António Costa entrou para a última semana antes da entrega do documento com o otimismo que o caracteriza, mas os partidos parecem não estar a embarcar onda. São da opinião que as negociações estão atrasadas e que o produto final encontra-se ainda numa fase “embrionária”.
As negociações para o Orçamento do Estado para 2022 entraram na derradeira fase, com o Governo de António Costa a ter que proceder à entrega do documento a ter que ser feita, tal como dita a lei, até dia 10, ou seja, no próximo domingo. Ontem, feriado de 5 de outubro, o Conselho de Ministros esteve reunido de forma extraordinária, estando prevista nova reunião na sexta-feira — a qual deverá servir para fechar uma proposta. Caso tal não aconteça, novas reuniões podem acontecer durante o fim-de-semana.
De acordo com as regras, o Orçamento do Estado tem que ser entregue até 10 de outubro, mas como a data coincide com um fim-de-semana o documento pode dar entrada da Assembleia da República no dia seguinte, dia 11. Posteriormente, iniciar-se-á o um processo parlamentar legislativo que terá como objetivo debater e votar o Orçamento, com a votação final prevista para 25 de novembro — já depois da discussões de generalidade (22 e 27 de outubro) e especialidade.
Hoje, é dia de João Leão, ministro de Estado e das Finanças, apresentar as linhas gerais da proposta do Governo aos partidos as linhas gerais da proposta, no âmbito do Estatuto do Direito de Oposição. Leão estará acompanhado de Duarte Cordeiro, secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares.
Ontem, à entrada de uma reunião na Eslovénia com os restantes chefes de Governo dos 27, António Costa avançou que o diálogo com os parceiros parlamentares “está a correr bem“, apesar de alertar para o facto de o processo estar ainda longe se estar concluído. “Nós estamos a trabalhar com o PAN, com o PEV, com o PCP, com o Bloco. Há múltiplas questões que têm sido colocadas, umas idênticas, outras diversas. Os diálogos estão a decorrer a bom ritmo com todos, mas enfim, as questões são diversas relativamente a cada um”, explicou.
Nas declarações aos jornalistas, o primeiro-ministro não se quis comprometer com um calendário para os acordos com os parceiros de esquerda, destacando que nos últimos anos estes aconteceram em momentos diferentes do processo. “Nós já tivemos momentos em que chegou-se a um acordo antes da apresentação inicial do orçamento, houve outras em que o acordo foi estabelecido entre a apresentação e a generalidade, e até já houve situações em que o acordo foi estabelecido entre a generalidade e a votação final global”, observou.
Como tal, António Costa considera que o correto será apontar o fim das negociações apenas no contexto da votação final global, a 26 de novembro.
No que respeita às prioridades do Executivo para o Orçamento do Estado do próximo ano, o primeiro-ministro destacou que vai ser sobretudo focado naquilo que é prioritário, que é o relançamento” da “economia, com um forte crescimento do investimento público”, e reiterou que “vai ser um orçamento que vai dar muita atenção às classes médias e em particular às novas gerações”.
Da parte do Bloco de Esquerda, os pontos que o partido quer ver endereçados têm que ver com com os direitos laborais, tais como a proibição de despedimentos por parte de empresas que apresentem lucros no ano de 2022. Para além desta medida, os bloquistas pretendem ver revertidas as medidas da troika, tais como a recuperação dos 30 dias de compensação por ano de trabalho em caso de despedimento e na cessação de contrato a termo; o fim da caducidade unilateral da contratação coletiva e o fim dos cortes nas pensões de reforma de quem tem 40 ou mais anos de carreira, especifica o Público.
No que concerne ao PCP, alguns dos tópicos chamados à mesa das negociações têm que ver com a contratação de professores e educadores, assim como a vinculação daqueles que têm pelo menos cinco anos de serviço e contabilização do tempo dos que têm pelo menos cinco anos de serviço e contabilização do tempo dos que têm horário incompleto, a garantia da gratuitidade das creches, o aumento de todas as pensões, o investimento público na saúde e na habitação e o alívio fiscal para os rendimentos mais baixos.
O PEV chama a atenção para cinco áreas fundamentais: o combate às alterações climáticas; o combate à pobreza; a garantia de serviços públicos para todos; o reforço e garantia da produção nacional e a limpeza do país com a despoluição dos recursos hídricos e fiscalização ambiental, incluindo a descontaminação de passivos ambientais e a remoção de resíduos.
O PAN, por sua vez, avisou que o Orçamento de Estado para 2022 não pode ser apenas mais um documento “apenas com a marca do PS, tem de ter o ADN das demais forças políticas, nomeadamente da oposição”.
Primeiras impressões não foram as melhores
O PSD foi o primeiro dos partidos a reunir-se esta quarta-feira com os representantes do Governo. Tal como expectável, as primeiras impressões não foram as melhores, com Afonso Oliveira, vice-presidente da bancada parlamentar do partido a mostrar-se, após a reunião, “mais preocupado” do que entrou. “Não nos foi apresentado todo o quadro macroeconómico, o que esta reunião deixa muito claro é que saímos daqui mais preocupados do que entrámos”, disse.
