“Os meus médicos diagnosticaram-me mal, e isso custou-me tudo. Levei anos a recuperar a minha vida”. O relato de Scott – que é médico.
“Fui despedido do meu emprego por causa do meu comportamento errático, destruí a minha casa e comecei a dormir na minha carrinha de caixa aberta, convencido de que todos à minha volta eram espiões”.
Scott Standage é médico. Ao longo dos anos, foi-se sentindo cada vez mais sonolento e com a cabeça confusa durante o dia; fadiga profunda e constante, nem o café aliviava. À hora do almoço, não comia – dormia. Adormecia (ou quase) até durante consultas.
Há um termo médico para os sintomas que estava a sentir: sonolência diurna excessiva. E estava a aproximar-me rapidamente de uma situação grave, relata no HuffPost.
Um amigo de Scott, certificado em medicina do sono, ofereceu-lhe um estudo noturno no seu laboratório. Os resultados revelaram apneia obstrutiva do sono grave. A respiração vai parando e recomeçando repetidamente durante o sono.
Pediu uma segunda opinião. O novo médico, noutro hospital, disse-lhe que tinha perturbação dos movimentos periódicos dos membros – é uma condição rara, com movimentos involuntários dos membros durante o sono.
Passou a tomar Mirapex, um potente medicamento psicoativo que produz efeitos secundários psicológicos graves numa pequena percentagem de doentes.
“Infelizmente, eu estava entre esses poucos azarados”, lamenta.
Os sintomas agravaram-se, a dosagem foi duplicada, tomou outro comprimido potente, o Provigil – que também teve a dose duplicada pouco depois.
Mas o cenário não melhorou. Estava sempre a querer dormir, tornou-se um “zombie ambulante”.
Passou a ter visões, tinha paranoias, foi hospitalizado numa ala psiquiátrica. “Um amigo bem-intencionado — fazendo-se inexplicavelmente passar por meu primo — apresentou um documento a informar os médicos de que eu era bipolar”.
Os médicos aceitaram a informação como verdade absoluta. “Assim, de repente, tive uma nova doença mental incurável. O diagnóstico seria quase impossível de se livrar”.
Começou a tomar mais medicamentos, três antipsicóticos potentes – para além dos que já tomava.
Como consequência desses medicamentos todos, passou a ter uma psicose grave.
Passou a sentir que estava sob vigilância, que era alvo de forças malévolas, começou a destruir a sua casa à procura de sinais de espionagem. E passou a dormir na sua carrinha de caixa aberta – porque pensava que todos à sua volta eram espiões.
Foi despedido. O seu comportamento errático, instável, afastou-o da medicina.
Diagnóstico errado
Foi hospitalizado oito vezes, transferido entre alas psiquiátricas onde tomou mais 18 medicamentos no total. Os delírios continuavam, teria diagnóstico de doença bipolar incurável.
As suas opiniões já nem contavam. Porque já não era um médico – era um doente mental.
Mas Scott continuava a duvidar: seria mesmo bipolar? Os médicos garantiram que o diagnóstico estava certo; o doente é que estaria em negação sobre a sua doença mental.
“Como médico, percebia um pouco o que estava a acontecer. Percebi que os procedimentos de diagnóstico padrão não estavam a ser seguidos”.
Mas, de facto, o diagnóstico estava errado.
Ou melhor, os diagnósticos: não tinha perturbação dos movimentos periódicos dos membros. Não era bipolar.
O que o deixou assim tão transtornado foram tantos medicamentos inadequados, e em doses tão elevadas. Passou por 12 psiquiatras, nenhum chegou a essa conclusão – mesmo depois de o próprio “doente” lhe ter sugerido essa hipótese.
“Olhando para trás, a causa desta catástrofe parece gritantemente óbvia: nenhum médico se dedicou ao trabalho médico fundamental de realizar um diagnóstico diferencial completo — o método sistemático utilizado para identificar uma doença ou condição, descartando cuidadosamente outras possíveis condições”, explica o próprio Scott.
O que tinha mesmo era a tal apneia obstrutiva do sono grave, o primeiro diagnóstico, logo no início. Um problema que não foi tratado ao longo de anos – e causou danos permanentes.
Outro erro
A sua situação só começou a melhorar quando… um psiquiatra falhou. Esqueceu-se de prescrever os potentes Mirapex e Provigil.
Scott foi recuperando aos poucos a clareza suficiente para reconhecer o que estava a acontecer. Só começou a recuperação, lenta e irregular.
Demorou um ano (desde o seu último internamento) mas voltou a trabalhar. Com ajuda da minha família, reconstruiu a casa. Demorou ainda mais tempo, mas as relações com familiares e amigos foram sendo restauradas; mas ainda são “um trabalho em progresso”.
Mas, hoje não esconde: “O dano causado foi enorme. A minha vida, a minha carreira, a minha reputação — tudo foi destruído porque nenhum médico deu o passo básico de desafiar as suas suposições iniciais”.