“Não é fuga, é trampolim”. Investigadores testaram, durante três anos, o impacto do rendimento básico universal. Uma das principais conclusões: os beneficiários continuaram a trabalhar, em média, 40 horas por semana.
Um rendimento básico universal – ou, por outras palavras, “dinheiro gratuito” para todos, sem a obrigação de trabalhar – pode parecer um sonho irrealizável.
Mas vários economistas têm ponderado seriamente as vantagens da ideia e desenvolvido modelos sobre como poderia funcionar nas várias sociedades — o homem mais rico do mundo Elon Musk e o falecido Papa Francisco já defenderam o conceito.
Esta é uma questão que a Alemanha discute desde a década de 1970. De certa forma, o país já oferece uma forma de rendimento básico para quem está desempregado.
Mas ao contrário dos atuais sistemas de subsídio de desemprego, o básico universal é concebido como um subsídio mensal pago sem quaisquer condições, independentemente de outros rendimentos. Ou seja, as pessoas podem continuar a trabalhar e ganhar mais dinheiro, se assim o desejarem.
Dão-me dinheiro: vou continuar a trabalhar?
Essa é uma das grandes questões que os investigadores alemães procuravam responder com um estudo de longa duração chamado Projeto-Piloto de Rendimento Básico – um dos estudos mais abrangentes do mundo a testar empiricamente o impacto do rendimento básico incondicional.
Os resultados foram agora divulgados, juntamente com uma série documental que acompanha alguns dos participantes do estudo, Der grosse Traum: Geld für alle (O grande sonho: dinheiro para todos), realizada por Alexander Kleider.
Mais de dois milhões de pessoas candidataram-se para participar no estudo, iniciado pela organização sem fins lucrativos alemã Mein Grundeinkommen (O Meu Rendimento Básico) e conduzido por vários grupos de investigação, incluindo o Instituto Alemão de Pesquisa Económica (DIW Berlin).
Entre os candidatos, 122 indivíduos foram selecionados aleatoriamente para receber 1.200 euros por mês durante três anos, a partir de Junho de 2021. Um grupo de controlo composto por 1.580 pessoas respondeu às mesmas perguntas ao longo do estudo, de forma a comparar o impacto do rendimento na vida dos participantes.
Para garantir dados comparáveis, todas as pessoas envolvidas no estudo tinham entre 21 e 40 anos, viviam sozinhas e tinham um rendimento líquido mensal entre 1.100 e 2.600 euros.
A utopia resulta
A série documental acompanha cinco desses sortudos participantes, os investigadores responsáveis pelos estudos qualitativos e quantitativos, bem como os ativistas da associação Mein Grundeinkommen.
O primeiro episódio da série começa com Michael Bohmeyer, fundador da organização que luta há mais de uma década pelo rendimento básico.
“Sempre quis fazer um documentário sobre o rendimento básico incondicional porque o tema me fascina e porque me pareceu poder ser uma resposta, uma espécie de terceira via entre o capitalismo e, digamos, o socialismo – uma abordagem completamente nova”, explicou Kleider.
“Não queria fazer um filme de propaganda; procurava uma história pessoal. A certa altura, conheci o Michael Bohmeyer e descobri o projeto-piloto, e ficou claro que o que estavam a fazer era algo excecional”, acrescentou.
Até 2014, Bohmeyer foi diretor-geral de uma startup de sucesso. Ao abandonar o cargo, manteve-se como coproprietário passivo, recebendo uma distribuição mensal de lucros no valor de mil euros.
Bohmeyer encarava isso como o seu “rendimento básico pessoal” e acreditava firmemente que todos deveriam ter acesso a um rendimento semelhante, o que o levou a envolver-se profundamente na causa.
Entretanto, os cinco participantes retratados na série foram selecionados para representar diferentes tipos de personalidade e estilos de vida, sendo que dois viviam em Berlim e três noutras cidades alemãs de menor dimensão.
Apesar de esse não ser o objetivo principal do documentário, a série evidencia o contraste entre o idealismo dos ativistas como Bohmeyer e as prioridades consumistas de alguns participantes.
Afinal, passaram a ter, de repente, mais 1.200 euros mensais à disposição, e alguns gastaram esse dinheiro rapidamente, como se tivessem ganho um concurso televisivo.
Bohmeyer admite no documentário que “ficaria frustrado” se o único resultado da experiência fosse os participantes aumentarem o seu “consumo bruto, de forma irrefletida e como forma de distração face a outras questões”.
Os resultados
Uma das principais conclusões do estudo de três anos foi que os beneficiários do rendimento básico continuaram a trabalhar, em média, 40 horas por semana, contrariando o mito de que o rendimento básico tornaria as pessoas preguiçosas.
No entanto, uma percentagem significativamente maior de participantes do grupo do rendimento básico mudou de emprego, em comparação com o grupo de controlo. A existência de um “colchão financeiro” pode ter incentivado essa mudança.
Verificou-se ainda que mais pessoas no grupo do rendimento básico iniciaram estudos, por vezes em paralelo com o trabalho.
As mudanças profissionais ocorreram principalmente nos primeiros 18 meses do período de estudo. Depois de receberem o rendimento básico, os beneficiários referiram sentir-se significativamente mais satisfeitos com a sua situação laboral – independentemente de terem ou não mudado de ocupação.
Os participantes que receberam o rendimento básico relataram um aumento no seu nível de satisfação com a vida, um dos aspetos que a psicóloga Susann Fiedler, diretora do Instituto de Cognição e Comportamento, considerou particularmente revelador.
Quem paga?
No dia 1 de Maio, o Mein Grundeinkommen selecionou aleatoriamente outro grupo de pessoas para receberem rendimento básico durante um ano. A organização está a investir mais de 500 mil euros, angariados junto de diversos doadores que acreditam na ideia.
Mas como poderia o rendimento básico incondicional ser financiada na prática?
A proposta é vista como uma redistribuição da riqueza através da tributação. De acordo com os cálculos dos ativistas, os 10% mais ricos da Alemanha acabariam por contribuir com uma parte dos seus rendimentos para todos os outros.
Estimam que 83% da população teria assim acesso a mais dinheiro. Os 7% restantes, com rendimentos médios, não seriam afetados pelo esquema de redistribuição.
Em tempos de populismo crescente, os ativistas do rendimento básico acreditam que esta é uma forma de combater o descontentamento causado pela desigualdade de rendimentos.
Como sublinham, o estudo demonstra claramente que o rendimento básico não leva as pessoas a deixarem de trabalhar.
“O que vemos é que o rendimento básico não é uma fuga, mas sim um trampolim social. O rendimento básico capacita as pessoas”, afirmou Klara Simon, atual líder da associação Mein Grundeinkommen, na conferência de imprensa em que foram apresentados os resultados.
“E quem conhece estes resultados e ainda assim não age, está a opor-se ao potencial desta sociedade; ao poder inovador que nela dorme; à igualdade de oportunidades e a uma democracia mais forte.”