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Juiz Vaz das Neves reclama inocência e diz que não há matéria disciplinar

Manuel de Almeida / Lusa

Vaz das Neves

O ex-presidente do Tribunal da Relação de Lisboa Vaz das Neves, acusado de corrupção e abuso de poder em processo-crime, alegou esta terça-feira em inquirição no Conselho Superior da Magistratura “não se justificar qualquer processo disciplinar” contra si.

“Não se justifica qualquer processo disciplinar porque nenhuma infração disciplinar foi cometida, pelo que o processo (disciplinar) deve ser arquivado”, alegou Vaz das Neves, após explicar detalhadamente no âmbito do inquérito disciplinar do Conselho Superior da Magistratura (CSM) as razões pelas quais se verificaram três distribuições manuais (e não informáticas) na altura em que presidia ao Tribunal da Relação de Lisboa (TRL).

Relativamente à questão disciplinar relacionada com o facto de estar jubilado e ter realizado uma arbitragem, Vaz das Neves alegou que não tinha a perceção que isso não fosse permitido, tanto mais que juízes conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, desembargadores e magistrados de “reconhecido mérito” o “fizeram durante anos” sem que o CSM (órgão de gestão e disciplina dos juízes) manifestasse a sua oposição.

Quanto à distribuições manuais de processos, relativos a recursos interpostos no TRL envolvendo o empresário de futebol José Veiga, o jornal Correio da Manhã e o empresário angolano Álvaro Sobrinho, Vaz das Neves explicou as “circunstâncias” que levaram a que a distribuição fosse manual e não informática (aleatória), considerando que se tratou de meros “atos de gestão” que se justificavam face ao funcionamento específico do TRL.

Durante a audição, Vaz das Neves acusou o seu sucessor à frente do TRL, Orlando Nascimento, de ter permitido a destruição de documentos relativos à distribuição de processos, sem que antes tivesse havido a digitalização dos mesmos.

Vaz das Neves não se coibiu de atribuir também responsabilidades a Orlando Nascimento por ter aceitado decidir em processos que não foram alvo de distribuição informática, mas meramente manual, tendo tal situação tido a sua concordância.

Orlando Nascimento foi ouvido durante a manhã também no âmbito de um processo disciplinar, mas esta sessão foi à porta fechada e o desembargador não quis prestar declarações aos jornalistas no final da inquirição.

Vaz das Neves, que disse ter quebrado o silêncio face a “julgamentos públicos”, reiterou a sua inocência e disse não existir indícios nem provas concretas que justifiquem a manutenção do processo disciplinar instaurado contra si pelo CSM.

Aproveitou para dizer que foi vítima de “populismos fáceis”, através de notícias de jornais e fugas de informação sobre a prova recolhida durante a investigação.

A acusação do Ministério Público no processo-crime conclui que, ao ordenar a distribuição manual, Vaz das Neves violou e desrespeitou o princípio do juiz natural e os deveres de isenção e imparcialidade, em conivência com o juiz Rui Rangel e José Veiga.

Semelhante conduta foi imputada a Vaz das Neves em outros processos, incluindo uma ação civil onde Rui Rangel era parte e no processo de arresto de bens do empresário Álvaro Sobrinho que foi distribuído ao próprio Rangel. Poucos dias depois, diz a acusação, José Veiga transferiu 30 mil euros para a conta do arguido Bernardo Santos Martins, um dos alegados testas-de-ferro de Rui Rangel.

Em julho de 2013, o relator Rui Gonçalves deu provimento integral ao recurso de José Veiga, absolvendo-o dos crimes de fraude fiscal e branqueamento de capitais de que foi acusado em primeira instância, prossegue a acusação do processo-crime.

Dias mais tarde, novamente através da empresa International Services Congo SARL, o agente desportivo efetuou mais uma transferência de 50 mil euros para a conta de Bernardo Santos Martins, que está acusado de fraude fiscal, branqueamento de capitais, e oito dias depois outra transferência de 54 mil euros, seguida de outra de 51 mil euros, entre outras.

Segundo a acusação, as contas bancárias do advogado Santos Martins e do seu filho Bernardo serviram durante vários anos para fazer circular o dinheiro de Rangel e de outras arguidas do processo, entre as quais a juíza e sua mulher Fátima Galante (estão separados sem divórcio formalizado).

