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Trigo com 100 anos pode alimentar o mundo

 Uma equipa de cientistas está a recorrer a uma coleção de sementes de trigo com 100 anos para assegurar a diversidade genética deste cereal — uma medida que pode ajudar a alimentar a crescente população mundial.

Nas décadas de 1920 e 30, o botânico britânico Arthur Ernest Watkins colecionou mais de 1000 variedades de trigo panificável de 32 países de todo o mundo.

Num estudo recentemente publicado na revista Nature, os cientistas propõem que a sua coleção de sementes — que foi cuidadosamente mantida durante mais de um século — pode ser a chave para fortalecer a agricultura moderna do trigo e alimentar a população mundial em constante crescimento.

Quando Watkin regressou de França, após a Primeira Guerra Mundial, onde trabalhou como assistente de agricultura, ele e os seus colegas previram que os avanços científicos na melhoria de plantas iriam diminuir consideravelmente a diversidade das culturas.

Assim, foi-lhe confiada a tarefa de salvaguardar as variedades autóctones de trigo de todo o mundo. A variedade de trigo que reuniu é ainda hoje a coleção mais completa de variedades trigo do mundo.

Atualmente, o que Watkins previu há um século atrás já se concretizou em grande parte. A “Revolução Verde” do século XX provocou um aumento dramático na produção de cereais graças ao desenvolvimento de variedades de elevado rendimento, especialmente de trigo e arroz.

Mas o rendimento não foi a única caraterística que mudou em resultado das modernas técnicas de melhoramento.

“Nos últimos 100 anos, o rendimento do trigo aumentou, mas as nossas modernas cultivares de trigo são bastante frágeis, com uma redução dramática e homogeneização da diversidade genética”, diz Shifeng Cheng, investigador da Academia Chinesa de Ciências Agrícolas, em Shenzhen, e primeiro autor do artigo.

Perdemos a proteína, o conteúdo nutricional, muitas caraterísticas boas. E isso é um grande problema para garantir a segurança alimentar face às alterações climáticas globais”, acrescenta Cheng.

Os trigos modernos são maioritariamente originários da Europa central e ocidental e descendem de apenas dois grupos ancestrais — o que é muito pouco, tendo em conta que a coleção Watkins representa sete grupos ancestrais. O problema da falta de diversidade é que torna as culturas mais vulneráveis a quase tudo.

“Se houver algum fenómeno imprevisível de pragas, doenças ou alterações climáticas, muitos dos nossos trigos serão dizimados durante os anos de crescimento”, explica Cheng. “Precisávamos de voltar à história, voltar à diversidade perdida”.

Para tal, a equipa internacional de cientistas chineses e britânicos recorreu à coleção Watkins para redescobrir a diversidade histórica do trigo. “A diversidade cria complexidade para a robustez e a inovação”, acrescenta Cheng, citado pela Discover Magazine.

A manutenção da coleção de trigo foi um esforço verdadeiramente gigantesco: as sementes tinham de ser plantadas, cultivadas e recolhidas pelo menos de 5 em 5 anos.

Das 1000 variedades que Watkins tinha recolhido de países europeus, asiáticos e do Norte de África, apenas 827 sobreviveram até ao início do estudo, que começou há 12 anos.

Os cientistas analisaram meticulosamente o trigo, cujo genoma é cinco vezes maior do que o genoma humano, e descobriram que a coleção de trigo Watkins representa 67% mais diversidade genética do que as variedades modernas.

“O trigo de Watkins foi colhido há 100 anos, mas cada variedade de trigo foi cultivada e alimentou pessoas durante centenas ou mesmo milhares de anos”, explica Cheng.

“Adaptaram-se bem aos ambientes locais, resistiram às dificuldades ambientais e mantiveram uma fonte de diversidade rica e subutilizada”, detalha o investigador.

A equipa caracterizou e projetou 137 caraterísticas das variedades autóctones num mapa de variação genómica — aquilo a que Shifeng Cheng chama um “dicionário de genes“, que pode ajudar as comunidades de trigo a reproduzir a antiga diversidade genética útil em variedades de trigo modernas.

Algumas das caraterísticas perdidas identificadas pelos cientistas incluem uma maior eficiência na utilização do azoto, resistência às lesmas e resistência a pragas e doenças.

“Se tivermos muita diversidade, quando surgir uma nova doença, talvez haja uma variedade que seja felizmente resistente a essa doença. É esse o ecossistema de que precisamos”, diz Cheng. “Precisamos da diversidade para podermos lidar com acontecimentos imprevisíveis.”

A diversidade genética pode tornar o trigo mais resistente e dá à produção mundial de trigo uma maior hipótese de recuperar de doenças, pragas, bactérias e alterações climáticas.

Os cientistas já cruzaram 119 variedades da coleção Watkins com trigo moderno para criar uma nova coleção de 12.000 variedades, que estão atualmente armazenadas na Unidade de Recursos de Germoplasma do Centro John Innes e foram introduzidas na China para mais experiências.

Em última análise, a coleção Watkins constitui uma luz de esperança para o desenvolvimento e a adoção de trigos mais resistentes — que poderá ajudar a alimentar de forma mais sustentável a crescente população mundial.

ZAP //

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