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Vacinas (ainda) não são o princípio do fim. Sociólogo prevê que demorará anos a limpar “destroços” da covid-19

O médico e sociólogo norte-americano Nicholas Christakis defende, em entrevista à agência Lusa, que as vacinas não são ainda o princípio do fim da pandemia, considerando que demorará anos a limpar “os destroços” da covid-19.

“Somos a primeira geração de humanos viva que conseguiu, em tempo real, criar uma contramedida específica e eficaz contra a praga que atravessa. Na época medieval, pensavam que se esfregassem na pele uma mistura de cebolas e serpentes moídas, isso resultava contra a peste. É claro que não resultava. Nós temos algo que resulta, que vai salvar muitas vidas, mas não vai alterar assim tanto o curso da pandemia”, prevê o professor da universidade norte-americana de Yale.

“Penso que não estamos no princípio do fim desta pandemia, mas que estamos a aproximarmo-nos do fim do princípio”, afirma, usando uma frase celebrizada pelo primeiro-ministro britânico Winston Churchill num discurso proferido em 1942 após uma das primeiras vitórias dos Aliados contra o exército alemão na II Guerra Mundial, no deserto do Egito.

“Inventámos estas vacinas, mas agora vamos ter que fabricar milhões de doses, administrá-las e, o mais importante, temos que convencer as pessoas a tomá-las. Tudo isso vai levar tempo e, no entretanto, o vírus continua a espalhar-se”, salienta.

Para Nicholas Christakis, doutorado em saúde pública pela Universidade de Harvard, não será antes “do fim de 2021, princípio de 2022” que se atingirá, quer pela via natural das infeções, quer pela vacinação, “o limiar crítico a que se chama imunidade de grupo”, em que “50, 60, 70 por cento” da população terá sido exposta ao SARS-CoV-2.

Só nessa altura “a epidemia começará a abrandar e a parar, o que será o fim do período pandémico imediato”, a primeira de três fases, seguida de um período intermédio e um período pós-pandémico.

“Como um tsunami que invade a terra, a água recua e há destroços por toda a parte. Vamos ter de os limpar. Em Portugal, no Brasil, em outros países europeus e na América do Norte, milhões de pessoas terão morrido e milhões ficarão debilitadas mesmo se sobreviverem” à covid-19, afirmou o professor da universidade norte-americana de Yale.

Christakis, que dirige o Laboratório da Natureza Humana na universidade no estado do Massachussetts, acredita que a sociedade “vai recuperar, mas vai levar tempo”, lembrando que ficarão sequelas dos “milhões de crianças que não foram à escola, dos milhões de pessoas que perderam o emprego e dos milhões de negócios que faliram”.

Lá para 2024, começará o que antevê como “uma festa”, em que o mundo terá deixado para trás “o choque biológico e epidemiológico do vírus”.

“Depois de terem estado enclausuradas tanto tempo, as pessoas irão procurar avidamente oportunidades de socializar em discotecas, em restaurantes, em bares, em eventos desportivos, em concertos, comícios. Poderemos assistir a alguma licenciosidade e mudanças nos comportamentos sexuais”, refere.

Será também ocasião “para as pessoas começarem a gastar o dinheiro que não puderam durante a praga, durante o colapso económico, ou que pouparam para o caso de adoecerem”.

Vamos recuperar, mas não será fácil. Vai levar tempo. Penso que a falta de contacto social entre as pessoas mais jovens se fará sentir. Para as pessoas que estão na casa dos 20, é uma parte muito importante da vida, em que se tenta encontrar e aprender a ser um bom ou boa parceira, em que se experimenta a sexualidade, e com um país em confinamento, é muito diferente ter essas experiências de que se necessita”, indica.

“E quanto às pessoas na casa dos 40 que perderam o emprego, será difícil recuperarem-no. Estamos a viver experiências traumáticas como sociedade. As pessoas deixam as grandes cidades durante as pragas, essa é uma resposta típica. Estamos a assistir a isso nos Estados Unidos, em muitas cidades europeias, mas as pessoas regressarão, não será uma coisa permanente, tal como o encerramento das fronteiras. A livre circulação de pessoas regressará com o tempo”, acrescenta.

No seu mais recente livro, “A Flecha de Apolo”, publicado em março em Portugal pela editora 20|20, Nicholas Christakis analisa séculos de pandemias que ocorreram na História e contextualiza nelas a covid-19.

“As pandemias respiratórias acontecem a cada 10 ou 20 anos, mas a cada 50 ou 100 anos temos uma grave, como esta. Estamos a passar por um acontecimento que ocorre uma vez por século. Uma praga é isto. Embora seja comum para a nossa espécie, para nós é raro”, analisa.

O título do seu livro sobre a covid-19 refere-se a uma história da mitologia grega em que o deus que trazia a doença, Apolo, furioso com os gregos durante a Guerra de Tróia, lançou sobre eles as suas flechas, dizimando-os durante nove dias e só parando ao décimo dia.

Para Nicholas Christakis, depois do “décimo dia” da pandemia da covid-19, estaremos a viver “num mundo muito diferente, porque teremos deixado a praga para trás”. “É a nossa altura de enfrentarmos esta provação e temos que mostrar do que somos feitos e como conseguimos lidar com ela”, defende.

// Lusa

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