Entre agosto de 2012 e setembro de 2013 apurou a investigação que deram entrada na conta de Bernardo Santos Martins cerca de 250 mil euros proveniente da International Services Congo SARL de José Veiga, e posteriormente feitos vários depósitos em contas bancárias de Rui Rangel, Fátima Galante, João Rangel e Rita Figueira, então namorada do magistrado.

O MP alega que Santos Martins e o seu filho Bernardo foram “intermediários e instrumentalizados por Rui Rangel” para receberem elevadas somas de dinheiro nas suas contas bancárias e efetuarem transferências bancárias, levantamentos em numerário e os subsequentes depósitos que o juiz utilizava para pagamento das suas despesas e de pessoas da sua esfera íntima.

A acusação sustenta ainda que o oficial de justiça do TRL e arguido Octávio Correia tinha conhecimento da atuação desenvolvida por José Veiga junto de Rui Rangel, nomeadamente a viciação da distribuição de processos.

Na “operação Lex” estão em causa crimes de corrupção passiva e ativa para ato ilícito, recebimento indevido de vantagem, abuso de poder, usurpação de funções, falsificação de documento, fraude fiscal e branqueamento.

Para garantia do pagamento das vantagens obtidas pelos acusados, num montante superior a 1,5 milhões de euros, foi requerido o arresto do património dos arguidos.

Eanes invoca amizade e “responsabilidade social” para assistir a audição

O antigo Presidente da República Ramalho Eanes justificou esta terça-feira a sua presença na inquirição do desembargador Vaz das Neves no processo disciplinar ligado à Operação Lex por amizade com o arguido e “por uma razão de responsabilidade social”.

Acompanhado pela mulher, Manuela Eanes, o general e conselheiro de Estado falava aos jornalistas momentos antes do início da inquirição do desembargador Vaz das Neves no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, em que o antigo presidente do Tribunal da Relação de Lisboa foi acusado de corrupção passiva para ato ilícito e abuso de poder.

“Estou aqui por uma razão de amizade [com Vaz das Neves] e por uma questão responsabilidade social. Não posso pensar a justiça por aquilo que se diz. Tenho que pensar a justiça pelos dados que colher e pela reflexão sobre isso”, enfatizou Ramalho Eanes, que disse ainda “não pensar nada” sobre a acusação deduzida pelo Ministério Público contra Vaz das Neves, seu amigo.

Ramalho Eanes insistiu que decidiu estar presente na inquirição de Vaz das Neves, acusado no processo Lex juntamente com os desembargadores Rui Rangel e Fátima Galante, para que pudesse ouvir de viva voz o que o antigo presidente da Relação de Lisboa tem para dizer, depois de aquele juiz ter estado “um longo período calado por imposições disciplinares” do Conselho Superior da Magistratura, o órgão de gestão e disciplina dos magistrados judiciais.

Eanes realçou que a justiça é uma das “funções mais importantes do Estado” e lembrou que atualmente, e segundo as sondagens, os “portugueses desconfiam todos da justiça”. “Estou aqui para colher dados de apreciação e poder responder à minha responsabilidade social”, argumentou o general e antigo chefe de Estado.

Ramalho Eanes, que foi Presidente da República entre 1976 e 1986, justificou ainda pretender conhecer melhor e poder apreciar pessoalmente o subsistema de disciplina no sistema de justiça, numa altura em que os “portugueses têm uma perceção global da justiça que é negativa”. “Importa realmente olhar a justiça como ela funciona, como ela já funcionou”, adiantou ainda o antigo chefe de Estado.

Questionado sobre eventuais críticas que lhe possam ser feitas por estar presente num caso disciplinar que envolve acusações de corrupção, tanto mais que é membro do Conselho de Estado, Eanes retorquiu que, apesar de ser conselheiro de Estado, “não abdica dos seus direitos e deveres enquanto cidadão”.

Insurgiu-se ainda contra aquilo que designou de julgamentos na “praça pública”, concluindo: “Condeno à priori todas as condenações públicas, a justiça existe para que não haja a obrigação de estar a julgar na praça pública”.

ZAP // Lusa

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