Parlamento celebra 25 de Abril com o Governo “à janela”

ANTÓNIO PEDRO SANTOS/LUSA

Parlamento dissolvido celebrou revolução com a esquerda a cantar “Grândola, Vila Morena, já depois de encerrada a sessão solene evocativa dos 50 anos do 25 de Abril.

O líder do PS acusou o Governo de “ficar à janela” a ver a celebração do 25 de Abril enquanto o “povo sai à rua”, apontando um paradoxo entre maior exigência depois de o Governo ter aprovado, na quinta-feira, o decreto que declarou três dias de luto nacional pela morte do Papa Francisco, a cumprir até sábado.

De cravo na lapela, Pedro Nuno Santos assumiu a responsabilidade de discursar pelo PS na sessão solene comemorativa do 25 de Abril, no parlamento, e começou por acusar o executivo de “desvalorização da data maior da democracia portuguesa”, afirmando: “hoje o povo sai à rua, enquanto o governo fica à janela”.

“51 anos depois, a democracia portuguesa vive um paradoxo entre uma maior exigência de transparência e um sentimento de desilusão”, sintetizou.

Na opinião do líder do PS, a democracia é “mais exigente do que alguma vez foi” e sujeita “os políticos a um maior escrutínio” do que em qualquer outro momento da história.

“Este imperativo democrático de maior transparência é incompatível com comportamentos de opacidade e de ocultação. Convive mal com condutas de dissimulação e de vitimização. E, sobretudo, torna insuportável a constante chantagem e infantilização dos portugueses”, criticou, numa referência implícita ao primeiro-ministro, Luís Montenegro.

Para Pedro Nuno Santos, está enganado quem acha que “os portugueses não ligam ou desconsideram a seriedade e a transparência de quem os governa”.

“A extrema-direita não faz outra coisa que não seja explorar e ampliar a desesperança e a legítima indignação de muitos portugueses. Sem soluções sérias e credíveis para o país, dedica-se a parasitar as desilusões do povo”, condenou.

A “direita conservadora e liberal”, segundo Pedro Nuno Santos, “usa a classe média e as suas legítimas aspirações para no fim acabar a governar para uma minoria”.

CDS lembra o outro 25

O líder parlamentar do CDS-PP apelou aos portugueses para “não deixarem a estabilidade nas mãos das oposições” nas legislativas e recordou o voto contra do partido à Constituição em 1976 como “um hino à liberdade”.

Na sessão solene comemorativa no parlamento do 51.º aniversário do 25 de Abril de 1974 e do 50.º aniversário da eleição da Assembleia Constituinte, Paulo Núncio começou por evocar o Papa Francisco e o seu “testemunho luminoso”, passando depois ao entusiasmo dos portugueses com as primeiras eleições livres.

“É bom lembrar que houve quem não quisesse que as eleições se realizassem; houve quem apelasse à abstenção e quem impedisse partidos políticos de concorrerem”, disse, considerando que ficou à vista nas urnas que “o povo queria uma democracia europeia e ocidental, e não queria uma tutela político-militar no regime democrático”.

O dirigente democrata-cristão salientou que “o CDS esteve em risco de não concorrer às eleições da Assembleia Constituinte”.

“Lembro, por isso, os 16 deputados democratas-cristãos que foram eleitos, apesar da violência, apesar das ameaças e apesar dos cercos”, disse, exaltando o voto contra do CDS-PP contra a Constituição aprovada em 1976.

“O voto contra do CDS foi um verdadeiro hino à liberdade e à democracia pluralista em Portugal”, defendeu.

Na sua intervenção, Paulo Núncio voltou ainda a exaltar a importância do 25 de novembro e da sua celebração, agora também anual, na Assembleia da República.

Como o CDS sempre insistiu, os dois 25s são a continuação um do outro. E se em abril ganhámos a liberdade, em novembro evitámos perdê-la!”, disse.

PAN: “portugueses estão cansados”

A porta-voz do PAN defendeu a necessidade de renovar a esperança na democracia nos 50 anos das primeiras eleições livres em Portugal e em véspera de legislativas antecipadas.

“Há 50 anos, o projeto democrático cimentou-se com as primeiras eleições livres. Neste ano em que somos chamados novamente às urnas, sabemos que os portugueses estão cansados da instabilidade política que tem deixado as suas vidas em suspenso”, disse Inês Sousa Real.

