Um professor sueco está a enfrentar uma violenta reação às suas descobertas de que a covid-19 representa uma ameaça baixa para as crianças, minando o argumento político de que as escolas não podem reabrir.
O pediatra e epidemiologista Jonas Ludvigsson, do Instituto Karolinska da Suécia, tem sido um defensor ferrenho das políticas heterodoxas do país. Entre elas está a decisão, na primavera de 2020, de manter pré-escolas e escolas abertas para crianças até ao 9.º ano, apesar da compreensão limitada do vírus e com poucas precauções para prevenir surtos escolares.
De acordo com a revista Science, os estudos de Ludvigsson, que sugeriam que a medida era relativamente segura, foi repetidamente criticada.
O exemplo mais recente é uma carta, publicada pelo The New England Journal of Medicine em 6 de janeiro, que analisou doenças graves e mortes entre crianças e professores na Suécia entre março e junho. Críticos afirmaram que o estudo era irrelevante e uma distração.
Os críticos sublinham que é sabido que as crianças têm menos probabilidade de serem hospitalizadas ou morrer de covid-19. Porém, escolas em todo o mundo fecharam para retardar a disseminação do vírus na comunidade em geral.
Os críticos também fazem uma acusação mais séria, alegando que os autores omitiram deliberadamente dados importantes que contradiziam a sua conclusão.
Num estudo sobre crianças na pandemia, publicada na Acta Paediatrica em maio, o professor relatou que não houve “nenhum grande surto escolar na Suécia”, o que atribuiu à “comunicação pessoal” de Tegnell. Mas, como observaram os críticos, os media suecos relataram vários surtos em escolas, incluindo um em que pelo menos 18 dos 76 funcionários ficaram infetados e um professor morreu.
Ludvigsson relatou ainda que apenas 15 crianças, 10 professores do ensino pré-escolar e 20 professores foram admitidos em unidades de terapia intensiva por complicações da covid-19 entre março e junho de 2020. Além disso, 69 crianças com idades entre 1 e 16 morreram na Suécia durante o mesmo período em comparação com 65 entre novembro de 2019 e fevereiro de 2020, sugerindo que a pandemia não levou ao aumento nas mortes infantis.
A reclamação vem de Bodil Malmberg, uma cidadã de Vårgårda, na Suécia, que usou a lei de registos abertos do país para obter correspondência por e-mail entre Ludvigsson e o epidemiologista chefe sueco Anders Tegnell, o arquiteto das políticas de pandemia do país.
O que dizem os e-mails
Os e-mails obtidos por Malmberg mostram que, em julho, Ludvigsson escreveu a Tegnell que “infelizmente vemos uma indicação clara de excesso de mortalidade entre crianças de 7 a 16 anos, as idades em que as crianças iam à escola”. Para os anos de 2015 até 2019, uma média de 30,4 crianças nessa faixa etária morreram nos quatro meses da primavera; em 2020, 51 crianças nessa faixa etária morreram”.
O aumento pode ser um acaso, escreveu o professor, especialmente porque os números são pequenos. As mortes de crianças de 1 a 6 anos ficaram abaixo da média durante o mesmo período, portanto, a combinação das faixas etárias ajudou a equilibrar o aumento.
Segundo Ludvigsson, um revisor da revista científica sugeriu a comparação com as mortes de novembro a fevereiro, e que combinou os números de crianças em idade pré-escolar e escolar devido aos requisitos de comprimento do The New England Journal of Medicine.
O professor atualizou os dados suplementares com as mortes mensais de 2015 a 2020, mas não sinalizou o aumento de 68% em crianças em idade escolar.
Os e-mails “lançam uma sombra séria” na carta de investigação, escreveu Malmberg, num e-mail para o The New England Journal of Medicine.
O epidemiologista Jonas Björk, da Lund University, concorda que a comparação de tempo usada era incomum. “Não vejo nenhuma boa razão para comparar com os meses anteriores. É padrão comparar com o mesmo período em anos anteriores” para contabilizar a sazonalidade e diminuir a incerteza estatística.
Björk defendeu que é improvável que o aumento da mortalidade seja devido apenas à covid-19 e que pode ser fruto do acaso.
Deixando as questões de mortalidade de lado, os críticos defendem que o estudo não é útil para o debate sobre o encerramento de escolas, uma vez que a principal preocupação não é que as crianças acabem em cuidados intensivos, mas que as escolas possam acelerar a disseminação da comunidade, explicou Antoine Flahault, especialista em saúde global da Universidade de Genebra e co-autor de uma das críticas no NEJM.
Professor desiste da investigação
De acordo com o New York Post, Ludvigsson decidiu parar de investigar a covid-19 após enfrentar a violenta reação às suas descobertas de que a doença representa uma ameaça baixa para as crianças.
Ludvigsson disse que perdeu o sono como resultado das “mensagens raivosas através das redes sociais e e-mails” que atacavam o seu estudo e culpavam-no em parte pela estratégia contrária da Suécia, segundo o College Fix.
Por causa desta reação, a Suécia planeia aumentar a proteção à liberdade académica na lei. A ministra do ensino superior, Matilda Ernkrans, disse, em declarações ao British Medical Journal, que o governo quer emendar a Lei do Ensino Superior para garantir “que a educação e a investigação sejam protegidas para permitir que as pessoas descubram, analisem e partilhem conhecimento livremente”.
O presidente do Instituto Karolinska, Ole Petter Ottersen, disse que “acusações odiosas e desdenhosas e ataques pessoais não podem ser tolerados“, seja contra o pediatra ou outros investigadores que “se retiraram [e] do debate público após serem ameaçados ou assediados”.
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