Um comunicado interno do Facebook veio a publico inadvertidamente e lançou a rede social em mais uma polémica. O documento afirma ser uma “verdade inconveniente” que o seu serviço “talvez custe vidas” e que tudo o que a empresa fez para crescer foi justificado.
O memorando, escrito a 18 de junho de 2016 pelo executivo Andrew Bosworth e revelado pelo Buzzfeed, afirma que mesmo que pessoas possam morrer como resultado de bullying ou terrorismo com a ajuda do Facebook, tudo o que a empresa fez para crescer é justificado.
Tanto o seu autor como o presidente da empresa, Mark Zuckerberg, negaram acreditar efectivamente nisso, mas a nova polémica pode minar os esforços do Facebook para conter a controvérsia em que a empresa esteve envolvida nas últimas semanas.
O Facebook tem estado sob intenso escrutínio público após ter reconhecido que recebeu relatórios segundo os quais uma consultora política, a Cambridge Analytica, não tinha destruído os dados recolhidos há alguns anos de cerca de 50 milhões de utilizadores – e que os tinha usado para ajudar a eleger Donald Trump.
No memorando, Boswroth assume a “verdade inconveniente“: o Facebook talvez custe uma vida, talvez alguém morra, “mas ainda assim nós continuamos a ligar as pessoas”, concluindo que “todo o trabalho que fazemos para crescer é justificado”.
Apenas uma provocação
, que foi um dos inventores do feed de notícias do Facebook, ocupou desde 2006 altos cargos na hierarquia da empresa. Está actualmente à frente da estratégia da empresa para a realidade virtual.
O executivo publicou entretanto no Twitter que “não concordava” com o teor do texto quando o partilhou, mas que o enviou para “fazer uma provocação” aos funcionários da empresa.
“Debater assuntos difíceis como este é uma parte crítica do nosso processo, e, para o fazer de forma eficiente, temos de ser capazes de levar em consideração até mesmo as ideias más”, explica o executivo.
Também Mark Zuckerberg já se pronunciou sobre o assunto: “Boz é um líder talentoso que diz muitas coisas provocadoras. Este é um caso em que a maioria das pessoas, até eu, discordamos veementemente. Nunca acreditámos que os fins justificam os meios“.
Entretanto, uma reportagem do The Verge revelou que dezenas de funcionários do Facebook usaram ferramentas de comunicação internas para discutir intensamente o memorando e expressar a sua preocupação – não com o seu conteúdo, mas com o facto de que pudesse ter sido vazado para a imprensa por alguns dos seus colegas.
Práticas questionáveis
Rory Cellan-Jones, repórter de tecnologia da BBC, diz que o que mais chamou a sua atenção no memorando foi a frase “todas as práticas questionáveis para obter contatos”.
“Quando descarreguei os meus dados do Facebook, fiquei assustado com a quantidade de números de telefone dos meus contactos que se encontravam guardados. Mas a atitude da empresa fazia parecer que isso era normal e que cabia aos utilizadores desactivar essa função se não gostassem disso”, escreve o jornalista.
“O que sabemos é que, em 2016, um executivo sénior pensou que esse tipo de recolha de dados era questionável. Então, porque é que só agora a empresa está a debater esta e outras práticas duvidosas?”, pergunta Cellan-Jones.
“Até agora, não houve muitas fugas internas do Facebook. Mas talvez em breve venhamos a ter mais informações de pessoas de dentro da empresa, à medida que esta questão tenda a crescer e apresentar a sua verdadeira natureza”, conclui.
A fuga ocorre num momento em que o Facebook tenta reagir às preocupações do público e dos investidores com a forma como a rede social é gerida. As acções da gigante tecnológica caíram 14% desde que o escândalo Cambridge Analytica começou, e nomes de peso começaram a apelar a que as pessoas abandonem a rede social.
Mudanças
A cadeia norte-americana CNN disse esta semana que Zuckerberg decidiu testemunhar perante o Congresso americano “daqui a algumas semanas”, depois de se recusar a fazer o mesmo no Parlamento britânico. No entanto, a BBC não conseguiu confirmar se de facto o fundador do Facebook irá mesmo depor em Washington.
A emporesa anunciou na quinta-feira que começou a fazer a verificação de fotos e vídeos publicados em França, e que expandirá brevemente a medida a outros países.
Também divulgou ter desenvolvido uma nova ferramenta para investigar perfis falsos e conter actividades que possam ser danosas a processos eleitorais. A rede diz também ter iniciado a construção de um arquivo público que permitirá aos jornalistas e outras pessoas investigar a propaganda política publicada na sua plataforma.
A rede social tinha já anunciado uma mudança nas suas configurações de privacidade e anunciado que restringiria o volume de dados que troca com as empresas que recolhem informações para anunciantes.
A mais recente controvérsia deve dar, no entanto, ainda mais armas de arremesso aos críticos do Facebook. E no mínimo, talvez custe empregos.