A porta-voz do PAN sublinhou a necessidade de “renovar no espírito das pessoas a esperança na democracia”, impedindo que “desapareça da memória coletiva um tempo não assim tão distante em que vivemos em ditadura”.

Renovar a esperança na democracia implica também renovar a esperança na paz, continuou a deputada única do PAN. “E em Portugal, uma guerra silenciosa que não dá tréguas” contra a violência doméstica e os crimes sexuais, acrescentou.

Livre lembra Celeste

A porta-voz do Livre Isabel Mendes Lopes rejeitou adiamentos da celebração da revolução do 25 de Abril de 1974 e apelou ao voto, considerando que o país vive um “momento ameaçador”.

A celebração do 25 de Abril não se cancela, não se adia. A liberdade não se festeja com reservas, muito pelo contrario, festeja-se de forma plena juntos e juntas”, defendeu a também líder parlamentar do Livre.

Numa intervenção na qual lembrou Celeste Caeiro, a mulher que deu nome à Revolução dos Cravos ao distribuí-los pelos militares nas ruas, Isabel Mendes Lopes realçou que “é destas ações, planeadas ou por acaso, individuais ou coletivas, que a História se vai fazendo” e fez um apelo ao voto.

“Nesta altura em que tanto à nossa volta parece tão ameaçador, é mesmo importante termos noção do momento que estamos a viver. O momento é mesmo ameaçador. A História mostra-nos como é tão fácil cair em ditadura, como é fácil quem quer usar o poder para si tomar conta do poder, mesmo quando os sinais estão todos lá”, alertou.

A líder do Livre salientou que “os sinais estão todos aí”, dentro e fora de Portugal, enumerando “o discurso de ódio, o atacar das instituições democráticas, o descrédito da política, o ataque a imprensa e aos jornalistas, a descrença da ciência, a promiscuidade entre poder político e homens com fortunas maiores do que muitos países”.

“Votem como se a nossa vida e liberdade dependessem disso, porque na verdade, dependem”, apelou.

Bloco: uma tristeza no dia mais feliz

“Hoje, dia 25 de Abril, celebramos os 51 anos da Revolução, porque a democracia tem de saber a data em que nasceu. Que o Governo de Portugal esteja disposto a adiar as comemorações do 25, é só a triste confirmação que nem o dia mais feliz consegue iluminar todo o futuro de um povo”, criticou Mariana Mortágua, numa intervenção na qual lembrou o seu pai, o antifascista Camilo Mortágua, que morreu no final do ano passado.

Mariana Mortágua começou por agradecer aos capitães de Abril, alguns sentados na tribuna: “Cumpriram a vossa missão, agora é a nossa vez. Este é o tempo que nos calhou viver”.

Na opinião da bloquista, “depois de quebrar promessas e devastar o legado de gerações, o capitalismo saiu da sua crise mostrando o que vale, rindo-se da desigualdade e dividindo povos”, gerando políticos como Donald Trump, Javier Milei, Georgia Meloni, Viktor Órban.

“Eles levantam a motosserra para dizer quem está primeiro e quem fica para trás, decidem as palavras que se gritam e as que são para apagar e escolhem que mortes são legítimas”, criticou.

Mortágua deixou ainda uma questão: “De que serve adiar as comemorações do 25 de Abril se as palavras de Francisco são tão cinicamente ignoradas? As últimas que disse, denunciando o delírio da guerra, e especialmente as pronunciadas em Lisboa – «todos, todos, todos». Incluindo os sobreviventes da Palestina, as pessoas ciganas, as mulheres, os migrantes”.

Numa intervenção na qual por vezes parou, por ouvir apartes de deputados da bancada do Chega, Mariana Mortágua lembrou as primeiras eleições livres, a Constituição, e dirigiu-se sobretudo aos mais jovens, aqueles que já nasceram em liberdade.

“Admiro os jovens que hoje olham apreensivamente as ameaças do novo fascismo. Ao contrário de mim quando tinha a tua idade e aprendi a ser gente no Largo do General Humberto Delgado, tu hoje sabes perfeitamente que a democracia não está vacinada contra o mal do nosso tempo. Vês o discurso de ódio a entrar pelos pátios da escola, pela rua, pelo telemóvel. E apesar dessa ameaça e dessa apreensão, trazes a liberdade na mão. Este é o tempo que nos calhou viver, e para o enfrentar temos connosco o segredo que Celeste Caeiro um dia contou a Portugal: num cravo cabe outro mundo”, rematou.

