A ex-eurodeputada Ana Gomes assumiu esta terça-feira no julgamento do processo Football Leaks que incentivou Rui Pinto a colaborar com a Justiça e defendeu que a mudança de atitude do arguido não foi “para salvar a pele”.
“Na primeira vez [que estive com ele], achei-o muito revoltado e relutante a qualquer colaboração com a polícia. A pouco e pouco, a sua posição foi evoluindo, pelo contacto com as autoridades, mas penso que também o ajudei. Pelo menos, sempre incitei à colaboração com a justiça. Era, efetivamente, através da polícia que ele podia alcançar o desejo de verdade e justiça que o motivava”, afirmou a antiga candidata presidencial.
“A pouco e pouco foi mudando. E isso não era para salvar a pele dele, mas sim porque achava que era a maneira de combater a corrupção e os esquemas de criminalidade.”
Ouvida como testemunha de defesa do criador do Football Leaks na 41.ª sessão do julgamento em curso no Tribunal Central Criminal de Lisboa, Ana Gomes começou por lembrar o seu trabalho no Parlamento Europeu em nome de uma maior justiça fiscal.
Sobre o surgimento do Football Leaks, disse que a ação de Rui Pinto pareceu ser inicialmente movida “pela paixão pelo futebol e pelo seu clube, o FC Porto”, mas que acabou por transcender essa área.
“À medida que foi encontrando porcaria, foi ganhando consciência de que era uma coisa muito maior do que o futebol. A partir do momento em que tem contacto com os jornalistas do Der Spiegel, ganha consciência da importância”, referiu.
De acordo com o seu depoimento, Ana Gomes adiantou ter visitado Rui Pinto na prisão “quatro ou cinco vezes”, tendo inclusivamente conhecido o pai e a irmã do principal arguido do processo Football Leaks.
Em termos pessoais, destacou a impressão positiva que traçou do jovem, depois de o advogado William Bourdon ter revelado que era o português que estava na origem da plataforma eletrónica que agitou o futebol mundial a partir desde 2015.
“Soube dois dias antes de se tornar público que Rui Pinto era a fonte do Football Leaks“.
“Fui formando a ideia e a apreciação correspondia ao que [o advogado] William Bourdon me foi dando logo de início: era jovem, cândido, culto e fiquei muito impressionada. Pareceu-me um jovem extraordinariamente culto”, declarou, sem esquecer também o posterior papel de Rui Pinto na divulgação do caso Luanda Leaks, que veio na linha de anteriores denúncias que Ana Gomes fez publicamente em relação à atividade da empresária angolana Isabel dos Santos.
“Muito antes do Luanda Leaks comecei a fazer perguntas às autoridades europeias e nacionais sobre o caso Efacec. E em 2016 fiz uma exposição a todas as autoridades nacionais e europeias sobre a fortuna de Isabel dos Santos com base em fontes abertas”, indicou. “Disse publicamente que o Banco BIC era uma lavandaria. (…) Com o Luanda Leaks, as autoridades portuguesas não podiam continuar a fingir que nada existia.”
O MP acusou Rui Pinto de 147 crimes, 75 dos quais de acesso ilegítimo, 70 de violação de correspondência, um de sabotagem informática e um de tentativa de extorsão, por aceder aos sistemas informáticos do Sporting, da Doyen, da sociedade de advogados PLMJ, da FPF e da Procuradoria-Geral da República.
Rui Pinto está a ser julgado por 90 crimes: 68 de acesso indevido, 14 de violação de correspondência, seis de acesso ilegítimo e ainda por sabotagem informática à SAD do Sporting e por tentativa de extorsão ao fundo de investimento Doyen.
Além da criação da plataforma Football Leaks, Rui Pinto é também responsável pelo processo Luanda Leaks, em que a empresária angolana Isabel dos Santos é a principal visada.
Rui Pinto, que desde 8 de abril se encontrava em prisão domiciliária e proibido de aceder à Internet, encontra-se em liberdade desde 7 de agosto “devido à sua colaboração” com a Polícia Judiciária (PJ) e ao seu “sentido crítico”, mas está, por questões de segurança, inserido no programa de proteção de testemunhas em local não revelado e sob proteção policial.
ZAP // Lusa