Separado do resto do mundo, durante 12 anos, por uma fina camada de plástico. Foi esta, numa frase, a vida de David Vetter, que ficou para a história conhecido como o “menino da bolha”.
David nasceu com uma das doenças genéticas mais devastadoras alguma vez registadas: Imunodeficiência Combinada Grave (IDCG), que impede o desenvolvimento do sistema imunitário e que torna o corpo altamente vulnerável a qualquer bactéria ou vírus, fatal para o portador da doença.
As complicações começaram ainda David estava na barriga da mãe. Em setembro de 1971, David nascia através de uma cesariana meticulosamente planeada, para evitar qualquer contaminação. A sala de parto foi selada e desinfetada, com o mínimo de pessoas presentes possível.
Quando nasceu, David teve apenas 5 segundos de liberdade, até ser colocado numa bolha estéril que seria o seu novo — e único — mundo.
Genética cruel
David não foi o primeiro filho do casal Vetter. Um ano antes, David Joseph III, o seu irmão mais velho, nasceu com a mesma doença e morreu, aos sete meses de idade.
Os pais ficaram a saber que havia 50% de probabilidade de qualquer filho seu do sexo masculino nascer com a mesma condição. Mas mesmo assim, decidiram avançar com outra gravidez.
A bolha foi, na opinião dos médicos, a única opção para manter o David vivo.
Não sabia o que era o mundo
Inicialmente, acreditava-se que o isolamento na bolha seria temporário. O plano era fazer um transplante de medula óssea, que permitiria introduzir células imunitárias saudáveis no organismo de David. Mas encontrar um dador compatível revelou-se extremamente difícil. Nem os pais nem a irmã mais velha eram compatíveis, e a probabilidade de um dador não familiar coincidir era remota. A cada tentativa falhada, a bolha transformava-se numa prisão permanente.
Apesar das circunstâncias, David superou algumas expectativas: começou a andar aos oito meses e o seu desenvolvimento intelectual estava acima da média. Mas a falta de toque e experiência física impedia-o de compreender as coisas mais básicas da vida: não conhecia o vento, as texturas da natureza, o calor ou o frio. Não sabia o que era o mundo.
E claro, o isolamento teve um fardo psicológico enorme para a criança. A equipa médica responsável pelo caso tentou integrar o menino num espaço estéril dentro da casa dos pais e até lhe proporcionou um fato especial desenvolvido pela NASA, semelhante a um fato espacial, para que pudesse andar no exterior com segurança. Mas mesmo assim o mundo tratava-o de forma singular e o sentimento de isolamento não desapareceu.
Aos poucos, David tornou-se mais retraído e começou a demonstrar sinais de angústia psicológica, recorda o IFL Science. Tinha muitos pesadelos, muitos deles protagonizados por uma figura imaginária — o “Rei dos Germes” — que o aterrorizava.
Da nova esperança ao final infeliz
Em 1983, surgiu finalmente uma esperança: uma técnica nova permitiria transplantes de medula mesmo com dadores apenas parcialmente compatíveis. A irmã de David tornou-se dadora e o procedimento foi realizado. Mas tudo mudou em poucos dias.
A medula transplantada continha traços do vírus Epstein-Barr, na altura indetetáveis. Para uma pessoa com sistema imunitário funcional, o vírus seria inofensivo — mas para David, foi fatal. O vírus espalhou-se rapidamente, deu origem a centenas de tumores e, em poucos dias, David teve febres altas, hemorragias e vómitos de sangue.
E foi então que David, pela primeira vez desde aqueles curtos 5 segundos, saiu da bolha, para receber cuidados médicos de urgência. Nesse dia, a mãe, Carol, tocou no seu filho pela primeira e última vez: David Vetter morreu nessa mesma noite, com apenas 12 anos.
Entretanto, a relação entre vírus e cancro foi confirmada, as origens genéticas da IDCG foram identificadas e surgiram terapias que mudaram a medicina. Hoje, recém-nascidos são testados para a doença que afetou David e, quando identificados a tempo, podem ser tratados com sucesso, com elevadas taxas de sobrevivência.
Enquanto alguns especialistas criticam duramente o caso de David, classificando-o de sacrifício pouco ético, outros lembram que a sua vida salvou muitas outras. Hoje, graças a David, nenhuma outra criança precisará de viver numa bolha.