A proposta de lei do PS defende que o crime se mantenha como semi-público, mas há vozes dentro do partido a favor da mudança.
O Partido Socialista vai propor que as vítimas de violação possam apresentar queixa no prazo de um ano e que sejam dispensadas da prova de insuficiência económica, enquanto outros partidos vão defender a consagração como crime público.
O parlamento discute esta quinta-feira cinco projetos de lei relativos ao crime de violação, em que quatro deles defendem a consagração como crime público para o crime de violação e outros crimes contra a liberdade sexual.
Em causa estão projetos de lei do Bloco de Esquerda (BE), Chega, partido Pessoas-Animais-Natureza (PAN) e Iniciativa Liberal (IL), além de uma petição, que reuniu mais de 107 mil assinaturas pela “Urgência em legislar no sentido da conversão do crime de violação em crime público”.
O projeto de lei do PS, por outro lado, defende que o crime de violação se mantenha como crime semi-público, sublinhando que a opção do legislador foi no sentido de valorizar a autonomia da vítima em relação às opções sobre as respostas de que necessitam depois da ocorrência do crime.
O PS entende “que ainda é possível contribuir para uma melhoria das normas penais relativas aos crimes contra a liberdade sexual” e propõe o alargamento do prazo durante o qual é possível apresentar queixa dos atuais seis meses para um ano.
Por outro lado, defende a criação de uma “via verde” no acesso ao direito, “dispensando as vítimas da prova da insuficiência económica”, à semelhança do que já acontece com as vítimas de violência doméstica.
Ministras às turras
Apesar da frente unida na Assembleia da República, o DN relata que há uma divisão dentro do PS em torno deste tema. A deputada Cláudia Santos, por exemplo, é contra a consagração da violação como crime público, considerando que isso iria “instrumentalizar a vítima” e obrigá-la a fazer perícias e prestar depoimentos.
Já Berta Nunes acredita que a actual lei não faz sentido. “O que se passa é que na grande maioria dos casos a violação já é crime público quando, por exemplo, acontece dentro do contexto de violência doméstica; é crime público quando a pessoa está institucionalizada; é crime público para menores. Não vejo nenhum sentido que se uma jovem de 16 anos for violada o crime é público, mas que se tiver 18 anos já não é, porque se quer proteger a autodeterminação da vítima”, aponta.
O deputado Miguel Costa Matos, que é também líder da Juventude Socialista, concorda, defendendo o crime público com as devidas garantias de proteger a vítima. Já Elza Pais, que lidera as mulheres socialistas, acrescenta que é um “absurdo pensar que não punindo os agressores estamos a proteger melhor as vítimas” e frisa que o crime público “não significa que a privacidade da vitima” não é protegida.
Os comentários recentes de Catarina Sarmento e Castro, que disse publicamente se contra o crime público e defendeu que a abertura de um processo “deve depende de queixa”, também não foram apreciados dentro do partido.
Uma fonte socialista afirma que as declarações da Ministra da Justiça dão a entender que o “Governo no seu todo é contra, quando não é verdade“.
Uma outra fonte afirma ainda que a Ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares, Ana Catarina Mendes, que tutela esta área, terá sentido “desconforto” com as declarações de Catarina Sarmento e Castro, dado que estabelecem uma “posição de força de ser contra o crime público”.
“Há um claro e crescente apoio no grupo parlamentar de vários deputados para que a mudança aconteça. O PS já evoluiu na IVG, no casamento entre pessoas do mesmo sexo, por que razão não há de evoluir numa matéria tão importante?”, acrescenta.
Associações pedem rede especializada
A consagração como crime público da violação tem a discordância da Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), para a qual a estratégia deve ser de proteção das vítimas e a manutenção como crime semi-público, defendendo que “não é ético” avançar com leis quando não há serviços na comunidade.
“E o que acontece é que as mulheres são atiradas para os tribunais e para os serviços sem que os profissionais saibam muitas vezes o que estão a fazer e não criámos a rede especializada”, apontou a presidente da associação.
Segundo Margarida Medina Martins, à semelhança do que acontece com a violência doméstica, há uma rede de serviços, mas ainda não foi possível estabilizar os modelos de intervenção e nem todas os técnicos têm os mesmos referenciais de intervenção.
Na opinião da responsável, a violação como crime público não beneficia as vítimas e penaliza-as duplamente, já que ficam “mutiladas pelo violador”, e “abandonadas pelos serviços” e pelo sistema, que “é persecutório, não é apoiante e é ignorante”.
A presidente da AMCV apontou, por outro lado, que o alargamento do direito de denúncia tem de ser diferente do direito de perícia, defendendo que sejam feitas perícias médico-legais independentemente de a vítima querer ou não apresentar queixa.
Adriana Peixoto, ZAP // Lusa