PCP e os dias de “desencanto, deceção e descrença

O deputado do PCP António Filipe avisou que a democracia “está sob ameaça dos que tentam denegrir as suas conquistas”, mas manifestou-se convicto de que terá “força suficiente para derrotar os seus inimigos”.

António Filipe reconheceu que, “para muitos portugueses”, o momento atual pode ser de “desencanto, de deceção e de descrença“.

“Desencanto com o incumprimento de promessas feitas e com o defraudar de expectativas criadas. Deceção com uma ação governativa distante das promessas feitas e insensível às reais preocupações das pessoas. Descrença em relação a uma prática política que não contribui para a resolução dos problemas do povo e do país”, enumerou.

De cravo vermelho na lapela, António Filipe avisou que “a democracia está hoje sob a ameaça dos que tentam denegrir as suas conquistas”.

“Mas a luta de muitas décadas do povo português pela liberdade e a democracia, as transformações progressistas conquistadas na Revolução de Abril, a capacidade de luta já demonstrada em numerosas situações pelos trabalhadores e pelas populações em defesa dos seus direitos, e a vitalidade com que a afirmação dos valores de Abril se encontra presente nas novas gerações, são razões de confiança em que a democracia portuguesa tem força suficiente para derrotar os seus inimigos”, sustentou.

Para António Filipe, “está nas mãos do povo e na sua ação a realização dessa vida melhor que Abril iniciou” e que está “nos antípodas de uma direita retrógrada, obscurantista e profundamente reacionária”.

“Existem capacidades e a coragem necessária para afirmar os valores da democracia e para que o justo descontentamento social se assuma como uma força de luta por transformações sociais de sentido progressista”, disse.

A democracia afirma-se “na resistência a uma extrema-direita arrogante e obscurantista que, dizendo-se contra o sistema, representa o pior do sistema”, acrescentou. “A alternativa terá de ser construída por aqueles que, com coragem e coerência, lutam por uma política que valorize o trabalho e os trabalhadores, que respeite os direitos económicos, sociais e culturais” do povo e que “lute pela paz e pela independência nacional”.

Depois, o deputado do PCP deixou saudou também os militares de Abril e os resistentes antifascistas que, “enfrentando a repressão, a prisão e a tortura, e sacrificando até a própria vida, se dispuseram a sofrer tudo” para que, hoje, todos possam lutar pelas suas convicções “sem ter passar pelas provações por que eles passaram”.

IL e um 25 de Abril “tão longe de se cumprir”

O presidente da IL considerou  que “parte do que Abril prometia, ainda está tão longe de se cumprir”, e defendeu que é necessária uma mudança nas próximas eleições para um “Portugal mais liberal”.

O líder da IL disse que, 51 anos depois do 25 de Abril de 1974, existe hoje “liberdade política, de expressão, de imprensa, religiosa”.

“Avançámos muito nestes 50 anos. Mas também é verdade que ainda temos um longo caminho a percorrer”, referiu.

Rui Rocha elencou vários setores em que considerou haver atualmente problemas em Portugal, como a saúde, “onde há portugueses que podem escolher o seu médico” e outros que “não têm recursos para pagar do seu bolso a liberdade de escolher”.

Na habitação, prosseguiu, apesar de haver proclamações de que “é um bem essencial”, há “cada vez mais portugueses” a enfrentarem “a escassez criada por décadas de intervencionismo, burocracia, regulamentos infindáveis e carga fiscal injusta”.

O líder da IL criticou ainda que, na educação, seja a morada a determinar que escola pública podem frequentar os alunos e considerou que Portugal tem revelado “não ser para jovens”, com mais de 20% desempregados e muitos “com dificuldade em sair de casa dos pais”.

Chega: democracia trouxe “corrupção aberta”

O presidente do Chega defendeu que a democracia transformou a “corrupção fechada” em “corrupção aberta”, alegando que os portugueses “sabem e sentem que têm uma classe política corrupta ou corrompida, capaz de vender os seus interesses”.