O representante adiantou que o documento apresentado está ainda “numa fase embrionária“, o que deixa a antever ainda muitas negociações à esquerda. “Para nós isso é claro, não que isso resulte da reunião com o Governo, resulta da incapacidade do Governo de nos apresentar o quadro macroeconómico total, foram apresentadas algumas linhas gerais sobre as quais não nos iremos pronunciar.”
Sobre o sentido de voto do PSD aquando da votação do documento no Parlamento, Afonso Oliveira deixou todas as hipóteses no ar. “Na segunda-feira analisaremos e avaliaremos o que é apresentado pelo Governo”.
Pedro Filipe soares, líder parlamentar do Bloco de Esquerda, lamentou o atraso nas negociações e contestou o otimismo do primeiro-ministro em relação a estas, numa referência às declarações feitas na Eslovénia. “Essa é a veia otimista do primeiro-ministro, porque no que toca a questões concretas ainda há muito trabalho para fazer. Esse otimismo do primeiro-ministro mostrou muitas vezes não ter qualquer adesão à realidade”, afirmou.
“Esperamos que nos próximos dias existam outras reuniões que possam ter consequência. No que toca às negociações, elas estão ainda muito longe de ter algum sucesso, pelo menos no que respeita ao Bloco de Esquerda”, salientou.
O líder parlamentar do PCP, João Oliveira, adiantou que o Governo prevê que em 2022 a economia cresça 5,5% e que este ano feche com 4,6%.
O CDS admitiu estar “apreensivo” quanto ao Orçamento do Estado. A deputada Cecília Meireles reiterou a atualização das previsões macroeconómicas do Governo que, para os centristas, implica “estímulos extra”.
“Em termos de cenário macroeconómico, foram apresentados alguns números. Aquele que eu salientaria é o do crescimento do PIB. O Governo prevê, tanto quanto pude perceber, um crescimento de 4,5%. No orçamento passado, o que estava previsto era 5,4%”, disse Cecília Meireles.
Por sua vez, o PAN diz que é preciso “mais ambição”, para que o Orçamento não seja “um manifesto de boas intenções”.
“É fundamental que haja mais ambição sob pena de se voltar a ter um orçamento que tem apenas o cunho do PS, não passa de um manifesto de boas intenções”, disse Inês Sousa Real aos jornalistas.
No final da reunião, André Ventura salientou que os sinais obtidos “são preocupantes”, assim como “a falta de soluções que o Governo se prepara para apresentar”.
Ventura avançou que o Governo não pretende reduzir os impostos sobre combustíveis ou sobre a restauração, mas admite “em alguns casos” o englobamento de rendimentos prediais.
Costa espera voltar a contar com o BE
Entretanto, António Costa reafirmou a sua confiança num desfecho positivo das negociações em torno do OE2022 e disse esperar poder voltar a contar com o BE para a sua viabilização.
O primeiro-ministro português não só reiterou a sua confiança num acordo, como disse mesmo esperar que este ano não suceda o que aconteceu no ano passado, quando o Bloco “se furtou a contribuir positivamente para o orçamento, tendo votado ao lado da direita”.
“A pergunta que me fizeram ontem [terça-feira] era se eu estava confiante. Eu disse que sim e mantenho-me confiante. E creio que isso é estar bem conectado com a realidade, a não ser que essa realidade se tenha alterado de uma forma que eu desconheça”, declarou.
Questionado sobre se as posições de Bloco, mas também do PCP — que hoje considerou ainda “mais incompreensível” que o executivo diga não ter margem para aumentar salários na administração pública quando prevê um crescimento económico de 5,5% para 2022 —, não deixam antever negociações mais duras do que nos anos anteriores, o primeiro-ministro disse que tudo passa por tentar conciliar “prioridades”.
“Bom, cada um tem as suas prioridades. Estas são as do Governo: é apostar nas novas gerações, é apostar na classe média, é apostar na melhoria do investimento publico, é apostar na melhoria dos serviços públicos. O Bloco de Esquerda tem anunciado quais são as suas prioridades, e obviamente os acordos dependem da forma como conseguimos conjugar todas as prioridades”, começou por observar.
“Até agora, em 2016 foi difícil e conseguimos, em 2017 foi difícil e conseguimos, em todos os anos foi difícil e conseguimos quase sempre. No ano passado, como é sabido, o BE entendeu não dever participar no esforço que era absolutamente essencial naquele momento único de pandemia, de grande pressão sobre as nossas finanças, e furtou-se a contribuir positivamente para o orçamento, tendo votado ao lado da direita no orçamento”, lembrou.
Costa sublinhou todavia que, “felizmente, o Bloco de Esquerda parece estar com uma posição diferente este ano”.
“Assim espero que seja e que, portanto, este ano não tenhamos só o contributo do PCP, do PAN, do PEV e das deputadas não inscritas para a viabilização do orçamento e que possamos voltar a contar com o BE. Mas enfim, aí é o BE que tem de falar por si, não posso eu falar pelo BE”, concluiu.
OE2022
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