Russiagate em risco de prescrição. Ano e meio depois, nenhum tribunal é competente

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Manuel de Almeida / Lusa

O ministro das Finanças, Fernando Medina

Arrastam-se em tribunal os autos do caso Russiagate, referente a 225 contraordenações expostas após a partilha de dados pessoais de três ativistas russos. Conflitos de competências não permitem julgar o recurso da Câmara de Lisboa à multa de 1,2 milhões de euros.

Mais de ano e meio depois de a Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) ter decidido aplicar uma multa de 1,2 milhões de euros à Câmara Municipal de Lisboa por 225 infrações do Regulamento Geral de Proteção de Dados (RGPD), os autos do caso Russiagate estão a arrastar-se nos tribunais por conflito de competências.

Depois de o Juízo Local Criminal de Lisboa se declarar incompetente, ainda não se sabe qual é o tribunal competente para julgar o recurso da autarquia.

Agora, as ilegalidades mais antigas, que remetem a 2018, vão prescrever e muitas correm o risco de prescrição — caso o tribunal que venha a ser o escolhido para julgar o recurso entenda que os ilícitos praticados pela autarquia de Fernando Medina não correspondem a uma prática continuada.

Caso a prática seja considerada descontinuada, a contagem do prazo de prescrição inicia-se a partir da data de cada infração, prescrevendo automaticamente as violações de 2018 e deixando perto da prescrição os crimes cometidos em 2019.

Russiagate: da partilha de dados pessoais à multa de 1,2 milhões

Em junho de 2021, a Câmara de Lisboa viu-se acusada de partilhar dados pessoais de três ativistas russos com a Embaixada da Federação Russa em Lisboa e com o Ministério dos Negócios Estrangeiros russo, via e-mail. Os três cidadãos planeavam alegadamente uma manifestação contra o regime do presidente russo, Vladimir Putin.

A Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) abriu um processo para averiguar o caso. No centro da polémica, Fernando Medina, na altura presidente da Câmara de Lisboa, foi ouvido no Parlamento sobre o caso.

A auditoria acabaria por revelar que a autarquia enviou dados pessoais de manifestantes a embaixadas 52 vezes, desde que entrou em vigor o Regime Geral de Proteção de Dados (RGPD), em 2018.

A CNPD acabou por anunciar em julho de 2021 — quando a autarquia era ainda liderada pelo socialista Fernando Medina — a identificação de 225 contraordenações nas comunicações feitas pelo município no âmbito de manifestações, comícios ou desfiles.

O encarregado de proteção de dados da Câmara Municipal de Lisboa foi exonerado, numa decisão que foi vista por alguns como mais uma violação da lei pela Câmara Municipal de Lisboa — “o bode expiatório atrás do balcão”, disse, por exemplo, o vereador do PSD, João Pedro Costa.

Em janeiro de 2022, a CNPD acabaria por multar a Câmara de Lisboa em 1,2 milhões de euros no processo relativo ao tratamento de dados pessoais dos manifestantes.

A CNPD entendeu que foram violados vários artigos da Lei de Proteção de Dados, nomeadamente: “A violação do princípio da licitude lealdade e transparência: violação do princípio da minimização dos dados, na vertente de ‘need to know’ (necessidade de conhecer); da violação do dever de prestar as informações previstas no artigo 13.º do RGPD; da violação do princípio da limitação da conservação e da violação da obrigação da realização de uma avaliação de impacto da proteção de dados“.

Recurso da CML desencadeou desentendimentos

Depois de a Câmara de Lisboa recorrer judicialmente da condenação à multa milionária, foi marcado o julgamento do recurso para o dia 12 de setembro de 2022. No entanto, o magistrado titular decidiu declarar-se incompetente de modo próprio no dia 9 de setembro — três dias antes de o julgamento se iniciar.

Alegou o magistrado, de acordo com o Observador, que “processos de contraordenação por violação das normas do RGPD” cabem “recurso para os tribunais administrativos”.

Para o Ministério Público, a “competência para decidir sobre a presente impugnação da decisão da entidade administrativa será efetivamente deste Juízo Local Criminal de Lisboa”, citando a posição do Tribunal dos Conflitos sobre matérias semelhantes.

A prescrição para a coima tem um prazo de cinco anos e seis meses (três anos de multas acima dos 100 mil euros mais seis meses de suspensão devido à pandemia da Covid-19 e ainda mais dois anos correspondentes a metade do prazo de prescrição mais os 6 meses de suspensão máxima dos autos admitida pela lei).

Em falta ainda decidir qual o tribunal competente para julgar o recurso da CML — que ainda não apresentou várias instâncias para contestar o pagamento da multa global de 1,2 milhões de euros — os autos do Russiagate correm risco sério de prescrição.

Se o tribunal competente entender que estamos perante uma prática continuada da CML — como defende a CNPD —, o prazo de prescrição deverá ser atingido apenas em 2026, uma vez que só começa a contar a partir da data da última violação (que terá ocorrido em 2021).

Mas se a prática for considerada descontinuada, a contagem do prazo de prescrição inicia-se a partir da data de cada infração, tornando prescritas as violações de 2018 e deixando perto da prescrição os crimes cometidos em 2019.

Tomás Guimarães, ZAP //

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