Na sessão solene comemorativa do 51.º aniversário do 25 de Abril de 1974 e do 50.º aniversário da eleição da Assembleia Constituinte, o presidente do Chega, André Ventura, defendeu que, embora o Governo tenha prometido “combater a corrupção”, a perceção desse crime aumentou e que os portugueses não confiam nos seus governantes.

“Tornámo-nos um país em que os portugueses sabem e sentem que têm uma classe política corrupta ou corrompida, capaz de vender os seus interesses de decisão do país por interesses que são de terceiros. E era isto o que Abril deveria ter resolvido. Porque se é verdade, como dizia o deputado António Filipe, que foram anos e anos de corrupção, o que dizer dos 50 que lhes seguiram? Que a uma corrupção fechada transformou numa corrupção aberta”, atirou.

Ventura acrescentou que a uma “corrupção sem impunidade” seguiu-se uma “em que os condenados e os criminosos andam livremente pelo país a gozar com o dinheiro e a gozar com aquilo que fizeram”.

O líder do Chega começou o seu discurso por lembrar Celeste Caeiro, alegando que a mulher que distribuiu os cravos pelos militares “morreu abandonada na urgência de um hospital à espera de ser atendida”.

“Antes de celebrarmos o que é vazio, o que não interessa a ninguém, devíamos recordar olhos nos olhos aquela mulher e perceber que depois de tanto cravo, depois de tanta festa, morre sozinha numa urgência que não lhe deu resposta, num país que não lhe deu resposta”, criticou.

Para Ventura, Celeste é um “exemplo das Celestes do país inteiro” que “morrem nas urgências”, enquanto “chegam a um posto dos correios e veem tudo a sacar subsídios menos eles e os seus filhos”.

Ventura lembrou também os retornados das antigas colónias, bem como os combatentes portugueses da guerra colonial, acrescentando que, enquanto o Chega estiver no parlamento, o país “nunca pagará um cêntimo de indemnização a nenhuma antiga colónia deste país”.

No fim, André Ventura citou Salgueiro Maia para dizer que o “25 de Abril não se celebra, o 25 de Abril cumpre-se”, afirmando que o Chega é que irá cumprir o propósito da revolução.

PSD denuncia “polémica estéril”

O líder parlamentar do PSD acusou a oposição de querer “criar um caso” e “uma polémica estéril” sobre o adiamento da agenda festiva do Governo para assinalar o 25 de Abril, devido ao luto nacional pelo Papa.

“O Governo participou e participará nas cerimónias do 25 de Abril. A única coisa que o Governo adiou – e creio que qualquer português entende – foram os concertos de festa que iam acontecer na residência oficial do primeiro-ministro”, afirmou Hugo Soares, em declarações aos jornalistas no parlamento, no final da sessão solene do 25 de Abril.

O líder parlamentar e secretário-geral do PSD defendeu que “não é compaginável haver concertos de música e festividades ao mesmo tempo que o Governo e o Presidente da República decretaram luto nacional”, entre quinta e sábado pela morte do Papa Francisco.

Hugo Soares salientou que os jardins de São Bento estão hoje abertos para visitas ao público e disse que “a esta hora, há já muitos portugueses” a visitá-los, e recordou que os concertos foram adiados para o 1.º de Maio.

“Eu creio que essa polémica nasceu porque os partidos da oposição, não tendo mais nada para oferecer ao país – e digo isto lamentando profundamente a polémica que se gerou – quiseram criar um caso à volta de uma circunstância que não existe”, afirmou, falando mesmo de uma “polémica estéril”.

Questionado se não reconhece um erro de comunicação do Governo, Hugo Soares respondeu: “Se quer que o líder parlamentar do PSD seja humilde e reconheça que alguém interpretou mal aquilo que foi a declaração do Governo, eu não tenho problema nenhum com isso”, disse, recusando qualquer “marcha-atrás” por parte do executivo.

“O Governo não anunciou coisa diferente daquilo que eu estou aqui a reiterar. Se as palavras do ministro da Presidência foram mal interpretadas porque não usou as melhores, com toda a humildade do mundo, podemos reconhecer, nisso não tenho problema nenhum”, disse.

E insistiu: “O ponto é que não há caso, e o caso só foi criado, porque a oposição quis no fundo, dizer que o Governo estava a não querer celebrar o 25 de Abril, quando isso nunca esteve em causa”.

ZAP // Lusa

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