empresas que pode ser beneficiada pelo apoio financeiro que deverá ser aprovado pelo Congresso.

Paul Pelosi vendeu as suas acções na Nvidia no passado dia 26 de Julho, por cerca de 4,1 milhões de dólares, o que lhe valeu uma perda da ordem dos 340 mil dólares face ao valor por que as comprou também neste ano. Ainda assim, foi uma venda providencial considerando as quedas nas acções após a visita de Pelosi a Taiwan.

Todo o processo lança dúvidas sobre a própria acção de Pelosi, uma vez que o bloqueio da China a Taiwan pode acelerar a aprovação do pacote financeiro que pretende garantir que a indústria dos chips dos EUA consiga competir melhor com a congénere chinesa.

Mas convém ainda assinalar que as grandes empresas norte-americanas de chips, como Intel, Nvidia, Qualcomm e Advanced Micro Devices (AMD), têm grande exposição à China e dependem do país para uma grande porção das suas vendas.

(dr) Xinhua

O presidente da China, Xi Jinping

A “reputação” de Xi (e da China) em jogo

A tensão em Taiwan surge numa altura especialmente sensível para a China, já que o presidente do país, Xi Jinping, deve confirmar o seu terceiro mandato presidencial durante o Congresso do Partido Comunista Chinês em Outubro.

É absolutamente imperativo que Xi não apareça fraco perante a sua audiência doméstica”, analisa na Fortune o advogado Dan Pickard que é especialista em comércio internacional e em segurança nacional.

“Haverá pressão significativa sobre Xi para tomar alguma acção ao invés de confiar nas típicas declarações belicosas”, acrescenta Pickard.

Assim, surge a ideia de que a China terá que responder de alguma forma incisiva perante o que foi uma “humilhação nacional”, segundo alguns analistas internacionais. Falta saber até onde Xi Jinping estará disposto a ir – ou até onde poderá ir.

Pequim não quer escalar as coisas de forma a que não as consiga controlar. Ao mesmo tempo, não pode enviar um sinal que pareça demasiado fraco”, analisa na CNN o cientista político Chong Ja Ian da Universidade Nacional de Singapura.

Biden a controlar danos

As relações entre China e EUA já estavam tensas antes da visita de Pelosi a Taiwan, mas a acção da política norte-americana pode ter sido “o prego no caixão” deste relacionamento, como analisa na Fortune o especialista em análise de risco geopolítico da empresa de pesquisa Morning Consult, Jason McMann.

Nas últimas semanas, Biden tentou “convencer Pequim e o mundo” de que a visita de Pelosi a Taiwan nada significa quanto à política dos EUA relativamente a uma “China única” (e que, portanto, inclui Taiwan no seu território).

Oficialmente, a Casa Branca manifestou-se contra a visita e tem vincado que se tratou de uma iniciativa a título individual de Pelosi. Biden chegou a dizer, em Julho passado, que “os militares” achavam que “não era uma boa ideia neste momento“.

Contudo, há quem ache difícil que Pelosi tenha agido em nome próprio. “É um movimento coordenado entre os dois, principalmente para fortalecer a posição do Biden nas eleições de meio de mandato que ele vai passar agora”, analisa a professora de Relações Internacionais Danielle Ayres, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) no Brasil, em entrevista ao portal UOL News.

A professora lembra que Pelosi já tinha ido à China depois do Massacre da Praça de Tiananmen, tendo homenageado os activistas mortos pelo Governo de Pequim numa “clara defesa dos direitos humanos“. “Parece que ela faz o mesmo agora, na tentativa de mostrar que os EUA não vão aceitar facilmente uma China que tenha pretensões militares frente a Taiwan”, vincando ainda “o poder dos americanos para o restante do mundo“.

Os EUA pretendem manter “a disputa pelo poder mundial criando dois blocos antagónicos”, de um lado a “democracia, que está contra a violência”, e do outro “a China ao lado da Rússia como se fossem as mesmas coisas”, aponta Ayres.

“Isso interessa muito para as eleições americanas internas, pois pode fortalecer um Joe Biden que está enfraquecido e desacreditado por uma série de políticas que vem praticando ao longo dos seus dois anos de mandato”, analisa ainda a professora.

Contudo, também há quem ache que a visita de Pelosi pode acabar por prejudicar Biden, tanto mais em período de eleições, dando força a Donald Trump e aos Republicanos.

Há quem repare que Trump que era visto como uma ameaça à paz mundial, não “provocou” nenhuma guerra durante o seu mandato. Já Biden vai a caminho do segundo conflito armado depois de ter estalado a guerra da Ucrânia, onde os EUA têm estado muito presentes, sem estarem lá efectivamente.

