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“Queremos justiça”, exigem famílias de vítimas do ataque em Cabul. CIA alertou para a presença de civis

A família das 10 vítimas mortais do ataque com drone dos EUA a um veículo em Cabul exigem que os operadores sejam julgados em tribunal. A CIA terá alertado para a presença de civis segundos antes do ataque e a estratégia de contra-terrorismo de Biden está a agora ser posta em causa.

Depois de ter inicialmente afirmado que o bombardeamento de 29 de Agosto tinha apenas matado terroristas do ISIS-K que estavam a planear ataques iminentes no aeroporto de Cabul, o Pentágono admitiu na sexta-feira que o ataque com drone matou 10 civis, incluindo sete crianças, e que nenhuma das vítimas tinha ligações terroristas.

“O ataque foi um erro trágico. Estou agora convencido que até 10 civis, incluindo até sete crianças, tenham morrido tragicamente no bombardeamento. Além disso, concluímos agora que é improvável que o veículo e aqueles que morreram estivessem associados ao ISIS-K ou a uma ameaça directa às forças dos EUA”, confessou o General Frank McKenzie.

A confirmação do Pentágono veio depois de vários relatos na imprensa local afegã terem avançado que o ataque tinha matado civis e depois de uma investigação do The New York Times ter colocado em causa as afirmações do governo norte-americano sobre a existência de explosivos no veículo e sobre se o condutor era terrorista.

Zamarai Ahmadi, o condutor da carrinha que supostamente tinha explosivos, era na verdade um trabalhador de uma ONG de ajuda humanitária dos EUA desde 2006.

As suas viagens nesse dia consistiram em levar colegas ao trabalho e que aquilo que foi carregado no veículo podem ter sido vasilhas de água para a sua família e não explosivos, escreveu o NYT.

Agora, as famílias das 10 vítimas mortais exigem justiça. Emal Ahmadi sabia que o irmão Zamarai não era um terrorista do ISIS-K e revela à CNN que o confissão das autoridades norte-americanas trouxe algum consolo à família, mas que ainda estão perplexos com o seu passou.

“Os Estados Unidos da América sabiam que nesta área, dentro do carro, estavam crianças. Por que é que atacaram pessoas inocentes nesta área?“, questionou.

Malika, filha de Emal com apenas dois anos, também morreu no ataque com o tio. “Eles são, todos eles, inocentes, como a minha queria filha… ela era tão encantadora”, recorda Emal Ahmadi sobre as crianças que morreram no ataque.

A casa de dois andares em Cabul está parcialmente danificada. Zamarai vivia lá com os seus três irmãos, as suas esposas e filhos, tendo algumas das crianças morrido com o tio na carrinha. Há ainda destroços resultantes do bombardeamento espalhados na rua, que é agora vigiada pelos talibãs.

Emal afirma que as autoridades americanas não contactaram a família, apesar do Secretário da Defesa, Lloyd Austin, ter oferecido as suas condolências num comunicado na sexta-feira. “Pedimos desculpa e vamos empenhar-mo-nos para aprender com este erro horrível”, lamentou.

Já o General Frank McKenzie, comandante do Comando Central, afirmou que o Pentágono está a considerar pagar reparações à família e que disse que apesar de ser “muito díficil” contactar as pessoas “no solo do Afeganistão”, as autoridades vão tentar.

Tanto Emal como o seu irmão Romal, cujos filhos Ayat (dois anos), Binyamen (seis anos) e Armin (sete anos) também morreram no ataque, exigem “justiça” aos EUA e querem que os operadores dos drones sejam julgados em tribunal pelas mortes.

A família chegou a ter de fazer um empréstimo para pagar os funerais, visto terem sido tantas mortes de uma vez que não tinham forma de suportar os custos.

Sobre um possível perdão aos Estados Unidos, Emal Ahmadi diz “talvez”. “Mas como posso fazer isso? Perdi a minha família. Ninguém os consegue trazer de volta”, conclui.

CIA alertou autoridades para a presença de civis

Poucos segundos antes do exército americano ter atacado a carrinha Toyota onde estava Zamarai e a sua família, a CIA alertou para a presença de civis na área, incluindo crianças dentro do veículo, avança a CNN.

Ainda não é claro sobre se os militares informaram depois a CIA de que tinham avançado com o ataque na mesma. Este tipo de bombardeamentos, conhecidos entre o exército como ataques “dinâmicos“, podem ser autorizados sem a consulta a militares superiores.

Em certos casos, o exército pede à agência de inteligência que vigie uma certa localização ou carro. A CIA partilha as informações com o Departamento de Defesa em tempo real, mas a decisão final fica nas mãos dos comandos militares.

“Se dão a tarefa à agência de olhar para o alvo e dar indicações para avançar ou não avançar, então deviam ter a capacidade de usar essa informação para decidir se o ataque é lançado. Se não havia maneira de saber que estavam prestes a lançar o míssil, há algo muito errado aqui“, afirmou Mick Mulroy, antigo agente da CIA e analista da ABC News.

Apesar da atenção mediática que este caso está a ter, com apelos de políticos para que haja mais transparência sobre os procedimentos e erros que levaram ao ataque, vários responsáveis afirmam que a morte de civis era uma realidade constante durante a guerra dos EUA no Afeganistão.

O ataque está também a colocar pressão sobre Joe Biden, que ainda não comentou publicamente a confirmação do Pentágono de que as vítimas foram civis. A Casa Branca insiste que tem as ferramentas para levar a cabo missões “além do horizonte” com sucesso e continua a defender o uso de drones na batalha contra o terrorismo.

Até o próprio General McKenzie afirmou que este ataque era um caso isolado e que não era uma representação da estratégia “além do horizonte”.

“Este foi um ataque de auto-defesa baseado numa ameaça iminente. Esta não é a forma como vamos atacar na missão”, disse, explicando que os critérios serão mais restrictos e que não haverá tanta pressão para tomar uma decisão no momento.

No entanto, a administração Biden continua a debater internamente como vai funcionar a missão contra-terrorismo no Afeganistão, já que a falta de tropas no solo torna muito mais prováveis os erros nos ataques com drones. Segundo escreve o Axios, alguns oficiais chamam ironicamente à estratégia missão “além do arco-íris”.

Há também um debate sobre se deve ser o Departamento de Defesa ou a CIA a liderar a missão, já que vários responsáveis pela inteligência argumentam que os ataques conduzidos pela CIA são bastante mais precisos e causam menos mortes.

No entanto, os dados da agência são confidenciais e há já várias suspeitas de que os números de mortes de civis divulgados pelo Departamento de Defesa não sejam confiáveis e que sejam até cinco vezes mais baixos do que a realidade, tendo já a Senadora Elizabeth Warren e o Congressista Ro Khanna apelado a mais transparência.

O ataque em Cabul veio colocar novamente em causa o uso de aviões não pilotados pelas forças americanas e a credibilidade dos dados divulgados pelo governo. Esta estratégia já é usada desde o início da guerra contra o terror, que começou na administração Bush, depois do 11 de Setembro.

A administração de Obama, onde Biden era vice-presidente, aumentou imensamente o uso de drones para ataques em relação a Bush, e Donald Trump aumentou ainda mais o seu uso comparativamente a Obama.

Uma investigação recente do Airwars concluiu que entre 22 mil e 48 mil civis morreram vítimas dos ataques aéreos dos EUA desde 2001. Está agora nas mãos de Joe Biden decidir se vai continuar a usar esta estratégia nas guerras onde os EUA estão envolvidos.

Adriana Peixoto, ZAP //

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