Para já, a visita de Pelosi foi mais apoiada pelos Republicanos do que pelos Democratas, o que é um sinal bem claro de que Biden pode ser atingido pelos “estilhaços” do conflito.

Indústria do armamento só tem a ganhar

Quem está a esfregar as mãos de contentamento, com mais uma possível guerra no mundo, são os donos da indústria de armamento, nomeadamente da norte-americana.

A invasão da Ucrânia pela Rússia levou a uma “valorização de dois dígitos” das principais empresas norte-americanas e europeias de defesa numa altura de desvalorização na maioria dos mercados bolsistas, conforme noticiou o Expresso em Março passado.

É um sinal claro de que a indústria do armamento só tem a ganhar com a guerra.

a líder mundial de armamento, a norte-americana Lockeed Martin, viu as suas acções valorizarem 18%, com um valor de mercado de 125 mil milhões de dólares, segundo notava o referido semanário.

“Embora os EUA e outros aliados ocidentais não tenham enviado tropas para a Ucrânia, têm fornecido armas fabricadas pela Raytheon [outra empresa norte-americana] e pela Lockheed Martin, por exemplo, como mísseis antitanque Javelin e mísseis antiaéreos Stinger“, analisava no Expresso o economista Paulo Rosa do Banco Carregosa.

Com a ameaça de um conflito em Taiwan, vão provavelmente aumentar os gastos na defesa – e não apenas nesta nação insular, mas inclusive nos países vizinhos. Isso só vai beneficiar as empresas de armamento e os EUA são o maior produtor de armas do mundo, liderando também as vendas neste sector.

Os EUA têm apoiado militarmente Taiwan desde a assinatura de um acordo, em 1979, que obriga o país a disponibilizar à ilha “artigos de defesa e serviços de defesa na quantidade necessária para permitir que Taiwan mantenha uma capacidade de auto-defesa suficiente“.

Neste âmbito, e no seguimento do crescendo de tensão com a China, o Congresso norte-americano aprovou, no passado mês de Julho, um pacote de ajuda militar à ilha de 108 milhões de dólares. Uma medida que desagradou à China, como fez questão de manifestar este país.

Guerra EUA-China teria consequências imprevisíveis

Com a guerra no horizonte – algo que parece poder acontecer mais tarde ou mais cedo -, é importante ter em conta que os EUA e a China são os dois países do mundo que mais gastam em Defesa. Um conflito aberto em Taiwan teria consequências para toda a estabilidade mundial.

Biden já disse que Washington usará a força militar para defender Taiwan, em caso de invasão da China. Mas, na hora da verdade, ninguém sabe o que vai mesmo acontecer – até porque uma guerra entre China e EUA teria consequências imprevisíveis.

Estará Biden disposto a pagar para ver? Ou poderão os EUA ser parte presente, mas ausente, de uma possível guerra em Taiwan, apoiando o país com ajuda militar, sem mandar americanos para a frente de batalha – tal como está a acontecer na Ucrânia? Essa seria a opção mais confortável para o país que poderia ficar a contar os lucros – e os eventuais prejuízos – do conflito.

Susana Valente, ZAP //

6 Comments

  1. Será Taiwan a pagar o preço mais elevado com esta atitude provocatória dos USA contra a China, violando o acordo estabelecido, assim como é a Ucrânia que está a pagar o preço mais elevado
    com a guerra entre Rússia e USA/NATO, também devido à falta de cumprimento de acordos celebrados.

  2. As ditaduras a mostrarem as suas garras.
    A humanidade não pode confiar nestas máfias que se apoderam de países gigantes para fazerem bullying sobre todos.
    Mas tal como outras ditaduras foram derrotadas no passado, estas também perecerão.

  3. Isto é um suponhamos: imaginem que eu inventava uma caneta que de certa forma fosse mágica, fazia as contas e dava os resultados como se fosse calculadora! começava a vender para qualquer país do mundo e vinha outro proibir-me de fabricar as canetas ameaçando-me! o que eu faria, era um acordo para vender aos dois, se não houvesse acordo, largava as canetas da mão e inventava outra coisa! mais fácil que isto é não fazer nada, que é o que a maioria das pessoas que conheço faz.

  4. Digam o que disserem, mas ao longo da história os mais poderosos sempre dominaram os mais fracos. É assim no mundo, no nosso país, na nossa cidade, no nosso bairro. Tudo em nome do poder.

  5. “que os chineses reclamam como seu território”, não são os chineses são os acordos e ainda melhor é o que a própria Taiwan se considera, República da China.

    O que Taiwan sempre pretendeu foi que a ilha bem como toda a “China” fosse um único país mas não comunista, daí se intitularem e bem de República da China.

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